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5 A pandemia revelou muitas mazelas no seio social, uma multidão de invisíveis.
Como Igreja, o que podemos aprender com a pandemia?
Não perder de vista o real da realidade, em um mundo que tende a virtualizar a
realidade. O negacionismo da ciência mata e explica porque o Brasil com 3% da população
mundial tenha tido 12% dos mortos. A fome de mais de trinta milhões de brasileiros delata o
cinismo dos satisfeitos. Estão associados terraplanistas, negação da vacina, armamentismo,
homofobia, machismo, ultraliberalismo, autoritarismo, fundamentalismo religioso e
autodenominados de direita contra a esquerda, dita comunista. A ideologia cega, corrói a
liberdade e o senso crítico, torna massa de manobra, aposta em messianismos e torna incapaz
de conviver com os diferentes e de aprender com as diferenças. Uma boa parte dos católicos
no Brasil está nesta fileira, resultado de três décadas de involução eclesial em relação à
renovação do Vaticano II, que precederam o atual pontificado. Temos o refluxo de modelos
de pastoral de um passado sem retorno, o encolhimento da pastoral social e da inserção
profética da Igreja na sociedade, assim como os preconceitos contra as comunidades eclesiais
de base e o fortalecimento do catolicismo pentecostal, que contribuíram para o deterioro da
cidadania, um grande desafio a reverter.
6 O que metodologicamente diz o processo de escuta sinodal proposto pelo Papa
Francisco? Em que consiste sua novidade?
Uma Igreja sinodal é a Igreja da renovação do Vaticano II que, por sua vez, é uma
“volta às fontes” bíblicas e patrísticas, das quais a Igreja do segundo milênio havia
praticamente perdido de vista. O que o Papa Francisco está fazendo, apoiado em Aparecida e
na tradição libertadora da Igreja na América Latina, é retomar o Concílio. O que parecia uma
batalha perdida, transforma-se em uma esperança renovada. A grande chaga é o clericalismo,
o ponto de estrangulamento da sinodalidade, que voltou com força, na esteira de uma re-
sacerdotização
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do presbítero, que o Vaticano II havia superado. Por sua vez, o clericalismo
tem subjacente a sacerdotização do próprio cristianismo, que historicamente adquiriu o
perfil de uma religião sacrificial, com o presbítero transformado em sacerdote separado do
povo e reduzido a uma função cultual e fonte de todo poder. Cristianismo não se conjuga
com clericalismo, que tem no batismo a fonte de todos os ministérios. A novidade do Papa
Francisco é a coragem de desencadear um processo de sinodalização da Igreja de baixo para
cima, a partir das Igrejas Locais, situando a colegialidade episcopal no seio da sinodalidade
eclesial, inclusive o Primado. O processo vai exigir a superação de uma Igreja piramidal, com
uma consequente mudança de estruturas e do perfil dos ministérios ordenados, para dar lugar a
uma Igreja toda ela ministerial, na radical igualdade em dignidade de todos os ministérios.
7 Quais caminhos e métodos seriam necessários para a juventude se sentir mais
atraída e acolhida pela igreja neste tempo novo que estamos vivendo?
Mais que o futuro, a juventude já é o presente da Igreja e da sociedade. Ela vive
tempos difíceis: de triunfo do indivíduo solitário, que põe em crise o compromisso
1 A rigor, o cristianismo não tem “sacerdotes” tal como no judaísmo e nas religiões do mundo greco-romano. O que
no antigo Povo de Deus eram funções de “classes” religiosas distintas – sacerdotes, profetas e reis – no novo Povo de
Deus, pelo Batismo, todo cristão passa a fazer parte de um povo todo ela profético, régio e sacerdotal, o denominado
tria munera ecclesiae. Entretanto, quando o memorial da Páscoa se torna “sacrifício”, começa um processo de
“sacerdotização” do cristianismo, que será hegemônico na Igreja do segundo milênio. A liturgia se clericaliza,
passando a ser celebrada somente pelo “sacerdote”, de costas para o povo, num presbitério (o “Santo dos Santos”)
separado da nave do templo de onde os leigos assistem. O Vaticano II, em sua volta às fontes, des-sacerdotizou o
cristianismo e o presbítero. Para o Concílio, dado que pelo Batismo o Povo de Deus constitui um povo todo ele
profético, régio e sacerdotal (LG 31), na Liturgia, o ministro ordenado preside uma assembleia toda ela celebrante. Com
isso, o padre deixa de ser chamado “sacerdote”, pois é um presbítero que preside uma assembleia toda ela sacerdotal.
Entrevista
Metodologia Pastoral: Entrevista com Agenor Brighenti
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.39, n.133, p. 6-9, Jul./Dez./2022. ISSN On-line: 2763-5201.