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INTRODUÇÃO
O contexto do final da década de 1960 apresenta um cenário de endurecimento do
regime político no país, desigualdade social em números alarmantes, repressão, fome e
pobreza. Cena parecida se replicava em muitos países da América Latina. Diante deste
panorama, a Igreja Católica procurava se reposicionar, ao mesmo tempo em que sofria
pressão para que assumisse uma postura mais aberta, frente a sua tamanha influência neste
ambiente, fruto de diferentes experiências locais e os resultados do Concílio Vaticano II
(1962-1965). A Conferência Episcopal realizada em Medellín, em 1968, aponta novas
possibilidades de abordagem, com campo aberto para uma nova interpretação teológica,
pouco mais tarde sintetizada como Teologia da Libertação (TdL)
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, em todo o Continente.
É nesse período que ocorre a transferência de Dom José Gomes, então bispo da
Diocese de Bagé – RS, para ser o terceiro bispo da Diocese de Chapecó - SC, o qual
permaneceria de 1968 até 2002, ano de sua morte. Embora não se saiba ao certo o porquê
da decisão política da Igreja pela transferência do bispo, como veremos, em Chapecó sua
presença foi decisiva, pois assumiu o cargo de figura eclesial mais importante, e também
foi onde sua história ficou marcada como à história de um grande líder da Igreja e dos
movimentos sociais no Brasil.
Aos poucos, a Igreja local assume e traduz os debates que toda a América Latina fazia
em torno da Teologia da Libertação e também se estrutura a partir da “opção preferencial
pelos pobres”. Os círculos bíblicos, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), os Grupos de
Reflexão (GRs), as Pastorais Sociais, o avanço na democratização das tomadas de decisão
incorporando o papel fundamental dos leigos e os espaços de formação de fé e política,
serão grandes marcas da Igreja diocesana, principalmente nas décadas de 1970-1980.
Os Grupos de Reflexão, como veremos, fomentam o estudo dos documentos
eclesiais, da Bíblia e da realidade social, política, econômica e cultural em que eram
condicionadas as comunidades. No entanto, o bojo das discussões propostas pelos roteiros
gera conflitos de interesses entre os diferentes grupos sociais, logo esse se torna um
período onde ocorrem grandes enfrentamentos e tensões relacionados às posturas e ações
da Instituição na região em defesa dos pobres.
Vale destacar a grande importância da figura do bispo diocesano como
impulsionador e rígido na cobrança da efetivação do modelo de Grupos de Reflexão. É
neste cenário que a Igreja local ganha notoriedade, a partir da formação de lideranças e na
organização popular e é reconhecida em todo o Brasil pelo grande número de pessoas que
aparecem à frente dos movimentos populares, partidos políticos e pastorais sociais. Ao
mesmo tempo, Dom José é lembrado como o “bispo dos pequenos”, “mestre e aprendiz do
povo”, “profeta da esperança” e tantos outros adjetivos que ainda marcam a vida e história
de quem conviveu ou, simplesmente, soube de sua atuação na defesa dos “pequenos” e no
anúncio de uma nova organização geradora da justiça social, a partir da Teologia da
Libertação.
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1 A Teologia da Libertação foi uma ampla produção teológica, com pressupostos históricos, sociológicos, econômicos
e sociais, fruto de debates a partir da linha mais social da Igreja Católica e protestante, que nortearam uma leitura e
ação a partir da experiência e protagonismo da “opção pelos pobres”. Ela vai ter conceito e atuação singular na
América Latina, especialmente, entre as décadas de 1970 a 1990. Na referência a seguir, apontamos uma
oportunidade de aprofundamento no conceito.
2 Infelizmente não é possível fazer uma análise mais detalhada sobre todos os conceitos importantes registrados nesta
introdução. Para evitar a exaustão, ao mesmo tempo em que fugiríamos da proposta do artigo, damos ao leitor
apenas uma possibilidade de leitura de cenário. Para um debate mais amplo dentro destes pressupostos, o qual baliza
esse rápido estudo, ver: Tiago Arcego da SILVA. A práxis política da Igreja Católica na Diocese de Chapecó/SC (1970-
1980). Erechim: AllPrint, 2018.
SILVA, Tiago Arcego da
Dom José Gomes e a metodologia popular dos Grupos de Reflexão na Diocese de Chapecó-SC
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.39, n.133, p. 50-60, Jul./Dez./2022. ISSN On-line: 2763-5201.