A ORAÇÃO EM TEMPOS DE
DISTANCIAMENTO SOCIAL
Ms. Pe. Rene Zanandréa*
DOI: https://doi.org/10.52451/teopraxis.v37i129.13
Recebido: 03 de dezembro de 2018 | Aprovado: 11 de abril de 2019
Resumo:
A oração dos cristãos se intensificou durante a experiência de
distanciamento social provocada pela pandemia da Covid-19. Jesus rezava e
ensinou a rezar desmistificando e libertando a própria oração. A Igreja
precisa aprender de Jesus a rezar com o cotidiano e as Sagradas Escrituras;
rezar mais pelos outros do que para si própria.
Palavras-chave:
Oração. A oração de Jesus. Oração Cristã. A Oração do
Papa Francisco. Distanciamento social.
Introdução
Jesus rezava e ensinou a rezar. Nos momentos cruciais de
sua missão dialogou com o Pai. Em momentos limite, sua
franqueza e, ao mesmo tempo, sua confiança no Pai revelam a
firmeza e a determinação que sua oração proporcionava: Agora
estou muito perturbado. E o que vou dizer? Pai livra-me desta
hora? Mas foi precisamente para esta hora que eu vim. Pai,
manifesta a glória do teu nome! (Jo 12,27-28).
Agora a humanidade se depara com uma experiência ímpar.
A pandemia da Covid-19 tem forçado os povos do mundo
inteiro ao isolamento. E, não raras vezes, têm feito a experiência
de se reinventar, inclusive espiritualmente. Se o fiel crente reza
no dia-a-dia é provável que nesses tempos a oração se fez mais
intensa. Mas, a Palavra de Deus tem feito parte da oração
cotidiana dos cristãos?
* Padre da Diocese de Vacaria. Mestre em Teologia pela Escola Superior de Teologia
(EST) São Leopoldo/RS. Professor da Itepa Faculdades. Áreas: Sacramentos, Liturgia,
Comunicação, Organização Paroquial. Email: renezanandrea@yahoo.com.br
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No presente artigo recolhemos relatos de algumas
experiências de oração vividas de modo distinto nesses tempos
de distanciamento social. Essas experiências nós as encontramos
em ações noticiadas nas mídias sociais, mas, também, através de
entrevistas. Em Jesus, o Nazareno, buscamos inspirações: Ele se
retirava para rezar e dá indicativos da oração autêntica. Por fim
propomos as Sagradas Escrituras e o olhar para o cotidiano da
vida como inspirações para a oração cristã.
1 A oração no deserto do distanciamento social: relatos
de experiências
A pandemia do coronavírus impôs o isolamento social no
Brasil a partir de março de 2020. Em outros continentes isso se
deu bem antes. Surgiram alguns sentimentos que foram
mutando com o passar dos dias. Pensava-se, por exemplo, que,
com a cooperação de todos, tudo retomaria sua normalidade
depois de algumas semanas. Foi necessário repensar essa
intuição depois de se perceber o prolongamento desse estado de
distanciamento.
Também o cultivo da fé sofreu seus impactos. A necessidade
de fechar igrejas causou constrangimentos nos líderes religiosos,
embora parecesse ser para um período breve. Mas foi necessário
celebrar a Semana Santa, o Tríduo Pascal e a Ressurreição do
Senhor ainda de portas fechadas e os fiéis foram orientados a
participar virtualmente e a ritualizar sua presença colocando
na frente de sua casa os sinais que expressavam essa celebração
da centralidade da fé cristã.
1.1 A Missa transmitida nas redes sociais
As atividades comunitárias foram quase todas suspensas ou
adiadas. Com isso o cerne da vida comunitária, sua
interatividade e proximidade física, ficaram bloqueados. Com a
ZANANDRÉA, Rene.
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restrição das celebrações abertas ao público se iniciaram as
transmissões
on-line
na maioria das comunidades paroquiais.
O alcance e a abrangência dessas transmissões ultrapassam as
fronteiras da paróquia e acabam por alcançar outros lugares,
mas, não necessariamente, chegam aos paroquianos locais.
Atingir os paroquianos, permanece um desafio. Afinal, nem
todos os que costumavam frequentar as igrejas usam as redes
sociais; nem todos aprenderam a manusear os equipamentos de
informática e têm acesso à
internet
. Basta ver que, mesmo
atingindo outras realidades além das fronteiras geográficas da
paróquia, o número de conexões durante a Missa é
absolutamente inferior ao número de paroquianos.
Dentre os inúmeros desafios, nas Missas transmitidas pelas
redes sociais aparecem a qualidade técnica (áudio,
enquadramento de imagem, qualidade das conexões) e a
interação com a comunidade. Houve certa estranheza porque
não se tinha conhecimento de quem estava assistindo pela
rede social e como reagia às celebrações. Isso tudo exigiu dos
ministros uma maior responsabilidade e cuidado redobrado no
preparo da liturgia.
Apareceram iniciativas como de pedir aos que acompanham
as transmissões para que enviem suas intenções de oração, na
rede social. E os internautas corresponderam e expressaram
certa assiduidade, interagindo sistematicamente com as
transmissões. Iniciativas como a leitura dessas intenções e o
pedido de envio de fotos para compor um painel na Igreja, por
exemplo, resultou em certa fidelização e interação mais
palpável. Foram fixadas fotografias de fiéis nos bancos de
algumas igrejas, sinalizando a memória dos ausentes. Tais
métodos têm sido amplamente adotados e dado o efeito de as
pessoas se sentirem mais envolvidas com as Missas. Há
iniciativas de editoras distribuindo os subsídios litúrgicos que
produzem e paróquias disponibilizando material digital para
auxiliar os fiéis a rezarem em casa.
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As celebrações
on-line
dão visibilidade e, não raras vezes, isso
acabou gerando dificuldades entre os membros das equipes,
tornando evidente tensões que já existiam, embora veladas.
Outro desafio constatado é a criatividade despudorada,
criatividade selvagem, atitudes que ferem o princípio cristão
da centralidade no Mistério Pascal de Jesus Cristo.
Mas, embora tantos desafios e, em especial a realidade de
uma Assembleia Litúrgica menos completa, precisamos
reconhecer que, nesse tempo de exceção, as Missas transmitidas
pelas redes sociais têm ajudado a alimentar a fé e a esperança de
tantos que levam a sério o cuidado com a vida, ficando em casa.
E quando passar a pandemia, como nossas comunidades vão
retornar? Os fiéis terão saudades da comunidade? Pode ser que
alguns se percam e continuem isolados. Como re-encantar para
a vida comunitária? E aquelas pessoas que perderam seus
familiares, seus empregos, empobreceram?
1.2 Experiências de oração pessoal e familiar
O distanciamento social forçou a ficar em casa. Para além de
ter onde morar, ter o que comer e vestir, a espiritualidade, a
esperança constituem o rol das necessidades básicas de toda
pessoa. A Igreja das casas está se reinventando pois todos
precisam continuar tendo razões para viver. E essas verdadeiras
Igrejas domésticas se conectaram entre si, unindo pessoas,
famílias, grupos e comunidades em encontros de oração e
formação, afirma Moisés Sbardelotto.
Para elaborar as linhas a seguir, realizamos uma pesquisa
através de uma rede social obtendo respostas de doze pessoas. A
contribuição vem de religiosas, de fiéis leigos e de presbíteros
1
.
Num primeiro contato pedimos que, de forma bem aberta,
partilhassem o modo como estão rezando nesses tempos de
1 Os depoimentos incorporados ao texto serão identificados, porém mantendo o
anonimato dos entrevistados.
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distanciamento social. O segundo contato foi para saber da participação
ou não das Sagradas Escrituras na oração pessoal e familiar.
Quase por unanimidade as pessoas afirmaram que a oração
se tornou mais intensa: percebi que passei a dedicar mais
tempo para conversar com Deus, falar dos meus medos,
preocupações, pedir proteção e a superação dessa crise relatou
uma entrevistada. Outra disse que, em família, não tinham o
hábito de fazer a oração juntos, diariamente, [exceto] nos finais
de semana, antes de dormir. Mas, nesse período [de pandemia],
todos os dias, às 10 horas [da noite], eu coloco o relógio
despertar e a gente reza juntos. Esse foi um ponto positivo nesse
período.
A oração é um espaço onde nos encontramos conosco
mesmos e com o Senhor. É o que nos fortalece. Se a gente não
tem uma vida de oração, nessas tribulações da vida a gente
desiste e perde a razão de viver, relatou uma pessoa
entrevistada. E outra prossegue relatando que já rezava o meu
Rosário, fazia visita quase diariamente ao Sacrário e participava
de boa parte das Celebrações Eucarísticas [mas] foi muito
difícil Parecia que tinham me tirado a Igreja. Tive que
começar a me reinventar na oração. E foi muito bom.
Vários entrevistados revelaram elementos que compõem sua
oração, seu conteúdo. Eis algumas respostas: agradecer por
tudo que Ele tem me proporcionado; como núcleo [de
religiosas] nos comprometemos a estar em unidade umas com
as outras e em sintonia com o povo que, nesta situação, tem
muita incerteza, desânimos, dúvidas e choque por tantas vidas
ceifadas por um vírus invisível e fatal.
Sobre os métodos de oração, trazemos algumas
manifestações: costumo rezar o Terço, ouvir reflexões sobre a
vida e a necessidade de alimentar a fé e a esperança; em minha
família a reza do Terço tornou-se mais regular e os momentos
juntos ganharam mais prioridade; consegui rezar os vinte
Mistérios meditados e [com mais tempo] consegui rezá-lo
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melhor; o silêncio favorece muito minha conexão com Deus,
bem como um espaço orante, com Bíblia, imagem de Cristo e
de Nossa Senhora. Outras citaram a Missa na casa religiosa e a
Celebração da Palavra na comunidade aos domingos. Um padre
testemunhou ter descoberto uma força ainda maior [] vinda
da Eucaristia. [] Nunca tinha celebrado a Eucaristia sozinho.
Foi desafiador no início, mas muito gratificante, agora. []
Celebrei várias vezes com minha família (nunca havia feito só
com meus pais). Também a oração antes do almoço foi citada
com o testemunho de que já sentimos o efeito [e] a nossa casa
começou a ser mais Igreja. Várias respostas indicaram a
relevância da oração no contato com a obra do Criador: é
muito bom se dar conta que Deus está presente ali tinha dias
que parecia que tudo rezava comigo, sabe?. A oração permite
perceber um Deus que corrige e salva. Quase que a totalidade
das falas citaram as celebrações via redes sociais como forma de
rezar. Foram citadas as transmissões via
Facebook
e TVs de
inspiração católica, a produção de
lives
formativas e os materiais
enviados eletronicamente que ajudam a rezar. Há situações em
que parece que Deus transpassa da tela para o coração da gente.
São experiências que agora a gente começou a valorizar e Deus
[] derramou muito mais amor do que já tinha para que todos
experimentássemos [como que] dizendo pra gente: você não
está sozinho.
Os entrevistados apontaram, também, desdobramentos da
oração na convivência e no serviço. Uma religiosa testemunhou
que percebe Deus agindo em resposta ao serviço que presta a
uma comunidade terapêutica: independentemente do que
aprontaram [] o fato de eles se manterem em pé é um jeito
de sentir que Deus está conosco. Um sentimento comum é a
falta do convívio em comunidade, das celebrações dominicais,
da partilha da vida; estamos distanciados, impossibilitados de
nos encontrarmos para rezarmos juntos. Outras experiências
ressaltam a mesma importância da coletividade: minha fé não
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se abalou porque no [movimento juvenil tal] tenho cada vez
mais forças para não me deixar abalar [] e sair para o mundo
com aquele intuito de mudá-lo, acredito que isso seja possível
sim; a convivência com o outro padre é muito bacana onde
um ajuda o outro. Aparece a preocupação com os problemas
do isolamento: as pessoas estão muito doentes e têm vindo
procurar orientação psicológica [espiritual]. [Temos] que estar
bem preparados. As pessoas, as famílias estão se fechando muito
e, se não trabalhar, vai estourar em doenças. [] Irmãos no
sacerdócio não ligam pra saber como está o outro, não visitam.
[Eu] tenho procurado ligar. Um outro padre disse sentir falta
das reuniões e formações comunitárias, das celebrações onde se
pode abraçar e querer bem, se acolher na porta com abraços
agora a gente se acolhe só com o cotovelo. Mas, testemunhou
alguém, tudo isso nos levou a despertar e valorizar mais a
solidariedade, a empatia e fazer do distanciamento um ato de
amor para com os demais.
A oração alimenta a esperança, mantém em pé,
testemunham os entrevistados: fiéis leigos afirmam ter a
certeza de que Deus continua caminhando conosco e a cada dia
nos dispõe e nos dá coragem de recomeçar na esperança;
vamos tentando passar isso também para as outras pessoas na
fé e esperança por dias melhores. Um jovem presbítero
relatou que o isolamento forçado o fez chorar e sentir
desânimo na missão. Então rezou como ainda não tinha
rezado: tempo em silêncio para falar com Deus e ouvi-Lo
[] nunca tinha passado tempo significativo em frente ao
sacrário [e da] imagem de Nossa Senhora. Mas foi o tempo da
graça, me encontrei [], como um retiro podendo revisitar
momentos da infância, família, comunidade, escola, seminário...
Revisitei meus erros e pensei sobre os obstáculos. Também o
Papa Francisco foi lembrado quando uma fiel leiga disse que
suas mensagens despertaram para a necessidade da oração. A
família ganhou novas percepções: tem seus erros e defeitos,
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mas aqui tem Deus, aqui é que Deus mora e quer a gente mais
perto. E pudemos experimentar essa presença de Deus em nossa
vida. Uma entrevistada intui que nunca mais vai ser igual,
depois dessa pandemia. O participar das celebrações, o fazer
uma oração não vai ser igual a antes. O valor é muito maior,
hoje, da família, do ser das pessoas, da natureza.
Nosso segundo contato com os entrevistados buscou saber
como contemplam (ou não) a Palavra de Deus, já que apenas
duas entrevistadas a citaram na primeira resposta. Disseram:
com mais tempo em casa pude fazer com mais calma a oração
da Palavra de Deus; em meus momentos de orações, não
todos, gosto de ler um trecho da Bíblia; geralmente acompanho
a liturgia diária e, a partir da leitura, faço um momento de
reflexão. Alguns disseram que seguem os passos do Método de
Leitura Orante: gosto muito; às vezes utilizando o MLO e às
vezes simplesmente partilhando em comunidade [religiosa];
sempre que possível, faço a leitura orante. Os padres
entrevistados são unânimes em afirmar que o contato diário
serve para consumo próprio mas, também, para partilhar em
comunidade através das homilias: faço a opção de todas as
manhãs, rezar com a liturgia diária ao invés da liturgia das
horas; a liturgia diária me prepara também para as celebrações
e me motivam a buscar sempre reflexões e estudos
exegéticos/hermenêuticos para compreender o sentido mais
profundo do texto. Inúmeras outras falas testemunham a
importância dos textos sagrados para a oração: o contato com a
Palavra me traz esperança e acalento neste momento difícil; e
me faz ver o quanto Deus é amoroso e misericordioso; a
Palavra de Deus vem como luz, abre horizonte, mostra
caminhos; acompanho a liturgia diária, principalmente com o
Evangelho e o Salmo; geralmente a Palavra de Deus, mesmo
sendo da liturgia do dia, parece que se encaixa naquilo que
estou vivendo, a situação daquele dia; a Sua Palavra me traz
paz, segurança, me faz tomar posição tentando viver lá em meio
ZANANDRÉA, Rene.
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aos desafios do dia-a-dia, me dá forças, faz com que nunca me
sinta só; muitas vezes eu disse, após rezar com a Palavra:
ainda bem que eu tenho Deus que me ajuda, que me entende,
que me levanta, me faz recomeçar; acompanho a transmissão
da missa diariamente, ouço com atenção a proclamação dos
textos Bíblicos e reflexões procuro colocar em prática o que a
Palavra de Deus me transmite.
O isolamento social está forçando a espiritualidade e a
oração cristã a se reavivarem. É notório que a oração pessoal e
familiar tem tomado elementos mais palpáveis da vida. Mais
adiante veremos que Jesus ensina assim. Portanto temos um
longo e belo caminho pela frente.
1.3 O mundo inteiro está rezando diferente
Neste terceiro (e breve) item queremos mencionar as
incontáveis iniciativas de oração pelo mundo afora e que têm
feito uso de uma gama sem fim de recursos eletrônicos e com
sintonia global.
É impossível não mencionar aqui a oração que o Papa
Francisco fez pelo mundo inteiro na praça da Basílica São Pedro
na tarde cinzenta de 27 de março. Essa iniciativa do Sumo
Pontífice e o jeito como rezou, impactou o mundo. A cena
televisiva mostrava um senhorzinho que caminhava sozinho.
Mas ele não estava só porque o mundo inteiro estava presente
naquela subida, naquela oração.
Vimos um Papa diferente, que reza diferente, mas tendo
presente as preocupações evangélicas de sempre. Francisco
disse, na homilia: Na nossa avidez de lucro, deixamo-nos
absorver pelas coisas e transtornar pela pressa. Não nos
detivemos perante os teus apelos, não despertamos face a
guerras e injustiças planetárias, não ouvimos o grito dos pobres
e do nosso planeta gravemente enfermo. Avançamos,
destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis
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num mundo doente. Agora nós, sentindo-nos em mar agitado,
imploramos-Te: Acorda, Senhor!. [] Com a tempestade,
caiu a maquilhagem dos estereótipos com que mascaramos o
nosso eu sempre preocupado com a própria imagem; e ficou a
descoberto, uma vez mais, aquela (abençoada) pertença comum
a que não nos podemos subtrair: a pertença como irmãos. []
Não somos autossuficientes, sozinhos afundamos: precisamos do
Senhor como os antigos navegadores, das estrelas. Convidemos
Jesus a subir para o barco da nossa vida. [] Ele serena as
nossas tempestades, porque, com Deus, a vida não morre
jamais.
Muitas outras iniciativas de oração unindo os cinco
continentes se fizeram saber. Mencionamos aqui como
ilustração o evento de oração
on-line
intitulado eu não
consigo respirar. Aconteceu no dia 23 de julho por iniciativa
da vida religiosa consagrada. Teve o objetivo de fortalecer a fé
e testemunhar a presença de Deus unindo o mundo que
enfrenta a pandemia do Covid-19 [e esteve] direcionada
especialmente às pessoas dos países que estão sofrendo
drasticamente com as consequências do coronavírus.
Para participar as pessoas precisaram se inscrever, pois o
encontro mundial aconteceu em modalidade de videoconferência
pela plataforma
Zoom
. A presidente da União Internacional das
Superioras Gerais (UISG), Ir. Jolanta Kafka, descreveu o
momento vivido como de santa inquietação pela privação de
projetos e de poder administrar a própria vida. Um tipo de
pobreza e de incerteza que levam a confiar em Deus mais
sinceramente, a aceitar que a insegurança eduque a uma busca
intensa de Deus, a ancorar o coração nEle. Ela lembrou que o
confinamento ajudou a redescobrir o próximo, com gestos
concretos de ajuda mútua, em nível local ou através da
solidariedade global. Por isso, a oração
on-line
se manifesta
como mais uma iniciativa para oferecer o acompanhamento
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recíproco, mesmo que de forma virtual, mas que vai muito além
da comunidade congregacional.
A experiência da pandemia tem possibilitado perceber a
caducidade de vários valores que considerávamos primários e
que os percebemos secundários e vice-versa. O Papa Francisco,
lembrou disso na oração de 27 de março: a tempestade
desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas
e supérfluas seguranças com que construímos os nossos
programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades.
Mostra-nos como deixamos adormecido e abandonado aquilo
que nutre, sustenta e dá força à nossa vida e à nossa
comunidade. Oxalá essa experiência de distanciamento social
também nos ajude a rezar diferente. Se faz necessário aprender
com Jesus. É o que buscamos a seguir, revisitando trechos
evangélicos que mostram esse Caminho.
2 A oração de Jesus: inspiração para a oração da Igreja
Por ser uma das formas de contato com a divindade, a
oração se relaciona com a experiência de sentido e de
totalidade. Não se trata apenas de um movimento vertical, mas
também horizontal. E isso se faz exigência no que diz respeito à
coerência da oração cristã para que seja, de fato, cristã.
A experiência de sentido e de transcendência acontece na
práxis (ação-reflexão), segundo Jon Sobrino. Mas o mais que
nasce dessa práxis deve ser considerado para que se manifeste a
experiência de gratuidade e, assim, o cristão se encontre
consigo mesmo
2
.
A oração é uma experiência de gratuidade. Esse ato ocioso
nos lembra que o Senhor está além das categorias do útil e do
inútil. A gratuidade de Deus nos provoca para uma experiência
que liberta da alienação. O cristão comprometido com o Reino
2 Jon SOBRINO,
A oração de Jesus e do cristão
, p.9.
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precisa encontrar os caminhos de uma oração autêntica, que vai
além do discursivo. O encontro com esse Deus gratuito nos
despoja, despe.
A oração comunitária se dirige a Deus e se faz dentro de um
contexto bem determinado. Os conceitos cristãos de Deus,
Reino, seguimento, gratuidade, etc também estão sob determinada
condição histórica. Portanto não podem ser considerados como
abstratos e intemporais, mas situados historicamente já que se
deduzem da história concreta de Jesus, afirma Sobrino.
2.1 A oração de Jesus
A oração dos cristãos se inspira na oração de Jesus. Ora, se
Jesus é o Filho, o Primogênito, o primeiro dentre os crentes, é
também o primeiro dos orantes
3
. E, uma vez que Jesus rezou
desde o seu contexto histórico, se deduz que a oração é uma
faceta da vida e que a oração responde às tramas e aos dramas
humanos.
Um dado fundamental é que Jesus rezava. E o conteúdo e o
contexto de sua oração estão bem situados e assim deve ser a
oração cristã. Jesus não foi ingênuo em relação à oração; não a
exercitou por mera rotina ou tradição. E, além disso, Ele
desmistificou a oração.
Continuando a reflexão com Jon Sobrino vemos que Jesus,
em sua oração, observa e denuncia os perigos inerentes à
oração
4
. Vamos a algumas situações que dão exemplo disso. Em
Lc 18,11, um fariseu agradece por não ser como os outros. Jesus
condena essa oração por ser autoafirmação egoísta. Falta a
necessária alteridade com o polo referencial que precisa ser
Deus. Desse modo a oração é um mero mecanismo narcisista e
gratificante; é autoengano. Atualmente o Papa Francisco
também tem chamado a atenção da Igreja para que supere a
3 Jon SOBRINO,
A oração de Jesus e do cristão
, p.11.
4 Jon SOBRINO,
A oração de Jesus e do cristão
, p.13.
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tentação da auto referencialidade.
Outro texto mostra a hipocrisia da visibilidade das
manifestações religiosas: supõe que se consegue a fama de ser
homem bom, justo. Em Mt 6,5a: para serem vistos pelos
homens. A oração supõe a atitude de pobreza diante de Deus,
mas a oração do fariseu pretende uma expressão de grandeza.
Jesus mostra que a autêntica e boa fama é conferida por uma
oração que é expressão das obras de justiça e caridade.
Quando vocês rezarem, não usem muitas palavras [].
Eles pensam que serão ouvidos por causa do seu palavreado
(Mt 6,7s). Jesus critica a oração mecânica e mágica dos
palavreados que veem na repetição de fórmulas uma correta
relação com Deus. Ele rejeita a oração que não é expressão do
mais profundo do ser que ora e a autonomia absoluta que se dá
à oração (sacralizando-a em fórmulas).
Jesus também critica a oração alienante. A oração sem ação é
vã. Meramente clamar Senhor, Senhor não é expressão de
uma práxis. É no fazer o que seja a vontade de Deus, que se
manifesta a ultimidade de sentido
5
. É o que vemos em Mt
7,21: não basta chamar ao Senhor. Só entrará [no Reino]
aquele que põe em prática a vontade do meu Pai, que está no
céu.
E em Lc 12,38-40: "Tenham cuidado []. Eles []
exploram as viúvas e roubam suas casas e, para disfarçar, fazem
longas orações. O que se condena aqui é a oração que se
converteu em mercadoria. Faz lembrar Oséias (4,6ss) que diz
que os sacerdotes se alimentam das vítimas oferecidas pelo
pecado e por isso lhes convém que o meu povo continue
pecando. O mau uso do templo, sua perversão é o alvo da
crítica de Jesus.
Por fim a citação de Lc 3,21 em que Jesus, depois de
batizado, estava rezando. E do céu veio uma voz: Tu és o meu
5 Jon SOBRINO,
A oração de Jesus e do cristão
, p.15.
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Filho amado! Em ti encontro o meu agrado. E mais adiante
(Lc 9,29), enquanto rezava, seu rosto mudou de aparência e sua
roupa ficou muito branca e brilhante. Mais que palavras de
Jesus temos aqui uma reflexão de Lucas. Nas narrações do
batismo e da transfiguração aparecem fenômenos maravilhosos
que enfeitam o essencial: a unção com o Espírito, a consciência
de Jesus sobre a sua própria missão, a filiação única de Jesus.
Todas essas passagens mostram Jesus consciente e
conhecedor das falsificações típicas da oração. Doutro lado os
Evangelhos mostram Jesus em atitude de oração. Vemos Jesus
que abençoa a mesa, observa o culto sabático e reza junto com a
comunidade. Vemos Jesus rezando quando precisa tomar
decisões sintonizado com acontecimentos históricos e em
conexão explícita com o Pai. O vemos rezando em momentos
de decisões importantes como eleger os doze, ensinar o Pai
Nosso, etc. Vai ao monte, a um horto, ao deserto. Distancia-se
de sua atividade pública, embora isso não signifique separação
da práxis da vida. A oração lhe era habitual, reza em situações
históricas concretas.
Há, ainda ocasiões em que Jesus condensa o mais profundo
de sua vida e missão numa oração: Eu te louvo, ó Pai, Senhor
do céu e da terra, porque ocultaste essas coisas aos sábios e
doutores e as revelastes aos pequeninos (Mt 11,25; Lc 10,21).
Jesus dá graças porque fez-se o que parecia impossível: quem
parecia poder compreender não compreende, mas
compreenderam os que pareciam não consegui-lo. Jesus reza ao
Pai dizendo muito obrigado porque aconteceu algo
inesperado e maravilhoso, uma atividade histórica com
profunda experiência de sentido.
Outra oração referencial de Jesus é a do Horto: Pai [],
afasta de mim este cálice; porém, não o que eu quero, mas o
que tu queres (Mc 14,35; Mt 26,39; Lc 22,41)}. Quando a crise
questiona o sentido de sua vida, Jesus vai para a oração, coloca-
ZANANDRÉA, Rene.
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se diante do Pai. A oração do Horto condensa a crise de Jesus
durante toda a sua vida. É uma oração que desemboca numa
ação histórica: a decisão de ser fiel até o fim.
Enfim, a oração de Jesus vai se manifestando na busca da
vontade do Pai, na alegria da chegada do Seu Reino, na
aceitação fiel da Sua vontade até o fim e na confiança
incondicional a Ele. Orar, para Jesus, é expressar-se em
totalidade. A oração de Jesus é como é, porque nasce de uma
determinada compreensão de alguém que lhe é referência: um
Deus bem determinado.
2.2 A oração da Igreja
Sem esquecer que antes de ser templo, a Igreja foi casa e aí
começou a experiência cristã, também é verdadeiro o
pensamento de S. João Crisóstomo: Se é verdade que tu podes
rezar em casa, não te será, todavia, possível rezar do mesmo
modo como se reza na assembleia. Para Goffredo Boselli, a
Liturgia é escola de oração: O verdadeiro culto cristão
empenha o homem em sua inteireza. E a manifestação ritual do
culto existencial acontece através de um culto de palavra, ou
seja, a oração
6
. Significa que, quanto mais o homem é
plenamente palavra, ou relação, tanto mais ele é plenamente ele
mesmo. E a liturgia é um importante lugar onde o cristão é
educado à oração. E é Deus quem educa seu povo para a oração
através da Liturgia. É Deus, antes de tudo, que ensina seus filhos
a rezarem.
A oração litúrgica segue um movimento, uma dinâmica.
Três elementos que se sucedem: escuta, interiorização,
interpretação. A liturgia educa para a oração indicando a
primazia da escuta da Palavra de Deus contida nas Escrituras
7
.
Significa que a palavra humana é segundo ato, como resposta. É
6 Goffredo BOSELLI,
O sentido espiritual da Liturgia
, p.142.
7 Goffredo BOSELLI,
O sentido espiritual da Liturgia
, p.148.
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importante a consciência de que é Deus a origem da oração; Ele
é a sua causa e razão. Assim, toda a oração litúrgica deve ser
fortemente marcada pela primazia da Palavra de Deus. Se a
liturgia fala a língua das Escrituras, com o tempo o fiel poderá
se alimentar da Palavra, memorizá-la, criar dentro de si um
coração bíblico, afirma Boselli.
Depois, a oração nascida da escuta da Palavra deve ser
interiorizada por cada orante. Se a liturgia não educa para a
interiorização, ela não atinge seu fim educativo. Ela deve
predispor tempo de escuta e tempo de silêncio.
Mas a oração é também ato de interpretação, tentativa de
decodificar e tomar consciência de algo obscuro. Ao rezar
preciso saber colocar em relação o sentido objetivo do texto e o
sentido subjetivo que o texto indica. Assim, a liturgia, como
sábia pedagoga, educa o cristão a ir além da própria liturgia, a
fim de alcançar, na oração, a comunhão com Deus.
A oração cristã, é ato gratuito. Assim como Deus desce ao
nosso encontro, nós, deixando-nos tomar pela mão e
abandonando o nosso eu encontramos no absolutamente
Outro a referência para nossa ação e reflexão. Desse modo a
vontade de Deus faz um caminho em nós, como ensina o Papa
Francisco: da cabeça (entendimento) ao coração (sentimento) e
do coração às mãos (ação).
3 Rezar e de preferência com a Palavra inspirada
Recentemente escutei um professor dando alguns conselhos
a respeito da oração, numa palestra
on-line
. Foi importante
constatar com ele que a pior forma de oração é não rezar. Disse
ainda que existe uma coisa fundamental na oração que é o
silêncio; que rezar requer humildade, entrega, confiança em
Deus; sugeriu rezar com mantras: cante várias vezes e depois
deixe que Deus te fale ao coração; recomendou a oração em
família: como é importante seja no almoço, ou na janta...
ZANANDRÉA, Rene.
A oração em tempos de distanciamento social
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Revista Teopráxis, Passo Fundo, vol.37, n.129, Jul./Dez./2020, ISSN: 2763-5201
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quando se reza em família, Deus desce pra fazer morada naquela
casa; e, muito importante, recomendou a Leitura Orante da
Palavra de Deus: comece lendo, simplesmente.
Um retrato das comunidades, no livro dos Atos dos
Apóstolos, testemunha a perseverança dos primeiros cristãos
em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna,
no partir o pão e nas orações (At 2,42). Isso que costumamos
chamar de pilares, se constitui em ideal de Igreja e projeto
para um mundo possível.
Uma significativa parcela da população reza. Porém, o fato
de poucos terem citado a oração com as Sagradas Escrituras na
primeira rodada de entrevistas, deve preocupar. Reafirma uma
intuição de que os cristãos católicos ainda não valorizamos o
bastante a primazia da Palavra de Deus na oração que necessita
ser diálogo. Doutro lado uma parcela significativa de
entrevistados informou que reza com o calendário bíblico da
Igreja. E é louvável quando, também nas celebrações da Igreja
seja nos Sacramentos ou sacramentais ou nas demais celebrações
da vida os textos escolhidos sejam precisamente os indicados
pelo calendário litúrgico. O Ano Litúrgico, grosso modo, já
estava constituído desde o século IV e vai sendo aperfeiçoado ao
longo dos tempos.
Será importante reaprendermos com Jesus. Ele reza
especialmente na observação do cotidiano, com a Lei e os
Profetas e na escuta à vontade do Pai.
Isso se constitui desafio para as nossas liturgias que precisam
ser menos aéreas, das nuvens, teóricas (palavrório). Urge
trabalhar, orientar e formar para que os agentes da liturgia
possibilitem a oração encarnada, que contemple e valorize o
veio da Palavra e o veio da encarnação, a sensibilidade do
cotidiano com suas vitórias e desafios. Também as reflexões
(homilias) precisam ser bíblicas, que busquem entender o texto
no seu contexto originário e que provoquem conversão no
tempo presente.
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Há que se promover oração e uma liturgia que possibilite ao
humano perceber-se pobre, que encontra suas seguranças não
nas coisas, mas na busca intensa e sincera de Deus; uma oração
e uma liturgia que eduque a ancorar o coração nEle e a
redescobrir o próximo, com gestos concretos de ajuda mútua;
oferecer o acompanhamento recíproco, mesmo que de forma
virtual, mas que vai muito além do nosso pequeno círculo
existencial.
Há uma gama enorme de pessoas que estão em busca.
Citando um teólogo ortodoxo, Tomás Halik afirma que
sabemos onde a Igreja está, mas não sabemos onde não está
8
.
E sugere que nos desafiemos a procurar novamente Cristo.
Aproveitar a pandemia como
Kairós
: um momento oportuno
para nos fazermos ao largo e procurar uma nova identidade
para o Cristianismo, num mundo que muda radicalmente sob
os nossos olhos.
Na gratuidade de Deus, buscar inspiração para ações
gratuitas também. Na música ComunicArt, o Pe. Zezinho
(CD Alpendres, Varandas e Lareiras de 1999) canta: Todos
os dias faço uma oração [] por mim, pelo mundo, por algum
irmão [] com um Salmo ou [] me renovo pela oração.
Rezo pra que as coisas mudem, mas, sem ódio, sangue ou
opressão []. Quero que a revolução da paz seja feita no meu
coração.
E o mesmo padre, durante uma homenagem que recebeu
em Aparecida/SP em julho/2014 disse que precisamos rezar
olhando as situações presentes (notícias mundiais e locais;
acontecimentos cotidianos); é preciso saber para quem e porque
ora; rezar não pode ser algo que eu tiro da minha devoção; não
pode ser só algo que eu estou com vontade de falar; precisa
partir da necessidade do povo, do mundo; precisamos orar mais
8 Tomás HALIK,
O Sinal das Igrejas Vazias
: para um cristianismo que volta a
partir, p.16.
ZANANDRÉA, Rene.
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pelos outros do que por nós mesmos; é um serviço que a Igreja
presta; se somos chamados a anunciar Jesus, temos a grave
obrigação de saber porque oramos; e mais: saber orar do jeito
da Igreja (com seu ensino); um cristão não pode ser favorável ao
aborto, ao divórcio; um cristão não pode determinar o que
Deus deve fazer ou não; o Reino de Deus cresce, não porque se
tem dinheiro mas cresce porque você serve/ajuda o outro. E
encerra: nosso canto não é nosso, nosso talento não é nosso,
nossa palavra não é nossa. Se não for dado à Igreja não é bom, é
desperdício. Que Deus nos encontre sempre fiéis; que nos faça
gente que mais ouve do que fala; e, se falar, falemos coisas que
valham à pena.
Nosso tempo pede por uma Igreja que reza e ensina a rezar
a partir da Revelação, com o olhar para a Utopia do Reino e
com os pés firmados no tempo presente onde Deus nos plantou.
Da mesma forma como a chuva e a neve [], a minha palavra
que sai de minha boca não volta para mim sem efeito [], a
missão para a qual eu a mandei (Is 55,10).
Atendamos ao apelo da Igreja que há tempos insiste na
Lectio Divina
como método bastante apropriado para acolher
em nós a Palavra de Deus. É tão relevante essa indicação que
está proposta nas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora
2019-2022 e em alguns outros documentos da Igreja no Brasil.
Oxalá o deserto dessa pandemia faça germinar em nós um
jeito novo de rezar, parecido com o de Jesus; e comprometa a
liturgia da Igreja na tarefa que é sua: ensinar a rezar pelo jeito
como reza (mistagogia).
Concluindo
O Papa Francisco, na audiência geral do dia 19 de agosto de
2020, disse: A resposta à pandemia é dupla: por um lado, é
essencial encontrar uma cura para um vírus pequeno, mas
terrível que põe de joelhos o mundo inteiro; por outro temos de
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curar um grande vírus, o da injustiça social, da desigualdade de
oportunidade, da marginalização e da falta de proteção para os
mais débeis. Nesta dupla resposta de cura há uma escolha que,
segundo o Evangelho, não pode faltar: é a opção preferencial
pelos pobres. E esta não é uma opção política; nem mesmo uma
opção ideológica, uma opção de partidos Não. A opção
preferencial pelos pobres está no centro do Evangelho. E o
primeiro a fazê-lo foi Jesus, como vemos na Carta aos
Coríntios: Ele sendo rico se fez pobre para nos enriquecer. Fez-
se um de nós e, por isso, no centro do Evangelho existe esta
opção, no centro do anúncio de Jesus
9
.
As convicções desse Papa só podem ser inspirações
alcançadas na oração fundamentada na Palavra de Deus.
Francisco reza pelo mundo e com o mundo, sua história. A
oração cristã fundamentada nos textos sagrados consegue
libertar e encorajar. Liberdade e encorajamento que foram
experimentadas por incontáveis testemunhas da Ressurreição
como, por exemplo, Dom Pedro Casaldáliga que viveu sem
luxo e quis ser sepultado no chão, à beira do rio em São Félix
do Araguaia, na mais bonita de todas as catedrais do mundo: a
criação (a citação é a legenda de uma foto do local onde foi
sepultado, postada numa rede social no dia 12/8/2020).
Referências bibliográficas
BOSELLI, Goffredo.
O sentido espiritual da Liturgia
. Trad.: Monjas
Carmelitas Descaças do Mosteiro Santa Tereza de São Paulo. Brasília: Ed.
CNBB, 2014.
FRANCISCO, Papa.
O itinerário da Palavra de Deus: ouvido, coração e mãos
(Homilia, 31/1/2018).
FRANCISCO, Papa. Texto integral da homilia do Papa Francisco neste 27
de março. Acesso em: https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2020-
9 Vídeo:
Festa da Comunicação na Igreja
, em 2h03min28seg.
ZANANDRÉA, Rene.
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03/papa-francisco-homilia-oracao-bencao-urbe-et-orbi-27-marco.html
HALIK, Tomás.
O Sinal das Igrejas Vazias: para um cristianismo que volta a
partir
. São Paulo: Paulinas, 2020. (Texto original em checo).
SBARDELOTTO, Moisés. Virtualização da fé? Reflexões sobre a
experiência religiosa em tempos de pandemia. In:
Revista IHU on-line
.
Publicação do dia 20/7/2020. Acesso em:
http://www.ihu.unisinos.br/601104-virtualizacao-da-fe-reflexoes-sobre-a-
experiencia-religiosa-em-tempos-de-pandemia.
SOBRINO, Jon.
A oração de Jesus e do cristão
. Trad.: Maria Joana de Brito.
São Paulo: Loyola, 1981. (original: México, 1977).
Vídeo:
Festa da Comunicação na Igreja
- 25/07/2014. Link:
https://www.youtube.com/watch?v=Nppf3bT6wxo.