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A CAMPANHA DA FRATERNIDADE
2022 E OS DESAFIOS DA
EDUCAÇÃO NA AMAZÔNIA À LUZ
DO SÍNODO ESPECIAL PARA A
AMAZÔNIA
THE FRATERNITY CAMPAIGN AND
THE CHALLENGES OF EDUCATION
IN AMAZON STATE IN LIGHT OF
THE SPECIAL SYNOD FOR THE
AMAZON
Márcia Maria de Oliveira*
Resumo: Neste artigo trazemos para o debate o tema da Campanha da
Fraternidade 2022 ‘Fraternidade e Educação’ em diálogo direto com
algumas breves memórias do processo sinodal que conduziu a Igreja da
Amazônia no processo preparatório ao Sínodo Especial para a Amazônia,
intitulado ‘Amazônia:novos caminhos para a igreja e para uma Ecologia
Integral’. É resultado dos diversos círculos de formação sobre a Campanha
da Fraternidade realizados em diversas comunidades da periferia de Boa
Vista, capital de Roraima durante o período da quaresma. Recolhe
fragmentos do Documento Final da Assembleia Sinodal e da Exortação
Pós-Sinodal ‘Querida Amazônia’ na perspectiva da educação na Amazônia.
Traz para o debate a temática da Ecologia integral que foi o tema
transversal do Sínodo, passando, necessariamente pelo debate da Encíclica
Laudato Si`. Por fim, apresenta a sinodalidade como caminho e caminhada
da Igreja da Amazônia e uma orientação para toda Igreja descolonizar suas
práticas e metodologias pastorais à luz da sinodalidade que representa
importantes rupturas nos itinerários de toda Igreja num processo de
aprendizado com os Povos Indígenas.
Palavras-chave: campanha da fraternidade. Educação. Sinodalidade.
Ecologia Integral. Querida Amazônia. Sínodo Especial para a Amazônia.
v. 39, n. 132, Passo Fundo,
p. 56-67, Jan./Jun./2022,
ISSN on-line: 2763-5201
DOI:dx.doi.org/10.52451/teopraxis.v39i132.104
* Doutora em Sociedade e Cultura na
Amazônia; Professora da Universidade
Federal de Roraima; Assessora da Rede
Eclesial Pan-Amazônica (REPAM)
E-mail: marciamariola@gmail.com
https://orcid.org/0000-0001-5511-0942
Recebido em 07/10/2021
Aprovado em 21/05/2022
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INTRODUÇÃO
No seu anúncio ao Sínodo Especial para a Amazônia, em 15 de
outubro de 2017, o Papa Francisco enfatizava o caráter abrangente do
sínodo, sua preocupação em apontar novos caminhos para a
evangelização e o desafio da escuta aos povos indígenas:
Atendendo o desejo de algumas Conferências
Episcopais da América Latina, assim como ouvindo a
voz de muitos pastores e fiéis de várias partes do
mundo, decidi convocar uma Assembleia Especial do
Sínodo dos Bispos para a região Pan-amazônica. O
Sínodo será em Roma, em outubro de 2019. O objetivo
principal desta convocação é identificar novos
caminhos para a evangelização daquela porção do Povo
de Deus, especialmente dos indígenas, frequentemente
esquecidos e sem perspectivas de um futuro sereno,
também por causa da crise da Floresta Amazônica,
pulmão de capital importância para nosso planeta. Que
os novos Santos intercedam por este evento eclesial
para que, no respeito da beleza da Criação, todos os povos
da terra louvem a Deus, Senhor do universo, e por Ele
iluminados, percorram caminhos de justiça e de paz
1
.
O anúncio do sínodo representa um prenúncio da intensa, ativa
e efetiva participação dos Povos Indígenas em todo o processo sinodal
com importantes logros para a igreja e para as lutas e resistências dos
povos indígenas. Ao mesmo tempo insere no processo sinodal a
dimensão da escuta como atitude de aprendizagem na perspectiva do
lema da Campanha da Fraternidade 2022: “Fala com sabedoria, ensina
com amor” (Pr 31,26)
2
. Na perspectiva indigne, saber falar com
sabedoria implica saber escutar com profundidade.
Abstract: In this article, the theme of the 2022 Fraternity Campaign is
brought to the debate “Fraternity and Education” in direct dialogue with
some brief memories of the synodal process that led the Amazon church in
the preparatory process in the special synod for the Amazon, titled:
“Amazon: new paths for the church e for a Integral Ecology”. It is the result
of several formation circles about the Fraternity Campaign that were held
in many communities on the outskirts of Boa Vista, the capital city of
Roraima State, during the lent period. It collects fragments of the Final
Document of the Synodal Assembly and of the Post-synodal Exhortation
“Dear Amazon” in the perspective of education in the Amazon. It brings to
the debate the subject of Integral Ecology that was the transversal theme,
passing necessarily through the debate of the Encyclical Laudato Si.
Finally, it presents Synodality as the path and the walk of the Amazon
Church and guidance for the whole Church to decolonize its pastoral
practices and methodologies in the light of Synodality that represents
important ruptures in the itineraries of the whole Church in a learning
process among indigenous peoples.
Keywords: fraternity campaign. Education. Synodality. Integral Ecology.
Dear Amazon. Special Synod for the Amazon.
v. 39, n. 132, Passo Fundo,
p. 56-67, Jan./Jun./2022,
ISSN on-line: 2763-5201
1 Sínodo Especial para a Amazônia realizado em outubro de 2019 (https://
www.cnbb.org.br/convocado-um-sinodo-especial-para-a-amazonia-a-ser-realizado-
em-outubro-de-2019/). Consultado em: 20/07/2020.
2 Texto bíblico citado a partir da Bíblia Sagrada, tradução oficial da CNBB. Brasília: Ed.
CNBB, 2018.
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Em sua convocatória oficial o Papa Francisco afirmou que o Sínodo deveria “debater
temas relacionados à evangelização dos povos da Amazônia, as possibilidades de uma
Ecologia Integral e as lições de convivência e de cuidado com a criação que os Povos
Indígenas ensinam para todo o planetae enfatizava: “é bom que agora sejais vós próprios
a autodefinir-vos e a mostrar-nos a vossa identidade. Precisamos escutar-vos”. Disse o
Papa Francisco em Porto Maldonado na abertura oficial do Sínodo Especial para a
Amazônia em 18 de janeiro de 2018
3
.
A ênfase à escuta aos Povos Indígenas nas suas mais variadas línguas, etnias e
experiências culturais, nas florestas e nas cidades da Amazônia, foi constante em todo o
processo preparatório, durante a Assembleia Sinodal e no processo pós-sinodal. A frase
“precisamos escutar-vos” soou como um verdadeiro mandato do Papa Francisco para toda
a Igreja. Nas suas organizações internas e internacionais, os Povos Indígenas participaram
ativamente de todo o Processo Sinodal e revelaram seu entendimento e vivência da Ecologia
Integral como projeto de vida e de sociedade baseado no Bem Viver. Também ensinaram a
prática da sinodalidade, tão cara ao Papa Francisco e a todo o colegiado da Assembleia Sinodal.
UMA RELEITURA DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2022 À LUZ DA SINODALIDADE
A Campanha da Fraternidade de 2022 objetivou “promover diálogos a partir da
realidade educativa do Brasil, à luz da cristã, propondo caminhos em favor do
humanismo integral e solidário”
4
. O desafio do diálogo é a base de toda a reflexão em torno
do tema e do lema da Campanha da Fraternidade 2022. Dialogar implica em saber escutar
e saber falar. Uma atitude depende da outra. Deixar os povos indígenas falar implica em
saber calar para os escutar numa atitude decolonial profunda. Escutar não é a atitude
principal da sinodalidade, palavra latina que significa caminhar juntos.
Este foi o fio condutor da Assembleia Sinodal e o caminho do discernimento sob a
orientação do Papa Francisco, para escutar a realidade, discernir os possíveis caminhos a
serem trilhados e promover ações que venham de encontro com as necessidades da região
pensada a partir das particularidades de seu bioma, da diversidade sociocultural de seus
povos e da posição estratégica que ela ocupa no planeta. A sinodalidade fundamenta-se na
Constituição Apostólica Episcopalis Communio sobre o Sínodo dos Bispos, lançada pelo
Papa Francisco em 2018, em pleno processo sinodal na Amazônia.
O Sínodo dos Bispos deve tornar-se cada vez mais um instrumento privilegiado
de escuta do Povo de Deus: Para os Padres sinodais, pedimos, do Espírito Santo,
antes de mais nada o dom da escuta: escuta de Deus, até ouvir com Ele o grito do
povo; escuta do povo, até respirar nele a vontade de Deus que nos chama. Por
isso, embora na sua composição se configure como um organismo
essencialmente episcopal, o Sínodo não vive separado do resto dos éis. Pelo
contrário, é um instrumento adequado para dar voz a todo o Povo de Deus
precisamente por meio dos Bispos, constituídos por Deus autênticos guardiões,
intérpretes e testemunhas da de toda a Igreja, mostrando-se de Assembleia
em Assembleia uma expressão eloquente da sinodalidade como dimensão
constitutiva da Igreja
5
.
3 O Sínodo da Amazônia começou em Puerto Maldonado. Amazônia: novos caminhos para a Igreja e por uma
ecologia integral. É um tema que contém poucas, mas significativas palavras que expressam o conteúdo e a finalidade
que levaram à convocação do Sínodo, e delinearam o primeiro encontro no Vaticano. Disponível em: https://
www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2018-04/sinodo-da-amazonia.html. Consultado em 20/07/2020.
4 Sobre a Campanha da Fraternidade 2022 “Fraternidade e Educação”. Disponível em: https://campanhas.cnbb.org.br/
sobre-a-campanha-da-fraternidade-2022.html. Acesso em 28/05/2022.
5 Papa FRANCISCO, Episcopalis communio: sobre o sínodo dos bispos, p.5-6.
OLIVEIRA, Márcia Maria de
A Campanha da Fraternidade 2022 e os desafios da Educão na Amazônia à luz do Sínodo Especial para a Amazônia
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.39, n.132, p.56-67, Jan./Jun./2022. ISSN On-line: 2763-5201.
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O processo sinodal, nesta perspectiva da sinodalidade proposta na Episcopalis
Communio, se baseia numa atitude permanente de escuta e discernimento, especialmente
daquela porção do Povo de Deus que foi negligenciada nos espaços de fala desde a
colonização. A Sinodalidade representa uma mudança de paradigmas nas relações de poder
da Igreja, na qual o bispo passa a ser ouvinte numa atitude permanente de escuta.
Entretanto, para escutar profundamente, é preciso calar e dar voz ao povo. Calar como
atitude interior de profunda aprendizagem.
A sinodalidade aponta para uma importante mudança no lugar de fala. Esta mudança
foi amplamente experimentada durante todo o processo sinodal, através dos diversos
instrumentos preparatórios que promoveram a escuta de pequenos grupos da
Comunidades Eclesiais de Base - CEBs, de grupos de mulheres, jovens, comunidades
indígenas, ribeirinhas, quilombolas, grupos de terreiro de matriz africana, grupos de
outras confissões religiosas, movimentos sociais, universidades, instituições internacionais
que atuam na Amazônia como parceiras na defesa dos direitos humanos e das questões
ecológicas
6
. Em clima de sinodalidade, foram realizados diversos seminários, inclusive no
âmbito acadêmico, fóruns de debate, mesas-redondas, rodas de conversas, em todas as
instâncias de participação coletiva da Igreja Católica na Pan-Amazônia e em outras regiões.
Enquanto metodologia, a sinodalidade coloca em debate modelos de participação
popular capazes de gerar processos profundos de transformação observados nas
experiências das Comunidades Eclesiais de Base nas décadas de 1980-1990 em toda Pan-
Amazônia. Nesta perspectiva, o sínodo continuidade ao processo de descolonização da
atuação pastoral da Igreja que passa pelo discurso e pelas práticas religiosas e pastorais.
Entretanto, trata-se de uma tarefa difícil, porque a descolonização implica também em
mudanças profundas no pensamento da Igreja. Acionada inúmeras vezes no Documento
Preparatório e no Instrumentum Laboris, a descolonização implica renunciar a valores
etnocêntricos que não respeitam as demais culturas e seus valores. Implica reconhecer os
saberes, as ciências e as espiritualidades de outros povos com suas línguas, costumes e
culturas. Em poucas palavras respeitar o outro na sua diferença e não o nivelar numa
cultura hegemônica como a proposta pelo capitalismo que não se encontra apenas no
aspecto econômico, mas, incide também com grande força na produção do pensamento, da
religião, da moral, da ética e da política. Descolonizar as práticas pastorais e o pensamento
religioso é um dos grandes desafios a que se propõe o Sínodo da Amazônia. O parágrafo 56
do Instrumentum Laboris afirma que
O desafio que se apresenta é grande: como recuperar o terririo amazônico,
resgatá-lo da degradão neocolonialista e devolver-lhe seu bem-estar
saudável e autêntico? Desde milhares de anos devemos às comunidades
abogenes o cuidado e o cultivo da Amazônia. Em sua sabedoria ancestral
cultivaram a convicção de que a criação inteira está interligada, o que merece
nosso respeito e responsabilidade. A cultura da Amazônia, que integra os
seres humanos com a natureza, se constitui como referente para construir um
novo paradigma da ecologia integral. A Igreja deveria assumir em sua missão
o cuidado da Casa Comum
7
.
No pensamento neocolonial, o nenhum entendimento de uma Casa Comum.
As casas são privadas. Tudo é propriedade privada e cada um cuida do que é seu, e
6 Os relatórios dos diversos grupos, movimentos sociais, organismos pastorais, dioceses e prelazias foram
sistematizados pela Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM, num documento denominado Síntese das Escutas do
Processo Sinodal. Este documento sinaliza a participação direta de cerca de 100 mil participantes na primeira fase do
processo sinodal de junho a dezembro de 2018. Estão disponíveis para consulta no site da REPAM (http://
repam.org.br/wp-content/uploads/2019/07/Hacia-el-Sinodo-Panamazonico_Libro-digital-Ultimo.pdf.).
7 Papa FRANCISCO, Instrumentum Laboris - Documento de Trabalho do Sínodo Especial para a Amazônia, p.23.
OLIVEIRA, Márcia Maria de
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ninguém se preocupa com a casa de ninguém. Pensar a Casa Comum implica em mudar
drasticamente o pensamento neocolonialista e passar a pensar e encarar coletivamente os
problemas que afetam toda sociedade como a questão ambiental, a fome, a miséria e o
empobrecimento de sociedades inteiras. Pensar juntos e buscar saídas coletivas é o grande
desafio. Mas, para isso, é preciso descolonizar o pensamento etnocêntrico. No artigo 76 o
Instumentum Laboris aprofunda o tema da família e seus desafios na Amazônia e afirma que
Na Amazônia a família foi vítima do colonialismo no passado e de um
neocolonialismo no presente. A imposição de um modelo cultural ocidental
inculcava um certo desprezo pelo povo e pelos costumes do território
amazônico, e chegava-se a qualificá-los como “selvagens”, ou “primitivos”.
Atualmente, a imposição de um modelo econômico ocidental extrativista volta
a atingir as famílias, invadindo e destruindo suas terras, suas culturas e suas
vidas, forçando-as a migrar para as cidades e suas periferias
8
.
Nessa perspectiva, a ruptura com o pensamento neocolonial é fundamental para se
repensar a Amazônia. Em muitas críticas que se tecem contra o Sínodo, seus arguidores
continuam denominando os povos da Amazônia como “selvagens”, ou “primitivos” da
mesma forma que os colonizadores mais de quinhentos anos atrás. A permanência
destes vocábulos comprova que o pensamento neocolonial impede o avanço das ideias e
mantém seus seguidores atrasados no tempo e na história. O parágrafo 103 do Instumentum
Laboris apresenta o colonialismo relacionado com a
Mentalidade economicista-mercantilista, consumismo, utilitarismo,
individualismo, tecnocracia, cultura do descarte. Uma mentalidade que se
expressou historicamente em um sistema de domínio territorial, político,
econômico e cultural que persiste de várias formas até os dias de hoje,
perpetuando o colonialismo. Uma economia baseada exclusivamente no lucro como
única finalidade, que exclui e atropela os mais fracos e a natureza, se constitui
como ídolo que semeia destruição e morte. Uma mentalidade utilitarista concebe
a natureza como mero recurso e os seres humanos como simples produtores-
consumidores, violando o valor intrínseco e a relacionalidade das criaturas. O
individualismo enfraquece os vínculos comunitários, ofuscando a
responsabilidade em relação ao próximo, à comunidade e à natureza. O
desenvolvimento tecnológico trouxe grandes benefícios para a humanidade mas,
ao mesmo tempo, sua absolutização levou-o a ser um instrumento de posse,
domínio e manipulação (cf. LS 106) da natureza e do ser humano. Tudo isto gerou
uma cultura global predominante, a qual o Papa Francisco chamou “paradigma
tecnocrático” (LS 106). O resultado é uma perda do horizonte transcendente e
humanitário, onde se transmite a lógica do “usa e joga fora” (LS 123), gerando uma
cultura do descarte (LS 22) que agride a criação
9
.
Em muitas outras ocasiões, o Instumentum Laboris apresenta o desafio da
descolonização da Igreja e do pensamento hegemônico para se avançar na proposta do
cuidado com a Casa Comum na perspectiva da Ecologia Integral como condição para se
repensar os caminhos da “Igreja com rosto amazônico”. A grande maioria dos Bispos da
Pan-Amazônia tem levado isso muito a sério e vem aprofundamento a temática da
descolonização em suas bases pastorais e elaborando propostas para se materializar a
descolonização nas suas práticas e no pensamento teológico e eclesial.
Descolonizar o pensamento e as práticas é deixar-se amazonizar
10
com outros valores
8 Papa FRANCISCO, Instrumentum Laboris - Documento de Trabalho do Sínodo Especial para a Amazônia, p.30.
9 Papa FRANCISCO, Instrumentum Laboris - Documento de Trabalho do Sínodo Especial para a Amazônia, p.30.
10 Amazonizar foi uma expressão ou neologismo recuperada nas escutas sinodais e passou a ser utilizada para explicar a
mudança de paradigmas com relação à Amazônia. Amazoniza-te foi tema de uma intensa campanha da REPAM no
processo pós-sinodal que mobilizou muitos setores da sociedade em favor da Amazônia e de seus povos. Disponível
em: https://repam.org.br/tag/amazoniza-te/
OLIVEIRA, Márcia Maria de
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e conhecer e experimentar outras possibilidades de convivência com a Amazônia sem
necessariamente destruir suas riquezas naturais, fonte de vida e esperança para seus povos
e para toda humanidade.
De forma pedagógica, as diversas formas de reflexão e formação proporcionadas
durante a escuta sinodal contribuíram para se conhecer melhor a Amazônia, o modo de ser
e de viver de seus povos, com seus recursos de uso coletivo compartilhados num modo de
vida não capitalista adotado e assimilado milenarmente. Desta forma, o processo sinodal
reconheceu a espiritualidade e a sabedoria dos povos dessa imensa região, de modo
especial dos Povos Indígenas, e entrou num processo de aprendizado mútuo e contínuo de
discernimento para uma conversão pastoral e ecológica, apresentada como grande
horizonte no Instrumentum Laboris, o documento de Trabalho da Assembleia Sinodal que
levou a Roma os clamores e a presença viva destes povos em marcha de libertação, tendo
em vista os novos caminhos para uma Igreja com Rosto Amazônico
11
.
A CAMPANHA DA FR ATERNIDADE E AS LIÇÕES DA AMAZÔNIA
A Campanha da Fraternidade de 2022 foi impulsionada pelo Pacto Educativo
Global, convocado pelo Papa Francisco
12
. Quando da sua convocação, o Papa Francisco
insiste num projeto de educação humanizada que contribua na formação de pessoas
abertas, integradas e interligadas, que também sejam capazes de cuidar da casa comum,
numa referência aos desafios apresentados na Encíclica Laudato Sì
13
: “a educação será
ineficaz e os seus esforços estéreis se não se preocupar também em difundir um novo
modelo relativo ao ser humano, à vida, à sociedade e à relação com a natureza”.
A educação humanizada proposta no pacto educativo pode ser perfeitamente
reinterpretada como a educação popular amplamente praticada na Amazônia nos
pequenos grupos populares que se reúnem para aprofundar a Palavra de Deus a partir dos
desafios da realidade contextual. Foi essa metodologia que orientou uma infinidade de
rodas de conversas ou círculos populares, de diversos grupos em suas comunidades,
pastorais, paróquias ou dioceses, com espaço para conversar, rezar e celebrar suas lutas e
identidades culturais. Esta dinâmica contribuiu para reconhecer as lutas e resistências dos
Povos da Amazônia que enfrentam mais de 500 anos de opressão e colonização com
projetos desenvolvimentistas pautados na exploração desmedida e na destruição da floresta
e dos recursos naturais.
Apesar da Campanha da Fraternidade não enfatizar a importância da Educação
Popular no itinerário do Pacto Educativo Global, os grupos das Comunidades Eclesiais de
Base espalhados em toda a Amazônia, sabem o seu valor quando se reúnem para debater
suas dificuldades e buscar caminhos de superação dos seus sofrimentos. São saberes
necessários à prática educativa fundamentada na proposta de Freire ao afirmar que
“ensinar não é transferir a inteligência do objeto ao educando, mas instigá-lo no sentido de
que, como sujeito cognoscente, se torne capaz de inteligir e comunicar o inteligido”
14
.
Novamente o desafio da escuta como observação, contemplação, internalização, o
que exige silêncio profundo e abertura para o aprendizado. O texto base da Campanha da
Fraternidade 2022 insiste “que se trata de uma campanha que, mais do que abordar outro
11 Márcia Maria OLIVEIRA, Desaos e perspectivas do processo de preparação do Sínodo Especial para Amazônia, p.10.
12 No dia 15 de outubro de 2020 o Pacto foi lançado no Vaticano e, desde então, todo o globo tem se mobilizado para
discutir, mobilizar e tornar o pacto algo concreto em nossas políticas educacionais e institucionais. Disponível em:
https://anec.org.br/acao/pacto-educativo-global/. Acesso em 25/05/2022.
13 Papa FRANCISCO, Carta Encíclica Laudato Si’: sobre o cuidado da casa comum, p.163-164.
14 Paulo FREIRE, Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa, p.134.
OLIVEIRA, Márcia Maria de
A Campanha da Fraternidade 2022 e os desafios da Educão na Amazônia à luz do Sínodo Especial para a Amazônia
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Passo Fundo, v.39, n.132, p.56-67, Jan./Jun./2022. ISSN On-line: 2763-5201.
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aspecto específico da problemática educacional, vai refletir sobre os fundamentos do ato de
educar na perspectiva católico-cristã”. Dessa forma, a educação é compreendida não apenas
com um ato escolar, mas, acima de tudo, como umaão transformadora de toda a sociedade.
Assim, a Educação Popular reúne as mais variadas tradições críticas latino-
americanas para apresentar uma proposta educacional e pedagógica para toda a sociedade
comprometida com a construção de uma realidade mais justa e sem desigualdades sociais e
econômicas excludentes. Nesse sentido, buscam formar seres humanos comprometidos
com a construção do respeito às diferenças em seus diferentes cenários de ação, revelando
desigualdades e iniquidades e dispostos a refundar a democracia a partir de identidades
locais. Com os grupos sociais, além de tudo o que se faz, a educação popular concebida e
ensinada por Paulo Freire é uma importante orientação para a aprendizagem ao longo da
vida, o que implica, entre outras metodologias, a multiplicação de agentes sociais
comprometidos com a transformação social.
Da Amazônia brasileira, a herança intelectual do jesuíta Claudio Perani
15
desenvolveu juntamente com lideranças populares, de forma didática e objetiva, os
'Cadernos Populares', subsídios didáticos que representam o reconhecimento da
capacidade interpretativa de lideranças sociais com o objetivo de promover
transformações sociais em conjunto com os setores populares.
No itinerário da sinodalidade, o sínodo especial para a Amazônia foi uma resposta
do Papa Francisco às demandas das conferências episcopais dos países Pan-Amazônicos:
Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Venezuela e Guiana
Francesa. Os bispos destes nove países formaram o Conselho Sinodal que contou ainda
com a presença de outros cardeais convidados pelo Papa Francisco para contribuírem com
o debate e com especialistas em temas relacionados às questões centrais do Sínodo
16
. Quem
presidiu todo o processo sinodal até a Assembleia foi o Papa Francisco utilizando-se de
uma metodologia que é eminentemente participativa baseada na Colegialidade. Nesta
perspectiva, Ulloa e Lopes
17
salientam que,
A proposta de Francisco amplia a compreensão do nodo como participação
característica do colégio episcopal na solicitude pastoral universal e empenho
missionário (CD 5; AG 29). Sem desconfigurar a instituição canônico-pastoral
do Sínodo dos Bispos, o Papa, com o uso do termo sinodalidade, propõe uma
atitude a ser assumida por todo o corpo eclesial, ou seja, uma disposição
permanente de sinergia, do esforço de caminhar juntos.
Orientadas pela metodologia da sinodalidade, todas as dioceses dos nove países da
Pan-Amazônia realizaram inúmeras atividades em preparação às Assembleias Territoriais
que recolheram e sistematizaram, de forma transparente e participativa, inúmeros
relatórios das mais diversificadas atividades que promoveram ampla participação de toda
comunidade católica neste processo denominado pelo documento preparatório de “escuta
sinodal” conforme prevê o Art. 6 - Consulta do Povo de Deus, da Constituição Apostólica
Episcopalis communio
18
.
15 Padre Cláudio Perani e a Educação Popular na Amazônia. https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/615483-padre-
claudio-perani-e-a-educacao-popular-na-amazonia.
16 Participei neste grupo na qualidade de “expert” ou perita, para contribuir com reflexões sobre o tema das migrações,
refúgio e crescimento das cidades na Amazônia com todos os desafios pastorais que estes temas implicam. Fui a
única mulher leiga nesse grupo.
17 Boris Agustín Nef ULLOA e Jean Richard LOPES, Sinodalidade, caminho de comunhão e unidade, segundo Atos dos
Apóstolos, p.207.
18 Papa FRANCISCO, Episcopalis communio: sobre o sínodo dos bispos, p.19.
OLIVEIRA, Márcia Maria de
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Por isso, embora na sua composição se configure como um organismo
essencialmente episcopal, o Sínodo não vive separado do resto dos éis. Pelo
contrário, é um instrumento adequado para dar voz a todo o Povo de Deus
precisamente por meio dos Bispos, constituídos por Deus “autênticos
guardiões, intérpretes e testemunhas da de toda a Igreja”, mostrando-se de
Assembleia em Assembleia uma expressão eloquente da sinodalidade como
dimensão constitutiva da Igreja.
Praticamente todo o quinto capítulo do Documento Final da Assembleia Sinodal
dedica-se ao aprofundamento do tema da sinodalidade numa perspectiva de itinerário
metodológico e pastoral que pressupõe instaurar nas igrejas particulares um estilo de vida
inspirado na sinodalidade e na Ecologia Integral. Isso significa romper com estruturas
rígidas e inaugurar outras metodologias pastorais mais leves e participativas, comprometidas
com a revelação de Deus na caminhada do povo. Nessa perspectiva, a sinodalidade
experimentada no processo sinodal implica em mudanças profundas na estrutura de toda
igreja, e não apenas na Amazônia. A este respeito, Ulloa e Lopes, assinalam que,
A sinodalidade caracteriza-se, segundo Atos dos Apóstolos, na convicção de que
a presença do Ressuscitado é atualizada pelo Espírito Santo no caminho das
comunidades desde Jerusalém até os confins do mundo (cf. At 1,8). É o Espírito
que qualifica a vida de todos os batizados para, no exercício da
corresponsabilidade e da participação, responderem juntos, éis e pastores,
com coerência ao chamado do Senhor. Por isso, a experiência da sinodalidade
será sempre um caminho aberto que exigirá da Igreja, em todos os tempos, a
coragem de viver, na história, um testemunho maduro e dinâmico capaz de ser
sinal de comunhão e unidade
19
.
De acordo com as características observadas pelos referidos autores, o Sínodo
Especial para a Amazônia exercitou a sinodalidade em todo o seu processo preparatório e,
de modo especial, durante a Assembleia Sinodal. Ao mesmo tempo, o processo sinodal
apresentou elementos concretos de uma Igreja em saída, propostos em Medellín e Puebla.
A este respeito, Sbardelotti afirma que,
A Teologia Latino-Americana e Caribenha é construída com e por rias mãos,
com e por vários rostos; bebendo do po da Bíblia a partir de uma leitura popular,
por um lado, e de uma pesquisa acadêmica abundante e perseguida por outro;
bebendo do poço do Concílio Ecunico Vaticano II, do Pacto das Catacumbas da
Igreja Servidora e Pobre, dos rtires da Caminhada, da atualização do Vaticano II
pela Confencia de Medellín e pela Opção pelos Pobres na Conferência de Puebla.
Em sintonia com a Igreja em Saída sugerida e querida pelo Papa Francisco,
sementes estão sendo lançadas neste chão adubado com o sangue de mulheres e
homens, que, no seguimento a Jesus de Nazaré, assumem, sem medo, todos os riscos
e consequências, o testemunhas fiéis do que pede o Evangelho, o herdeiros de
uma pedagogia e de uma ptica libertadora
20
.
Fiel ao itinerário da sinodalidade, a ‘Igreja Servidora e Pobre’ caracterizada no
quinto capítulo do Documento Final da Assembleia Sinodal, caminha com os pobres e vai
assumindo na Amazônia o compromisso com as causas indígenas e camponesas, com os
pobres das periferias das grandes cidades que concentram cerca de 83% da população, com
os migrantes expulsos de seus países e territórios, com as mulheres. A metodologia
participativa foi caracterizada pelo debate em torno da busca coletiva dos ‘novos caminhos
para a Igreja e para uma ecologia integral’, tema central do Sínodo
21
.
19 Boris Agustín Nef ULLOA e Jean Richard LOPES, Sinodalidade, caminho de comunhão e unidade, segundo Atos dos
Apóstolos, p.218.
20 Emerson SBARDELOTTI, De Medellín a Puebla: uma Igreja em Saída, p.7.
21 Márcia Maria OLIVEIRA, Desaos e perspectivas do processo de preparação do Sínodo Especial para Amazônia, p.13.
OLIVEIRA, Márcia Maria de
A Campanha da Fraternidade 2022 e os desafios da Educão na Amazônia à luz do Sínodo Especial para a Amazônia
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.39, n.132, p.56-67, Jan./Jun./2022. ISSN On-line: 2763-5201.
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Os itinerários da sinodalidade retomam as orientações de uma ecoteologia encarnada
na vida e na história do povo da Amazônia e materializa a experiência da sinodalidade com
bases e fundamentos nas Sagradas Escrituras nas quais, “a sinodalidade é expressa por meio
de uma construção literário-teológica, que reflete e estimula uma práxis, um modo de ser e
agir. A experiência blica, portanto, chama o leitor, individual e coletivamente, a uma
inserção progressiva e permanente no caminho, ao longo do qual Deus se revela
22
.
A ecoteologia representa parte da materialização da proposta do Papa Francisco na
Ecologia Integral apresentada para toda Igreja na Encíclica Laudato Sí publicada em 2015. A
Ecologia Integral foi o tema transversal do Sínodo da Amazônia, do Documento Final e da
Encíclica Querida Amazônia. Os “novos caminhos para a Igreja e para uma Ecologia
Integral” desafiaram e continuam desafiando o Povo de Deus na Amazônia a apresentar
para toda a Igreja Universal um novo rosto que se configura nos rostos diversos dos povos
indígenas, das mulheres, dos migrantes, dos jovens, dos pobres e excluídos na Amazônia.
Na sua Exortação Apostólica Pós-Sinodal ‘Querida Amazônia’ o Papa Francisco
reconhece e confirma que o Sínodo para a Amazônia inaugura um novo tempo para a toda
Igreja. Tempo do escutar, refletir e agir, pois “a Amazônia arde em chamas e não pode
mais esperar”, afirma o documento. De forma didática, a Querida Amazônia apresenta um
diagnóstico preciso e completo dessa imensa região considerada uma das mais complexas,
diversificadas e desafiadoras regiões do mundo, ameaçada pela cobiça e ganância de
interesses internos e internacionais. Uma região com seus recursos hídricos, florestais e do
subsolo, em permanente exploração desde a colonização, o que culmina com a destruição
de povos, culturas e saberes ancestrais.
Didática e pedagogicamente organizada em quatro grandes eixos, ‘Querida
Amazônia’ debate e propõe quatro sonhos na vida de toda Igreja:
Sonho com uma Amazónia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos
nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja ouvida e sua dignidade
promovida.
Sonho com uma Amazónia que preserve a riqueza cultural que a caracteriza e
na qual brilha de maneira tão variada a beleza humana.
Sonho com uma Amazónia que guarde zelosamente a sedutora beleza natural
que a adorna, a vida transbordante que enche os seus rios e as suas florestas.
Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e encarnar de tal modo
na Amazónia, que deem à Igreja rostos novos com traços amazónicos (QA 7).
Estes quatro sonhos desafiam a um permanente exercício da sinodalidade, que é a
dimensão de comunhão participativa de toda a Igreja atenta e disposta a escutar a realidade,
discernir os possíveis caminhos a serem trilhados e promoverões que venham de encontro
com as necessidades da região pensada a partir das particularidades de seu bioma, da
diversidade sociocultural de seus povos e da posição estratégica que ela ocupa no planeta.
A INSPIRAÇÃO QUE VE M DOS POVOS INDÍGENAS
Para as lideranças indígenas que participaram do processo sinodal o fato de
retomaram o lugar de fala proposto pelo Papa Francisco “veio confirmar a nossa
participação nas comunidades e respeitar nossa maneira de ser igreja na Amazônia com
nossa espiritualidade de respeito para com a criação, para com os ancestrais, para com as
crianças”, fala orgulhosa a senhora Madalena, catequista do Povo Indígena Macuxi da
Terra Indígena Raposa Serra do Sol em Roraima.
22 Boris Agustín Nef ULLOA e Jean Richard LOPES, S inodalidade, caminho de comunhão e unidade, segundo Atos dos
Apóstolos, p.207.
OLIVEIRA, Márcia Maria de
A Campanha da Fraternidade 2022 e os desafios da Educão na Amazônia à luz do Sínodo Especial para a Amazônia
Revista Teopráxis,
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Para muitas lideranças indígenas, uma das maiores vitórias do processo sinodal foi o
reconhecimento dos povos indígenas que vivem nas cidades da Amazônia. Foi o que
constatou Marcivana Sateré-Mawé, a jovem líder indígena que participou da Assembleia
Sinodal na qualidade de Auditora. Marcivana reconhece a importância da participação na
Assembleia Sinodal para todos os povos indígenas que ela representa, mas, de modo especial
para a mulheres que atual como lideranças na linha de frente do movimento indígena, nas
organizações locais, regionais e internacionais e destaca o protagonismo de mulheres como
Sônia Guajajara, liderança da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil),
que é mãe, Nara Baré, que está na coordenação da COIAB (Coordenação das
Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), eu que estou à frente
atualmente da COPIME (Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e
Entorno), tantas outras lideranças mães que estão à frente das nossas
organizações locais, mães que se juntam para fortalecer uma luta
23
.
A professora Enestina, do Povo Macuxi, também esteve em Roma durante a
Assembleia Sinodal para representar o seu povo nas atividades da Tenda da Casa Comum
24
e destaca a importância do Sínodo para os Povos Indígenas que “se sentiram acolhidos e
respeitados pelo Papa Francisco e por toda a Igreja que historicamente os ignorou”. Ao
mesmo tempo, a professora recorda que “muita gente veio de longe, da Alemanha, da
Suíça, da Bélgica, da França e de tantos outros lugares, para nos perguntar como é nossa
vida nas nossas comunidades. Eu fiquei muito feliz de saber que tem muita gente,
especialmente os jovens que querem conhecer nosso modo de viver nas nossas
comunidades”. A professora e catequista lamenta “que ainda tem tanta gente que não
reconhece o nosso valor. Mas, o Sínodo reconheceu o nosso valor
25
.
Elves Ramires, do Povo Warao, um dos milhares de indígenas venezuelanos em
deslocamento residindo na periferia de Boa Vista, recorda que “durante a preparação para
o Sínodo nós participamos de muitas atividades na comunidade e foi bonito como nos
deixaram falar. As pessoas da comunidade pareciam curiosas para saber da nossa vida. Pela
primeira vez me senti acolhido e respeitado como indígena e como cristão em Boa Vista”.
O jovem recorda que a maioria dos warao são católicos e que acreditam que “o Sínodo veio
trazer esperança para os povos indígenas da toda a América Latina”. Desta forma
reconhece a abrangência do Sínodo da Amazônia.
Estas e muitas outras narrativas revelam que os povos indígenas realmente
assumiram o lugar de fala no processo sinodal e que a igreja passou a ter maior atenção e
escuta a estes povos silenciados desde a colonização. Escutar os povos indígenas é um
passo importante num processo importante de descolonização das práticas e discursos
pastorais ainda muito marcados pelo neocolonialismo. De modo especial os povos
indígenas abriram caminhos importantes para compartilhar suas diversas experiências de
espiritualidade, de organização social e política, de vida comunitária baseada na
simplicidade e na partilha.
23 Ser mãe no mundo indígena. Entrevista concedida ao Padre Modino e a Silvonei José Vatican News. Disponível
em:https://www.vaticannews.va/pt/mundo/news/2021-05/ser-mae-no-mundo-indigena.html. Consultado em:
20/06/2021.
24 Espaço inspirado na experiência da Tenda dos Mártires organizada na Conferência de Aparecida (2007). Em Roma, a
‘Tenda Casa Comum’ teve lugar nas imediações da Igreja de Santa Maria em Traspontina, (Via della Conciliazione,
próximo à Praça São Pedro) em salas colocadas à disposição pelos padres Carmelitas responsáveis pela paróquia
romana. A Tenda não foi um espaço alternativo, mas esteve conectado ao Sínodo, que se realizou de 6 a 27 de
outubro, para ajudar os padres sinodais a se manterem em sintonia com a realidade do território amazônico e com
toda a reflexão sobre a missão na região. Disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2019-06/
tenda-casa-comum-apresentada-jaime-patias-consolata.html.
25 Fala da professora Enestina Macuxi por ocasião da apresentação do documento Final na Diocese de Roraima no
início de dezembro de 2019.
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Por fim, a sinodalidade experimentada pelos Povos Indígenas abre novos horizontes
de compromisso e comprometimento de toda Igreja com a causa indígena. Desde a
colonização os povos indígenas seguem tão ameaçados, mas, ao mesmo tempo,
representam um testemunho de luta e resistência que faz recordar a vida dos primeiros
cristãos e dos mártires.
Escutar os povos indígenas, conhecer seu modo de vida e reconhecer seu lugar na
igreja representa um convite à conversão ampla e profunda que questiona os padrões
culturais, econômicos e sociais, o modo de vida capitalista que vem tomando conta de toda
a sociedade com suas formas de produção e consumismo exacerbado, de acumulação do
lucro e das riquezas, de obsolescência, de desperdício e da produção descontrolada do lixo
material e humano.
Num caminho sem volta, o Sínodo Especial da Amazônia apresentou os povos
indígenas para toda a igreja que se sentiu profundamente interpelada a conhecer seus
sofrimentos históricos, a reconhecer sua diversidade cultural e sua espiritualidade como
grandes valores a serem compartilhados com toda a Igreja. Ao mesmo tempo, na
perspectiva da sinodalidade, a Igreja reconhece e abraça a luta dos Povos Indígenas em
defesa da Amazônia e os respeita como verdadeiros “guardiões da floresta”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como Igreja, ainda temos muito que aprender e reaprender com os Povos Indígenas
nos itinerários da Sinodalidade. Entretanto, o Sínodo da Amazônia foi um passo
importante que nos preparou para seguir em passos firmes no sentido de reconhecer e
conferir aos agentes pastorais e catequisas, nas mais diversas realidades indígenas, os
ministérios que lhes permitam acesso à Eucaristia como um direito, a condução das
celebrações, o governo e a coordenação de suas comunidades.
Deveras, o Sínodo Especial para a Amazônia representa um modelo de descolonização
em diversos aspectos. Desde o calar-se para ouvir todos os clamores da Amazônia até a
participação ativa e efetiva das mulheres, dos leigos e leigas e dos povos indígenas na
Assembleia Sinodal, o Sínodo se converteu em uma inspiração para toda a Igreja.
Conclui-se que o processo sinodal foi apenas uma etapa importante da história da
Igreja na Amazônia, mas, indica que os desafios estão por vir no processo pós-sinodal que
implica na aplicação dos resultados das reflexões teológicas e pastorais. Esta nova etapa
promete mudanças importantes não somente para a Igreja da Amazônia, mas, para a Igreja
como um todo. Por fim, o Sínodo reforça a importância da Amazônia para o mundo e, ao
mesmo tempo, desperta a sociedade para atuar em sua defesa e assumir as causas de seus
povos que a vivenciam na perspectiva da Casa Comum.
REFERÊNCIAS BIBLI OGRÁFICAS
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Paz e Terra, 1998.
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CNBB, 2015.
Papa FRANCISCO. Documento Final da Assembleia Sinodal. Brasília: Edições CNBB, 2019.
Papa FRANCISCO. Documento Preparatório do Sínodo Especial para a Amazônia. Brasília: Edições
CNBB, 2018.
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Papa FRANCISCO. Instrumentum LaborisDocumento de Trabalho do Sínodo Especial para a
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REPAM. Síntesis general de la red eclesial PanamazónicaREPAM – Asambleas Territoriales, Foros
Temáticos, Contribuciones.
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Revista Eletrônica Espaço Teológico. Vol. 13, n.24, jul/dez 2019 (p.7-21).
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segundo Atos dos Apóstolos. São Paulo: Revista de Cultura Teológica, Ano XXVII, n.94, Jul/Dez 2019
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OLIVEIRA, Márcia Maria de
A Campanha da Fraternidade 2022 e os desafios da Educão na Amazônia à luz do Sínodo Especial para a Amazônia
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Passo Fundo, v.39, n.132, p.56-67, Jan./Jun./2022. ISSN On-line: 2763-5201.