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sociedade, levantando graves problemas de justiça e pondo a primeira grande questão social,
a questão operária, suscitada pelo conflito entre capital e trabalho” (CDSI 88. Itálicos
nossos). Como se vê, a situação do operariado se tornou a questão social da qual a Igreja
por primeiro se ocupou no contexto do que hoje se chama de sua Doutrina Social,
especialmente a partir da encíclica leonina Rerum novarum
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.
Diversas atuações assistenciais católicas apareceram nesse contexto do século XIX,
algumas antes mesmo da Rerum novarum, como raízes especiais da DSI. Como expressa
Souza, “não faltavam numerosíssimas iniciativas no campo da caridade, entendidas
principalmente como assistência ao pobre. Inegavelmente encontram-se obras que
revelam uma grande generosidade e abnegada dedicação”, e exemplifica
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: a fundação, por
Frederico Ozanan, da Sociedade São Vicente de Paulo em 1833; a fundação, por Conde
Albert de Mun, dos Círculos Católicos de Operários em 1871; iniciativas, como as de León
Harmel, de cooperação de operários nas direções fabris e de condução cristã das fábricas
pelos patrões que culminou com a criação do chamado Conselho de Usina em 1909, com
raízes de sindicalismo cristão; a organização, por Pe. Adolph Kolping, de associações
católicas de operários alemães em 1849; a fundação, por Dom Bosco, da Sociedade de São
Francisco de Sales em 1859; a fundação, por Franz Hitze e Ludwig Windthorst, da associação
católica de trabalhadores Volksverein em 1890. Além disso, vale destaque também para a
publicação da obra A questão operária e o cristianismo, de 1864, por Dom Wilhelm Emmanuel
von Ketteler, e os posicionamentos críticos de Hugo Félicité de Lamennais, Jean-Baptiste
Henri-Dominique Lacordaire, Dom De Bonald, Dom Giraud, dentre outros.
Segundo Souza
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, há nas obras sociais, intelectuais e pastorais desses católicos
preocupações de ordem moral que se expressam em “um real protesto social que, no
decorrer de anos, ganha força e extensão. São essas e muitas outras as inspirações que estarão
na encíclica Rerum Novarum (1891), de Leão XIII, iniciando a Doutrina Social da Igreja”.
Tendo, então, esse pano histórico e pastoral de fundo, o presente trabalho objetiva
apresentar uma descrição da Pastoral Operária no Brasil a partir de dados documentais/
bibliográficos de pesquisa, destacando os seus aspectos marcadamente inspirados pela DSI,
com o intuito de contribuir para que seja mais conhecida e compreendida no âmbito mais
abrangente da pastoral social. É importante que fique claro que o ponto de vista
epistemológico-metodológico aqui adotado toma como base um recorte analítico a partir
de documentos e bibliografias conforme a perspectiva da própria Igreja Católica, não
sendo - por limitação de espaço em um trabalho como esse e por um caráter mais
3 Ainda sobre a Rerum novarum, seu contexto e seus posicionamentos diante dos movimentos de contestação ao
capitalismo surgidos ao longo do século XIX, é importante ficar claro que essa encíclica “condena o socialismo como
‘solução’, como ‘remédio’ (cf. RN 3). Ou seja, antes do mal do socialismo havia já o mal do capitalismo liberal, que
estava expresso exatamente nas condições deploráveis dos operários de então. Tanto um quanto outro é o pano
contextual de fundo que leva Leão XIII a escrever sua encíclica social. [...] Aclaramentos sobre isso foram
acontecendo no decorrer do desenvolvimento da DSI nesses últimos 130 anos, mas já são deduzíveis da própria
encíclica leonina. Falando sobre a Rerum novarum, o papa São João XXIII afirmou na encíclica Mater et magistra
(MM) que ‘tanto a concorrência de tipo liberal como a luta de classes no sentido marxista são contrárias à natureza e
à concepção cristã da vida’ (MM 22)” (MESSIAS, 2021a, s/p). Vale ainda considerar o que pondera Josaphat (2002,
p.56), que diz que “a ênfase na condenação do erro, quando não acompanhada de uma formação positiva do senso da
justiça, que a luta de classes envenenara, tem sido ou pode ser ocasião de equívoco para a mentalidade do homem
comum. Dir-se-á de maneira global: ‘O comunismo espalha e fomenta a luta de classes, a desarmonia social, a
desordem e a anarquia’; ‘O cristianismo prega o amor, a harmonia e a colaboração entre as classes, a manutenção da
ordem e a paz social’. Essa oposição simplista pode levar à omissão ou ao esquecimento de uma das exigências do
amor cristão: sua condenação ativa do mal sob todas as suas formas [...] A paz que o cristianismo prega e tende a
instaurar não é aceitação de qualquer situação estabelecida; ela resulta da ordem, fundada na justiça”.
4 Ney de SOUZA. Aspectos das raízes da Doutrina Social da Igreja. In: Ronaldo ZACHARIAS; Rosana MANZINI
(Orgs.). Magistério e Doutrina Social da Igreja: continuidade e desafios. São Paulo: Paulinas, 2016. p.44-48.
5 Ney de SOUZA. Aspectos das raízes da Doutrina Social da Igreja. In: Ronaldo ZACHARIAS; Rosana MANZINI
(Orgs.). Magistério e Doutrina Social da Igreja: continuidade e desafios. São Paulo: Paulinas, 2016. p.48-49.
MESSIAS, Elvis Rezende
A Pastoral Operária no Brasil: Uma descrição a partir da Doutrina Social da Igreja sobre as pastorais sociais
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.39, n.133, p. 81-95, Jul./Dez./2022. ISSN On-line: 2763-5201.