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povos, o que o colocou em contato igualmente com diferentes experiências pastorais.
“Desde o México até o Chile pôde testemunhar as buscas e os ensaios daquilo que daria
fundamento a uma teologia especificamente latino-americana”
3
.
A disposição de encontrar o diferente, o novo, encontrar pessoas e desafios fazem
parte do cotidiano de Comblin. Ele se inspira e realça a vinda de Jesus ao mundo; um mundo
concreto, feito de pessoas. Cada pessoa é um lugar deste encontro: “Jesus Cristo veio para
dirigir a palavra a Pedro, João, André, e a todos os Pedros, Joões, Antônios ou Severinos da
história”
4
. Essa vinda ao mundo e o ir ao encontro de homens e mulheres significa penetrar
não só no íntimo de cada pessoa, mas chegar às grades das estruturas sócio-econômico-
culturais que se impõem escondendo e oprimindo as pessoas. Assim também, a Igreja é
convocada a fazer essa viagem, a caminhar, a sair para encontrar; a correr o risco de não ser
acolhida ou compreendida. E isso o nosso autor vivenciou. Foi expulso duas vezes: pela
ditadura Pinochet no Chile e governo Médici no Brasil por sua perspicácia e lucidez na
análise da realidade nos tempos em que rondava, na Igreja e nos governos antidemocráticos,
o fantasma do comunismo. Também ele foi identificado como uma ameaça; mas, mesmo
exilado, mantinha a comunicação com pessoas e grupos que participavam dos seus projetos
de formação para lideranças e comunidades eclesiais de base.
Em um livro intitulado “O Enviado do Pai”, Comblin mostra a centralidade da
missão no quarto Evangelho. Começa argumentando que o Evangelho de João quer dar
uma resposta à pergunta: quem é Jesus? Mas “Jesus não diz quem ele é: diz donde vem e
aonde vai”
5
. Jesus é aquele que vem, que foi enviado pelo Pai (cf Jo 7,28). É a própria
mensagem do Pai e se identifica com a sua missão; “Ele existe na condição de missionário.
Nele se revela justamente o modo de ser humano que é o ‘ser missionário’”.
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Jesus não é em
função de si mesmo, mas é enquanto comunicação, mediação que permite o encontro de
Deus com o mundo. Quem conheceu Comblin pode afirmar: “Comblin fez de sua vida e de
sua teologia um desdobramento dessa centralidade da missão”
7
.
Comblin argumenta que a missão não é acidental, mas é a razão de ser da Igreja: “a
norma, o significado e o próprio conteúdo da missão dos cristãos é a própria missão de
Jesus”
8
. Jesus, o enviado do Pai, entra no mundo das pessoas, enfrenta as estruturas que
escravizam, encontra resistências. Assim como ele, a Igreja, comunidade dos seus
discípulos, faz a mesma viagem que ele fez: do Pai para as pessoas, mesmo quando os
caminhos se apresentam estreitos e árduos. Nesse movimento ela sai de seus limites e se
integra numa cultura, o que não é fixar um discurso eclesiástico em comunidades fechadas
em si mesmas. Seguir Jesus Cristo leva a Igreja a uma permanente flexibilidade; livre do
passado, da dependência de culturas, povos ou circunstâncias que possam obstaculizar a
ação no presente. “Já que a história da Igreja é essencialmente a história da missão, importa
reconhecer os tempos da missão e a sua história com os seus sinais visíveis”
9
. Somente
assim a Igreja poderá encontrar as palavras certas para traduzir as palavras dadas por Jesus
a quais precisam ser constantemente reformuladas para chegar ao coração das pessoas.
Diante disso podemos dizer que o método de Comblin provém da contemplação e
assimilação do jeito de Jesus falar e agir: “Vendo o que é Jesus, vemos também o que é o
discípulo e o que é a Igreja”
10
. Por isso, mesmo, tem presente que a mensagem do
3 Monica Maria MUGGLER, Padre José Comblin: Uma vida guiada pelo Espírito, p.150.
4 José COMBLIN, Teologia da missão, p.21.
5 José COMBLIN, O enviado do Pai, p.9.
6 José COMBLIN, O enviado do Pai, p.11.
7 Paulo SUESS, Missionário migrante – teólogo militante José Comblin: O retorno do enviado do Pai, p.77.
8 José COMBLIN, Teologia da missão, p.22.
9 José COMBLIN, Teologia da missão, p.73.
10 José COMBLIN, O enviado do Pai, p.13.
MARIOTTI, Lucy Terezinha
A teologia na prática de José Comblin: da escuta à escrita
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.39, n.133, p. 41-49, Jul./Dez./2022. ISSN On-line: 2763-5201.