ENTREVISTA
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METODOLOGIA PASTORAL
Entrevista com Agenor Brighenti*
A pastoral o que pensaré o título de uma das obras escritas
pelo teólogo e pastoralista brasileiro Agenor Brighenti. Essa conceão
está em consonância com a ideia de que a pastoral configura a razão de
ser da Igreja, uma vez que ela existe para ser continuadora da missão de
Jesus e seu Reino. A pastoral enquanto desencadeamento da prática de
Jesus ocupa lugar fundamental na vida eclesial e este é um dos motivos
que nos conduziu a refletir essa temática nesta edição da revista.
A Revista Teopráxis, ao longo de sua trajetória, ocupou-se em
fazer ecoar a reflexão teogica a partir da realidade, visto
compreender que boas teorias o gestadas no seio da vida eclesial. É
nessa perspectiva que os temas sobre Metodologia Pastoral e processos
de evangelizão recebem um destaque especial nesta edão.
É um prazer para nós podermos estabelecer essa interlocução
mais direta a partir de questões articuladas ao dossiê da revista e às
pesquisas desenvolvidas por Brighenti. Por isso, as questões
colocadas ao autor versam sobre a metodologia, a espiritualidade, a
sinodalidade novidade proposta por Francisco, os desafios para a
missão da Igreja no contexto marcado pelas involuções eclesiais, a
conjuntura atual perpassada pelo negacionismo da ciência, a fome
que assola mais de trinta milhões de brasileiros etc.
1 Quais os principais elementos da metodologia participativa?
Qual o modelo eclesial que esta metodologia combate?
Método não é apenas uma técnica. Dele fazem parte conteúdo e
tamm o sujeito. No âmbito da ação pastoral, a metodologia precisa
conjugar Evangelho, realidade e comunidade eclesial. Como a
mensagem evangélica aponta para a fraternidade intra e extra eclesial
em um contexto marcado pela injustiça e a exclusão, uma metodologia
a de planejamento pastoral precisa ser uma pedagogia de comunhão e
de conversão à realidade. Ela contribui para a superação do modelo de
Igreja centralizado no padre e na paróquia massiva e
sacramentalizadora, a pastoral de conservação, expressão de uma Igreja
autorreferencial, assim como do modelo eclesial espiritualizante e
apologético, a pastoral coletiva, em uma postura hostil frente a um
mundo que supostamente conspira contra a Igreja. Não conversão
ao Evangelho sem conversão à realidade e à comunhão fraterna, pois
evangelizar é antes de tudo não ignorar e nem impor. Daí os
princípios da metodologia participativa: intervenção de todos,
discernimento comunitário, decisão partilhada e ação desconcentrada.
v. 39, n. 133, Passo Fundo,
p. 6-9, Jul./Dez./2022,
ISSN on-line: 2763-5201
DOI:dx.doi.org/10.52451/teopraxis.v39i133.139
* Agenor Brighenti é doutor em Ciências
Teológicas e Religiosas na Universidade
Católica de Louvain (Bélgica), especializado
em Pastoral Social e Planejamento Pastoral
pelo Instituto Teológico-Pastoral do Celam
(Medellín) e licenciado em Filosofia pela
Universidade do Sul de Santa Catarina
(Tubarão, SC). Foi perito do Celam na
Conferência de Santo Domingo e da CNBB
em Aparecida.
E-mail: agenor.brighenti@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-9399-2621
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2 Qual a relação entre metodologia participativa e a espiritualidade do
seguimento de Jesus?
Seguimento de Jesus é continuação de sua obra, o Reino de Deus. É colocar-se atrás
dele, como discípulo. É colocar-se no caminho dele, pois ele é o Caminho. É ir fazendo
acontecer a transcendência “na” imanência da história, na precariedade do presente, sempre
impregnado de eternidade, por mais contraditório que seja. A metodologia participativa
tamm põe as pessoas a caminhar, pois privilegia o processo aos resultados. Mais
importante que buscar resultados é colocar-se no caminho, é fazer processo, pois deste
depende um bom resultado. Sobretudo porque o Evangelho pede a eficácia da fé, que passa
pela cruz, eo a eficiência ou o êxito a todo preço, que é a meta de uma cultura mercadológica.
O Papa Francisco tem frisado que o tempo é superior ao espaço. O processo ao sucesso. O
tempo do Evangelho é kais e não chronos, pois o fim está no caminho. Na escatologia cristã
o fim não es nonal (chronos), mas na antecipão dom no caminho (kairós).
3 Comente qual a relação: pastoralizar a teologia e teologizar a pastoral?
O lugar da teologiao é a academia. Enquanto inteligência reflexa da ação da Igreja
no mundo, seu lugar natural é o caminhar da comunidade eclesial, inserida profeticamente
na sociedade. A teologia é um “momento segundo” (reflexão) de um “momento
primeiro” (a práxis pastoral). Uma boa teologia o cai do céu, brota da realidade. A
teologia precisa ter, necessariamente, uma dimensão pastoral. Uma teologia que o se
articula na pastoral não serve para a Igreja e se não for uma pastoral inserida no mundo,
não serve para a humanidade. É sal que perdeu sua força e serve para ser pisado e
descartado. Por outro lado, a pastoral não é um receituário de ações pragmáticas e
pontuais, de práticas isoladas. Enquanto encarnação do Reino de Deus, pressupõe uma
vivida, consciente e consequente com seu contexto. A não é um ato “da” razão, mas
precisa ser um ato “de” razão para ser razoável, longe de fanatismos, digna do ser humano,
a quem Deus se propõe e não se impõe. Uma pastoral sem teologia é pragmatismo amador,
sem profissionalismo, sem ciência, sem poder dar razões ao que se faz.
4 Que relação tem a sinodalidade com a metodologia e os processos de
planejamento pastoral?
Sinodalidade é o modus vivendi et operandi da Igreja, o modo da Igreja viver e agir.
Infelizmente, nem sempre e nem em todo lugar é assim. Ainda resquícios, quando o
vigência, de uma Igreja configurada no binômio clero-leigos e não no binômio
comunidade-ministérios. Prova disso, é o clericalismo ainda reinante, de clérigos e de leigos
clericalizados, com o agravante da cópia ser sempre pior que o original. Em uma Igreja
piramidal, alguns planejam “para” os outros executarem, no exercício de um poder-
dominação. em uma Igreja sinodal, o sujeito do planejamento é a própria comunidade
eclesial, no exercício de um poder-serviço. Na Igreja, os ministros ordenados não têm o
monopólio do poder, pois este não deriva do sacramento da Ordem, mas do sacramento
do Batismo. Daí o sonho do Papa Francisco, expressado no Sínodo da Amazônia, de “uma
cultura eclesial marcadamente laical”. No primeiro milênio, reinava um princípio
genuinamente sinodal: “o que diz respeito a todos, deve ser discernido e decidido por
todos”. O planejamento participativo se caracteriza por algo parecido: “quem não
participou do processo de tomada de decisão, não tem nenhuma obrigação de participar
no processo de execução”.
Entrevista
Metodologia Pastoral: Entrevista com Agenor Brighenti
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.39, n.133, p. 6-9, Jul./Dez./2022. ISSN On-line: 2763-5201.
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5 A pandemia revelou muitas mazelas no seio social, uma multidão de invisíveis.
Como Igreja, o que podemos aprender com a pandemia?
Não perder de vista o real da realidade, em um mundo que tende a virtualizar a
realidade. O negacionismo da ciência mata e explica porque o Brasil com 3% da populão
mundial tenha tido 12% dos mortos. A fome de mais de trinta miles de brasileiros delata o
cinismo dos satisfeitos. Estão associados terraplanistas, negação da vacina, armamentismo,
homofobia, machismo, ultraliberalismo, autoritarismo, fundamentalismo religioso e
autodenominados de direita contra a esquerda, dita comunista. A ideologia cega, corrói a
liberdade e o senso crítico, torna massa de manobra, aposta em messianismos e torna incapaz
de conviver com os diferentes e de aprender com as diferenças. Uma boa parte dos católicos
no Brasil está nesta leira, resultado de três décadas de involução eclesial em relação à
renovação do Vaticano II, que precederam o atual pontificado. Temos o refluxo de modelos
de pastoral de um passado sem retorno, o encolhimento da pastoral social e da inseão
protica da Igreja na sociedade, assim como os preconceitos contra as comunidades eclesiais
de base e o fortalecimento do catolicismo pentecostal, que contribram para o deterioro da
cidadania, um grande desafio a reverter.
6 O que metodologicamente diz o processo de escuta sinodal proposto pelo Papa
Francisco? Em que consiste sua novidade?
Uma Igreja sinodal é a Igreja da renovação do Vaticano II que, por sua vez, é uma
“volta às fontes bíblicas e patrísticas, das quais a Igreja do segundo milênio havia
praticamente perdido de vista. O que o Papa Francisco está fazendo, apoiado em Aparecida e
na tradão libertadora da Igreja na Arica Latina, é retomar o Concílio. O que parecia uma
batalha perdida, transforma-se em uma esperança renovada. A grande chaga é o clericalismo,
o ponto de estrangulamento da sinodalidade, que voltou com força, na esteira de uma re-
sacerdotizão
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do presbítero, que o Vaticano II havia superado. Por sua vez, o clericalismo
tem subjacente a sacerdotizão do próprio cristianismo, que historicamente adquiriu o
perfil de uma religião sacrificial, com o presbítero transformado em sacerdote separado do
povo e reduzido a uma função cultual e fonte de todo poder. Cristianismo não se conjuga
com clericalismo, que tem no batismo a fonte de todos os ministérios. A novidade do Papa
Francisco é a coragem de desencadear um processo de sinodalização da Igreja de baixo para
cima, a partir das Igrejas Locais, situando a colegialidade episcopal no seio da sinodalidade
eclesial, inclusive o Primado. O processo vai exigir a superação de uma Igreja piramidal, com
uma consequente mudança de estruturas e do perfil dos minisrios ordenados, para dar lugar a
uma Igreja toda ela ministerial, na radical igualdade em dignidade de todos os ministérios.
7 Quais caminhos e métodos seriam necessários para a juventude se sentir mais
atraída e acolhida pela igreja neste tempo novo que estamos vivendo?
Mais que o futuro, a juventude é o presente da Igreja e da sociedade. Ela vive
tempos difíceis: de triunfo do indivíduo solitário, que põe em crise o compromisso
1 A rigor, o cristianismo não tem “sacerdotes” tal como no judaísmo e nas religiões do mundo greco-romano. O que
no antigo Povo de Deus eram funções de “classes” religiosas distintas sacerdotes, profetas e reis no novo Povo de
Deus, pelo Batismo, todo cristão passa a fazer parte de um povo todo ela profético, régio e sacerdotal, o denominado
tria munera ecclesiae. Entretanto, quando o memorial da Páscoa se torna “sacrifício”, começa um processo de
“sacerdotização” do cristianismo, que se hegemônico na Igreja do segundo milênio. A liturgia se clericaliza,
passando a ser celebrada somente pelo “sacerdote”, de costas para o povo, num presbitério (o “Santo dos Santos”)
separado da nave do templo de onde os leigos assistem. O Vaticano II, em sua volta às fontes, des-sacerdotizou o
cristianismo e o presbítero. Para o Concílio, dado que pelo Batismo o Povo de Deus constitui um povo todo ele
profético, régio e sacerdotal (LG 31), na Liturgia, o ministro ordenado preside uma assembleia toda ela celebrante. Com
isso, o padre deixa de ser chamado “sacerdote”, pois é um presbítero que preside uma assembleia toda ela sacerdotal.
Entrevista
Metodologia Pastoral: Entrevista com Agenor Brighenti
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.39, n.133, p. 6-9, Jul./Dez./2022. ISSN On-line: 2763-5201.
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comunitário; de encolhimento da utopia no momentâneo, que leva ao presentismo ou ao
pragmatismo docotidiano; de crise da racionalidade e da ciência, com tenncia a pautar-se
pelas sensões na inesgotável experimentão do presente; de busca de segurança diante da
sensação de que “tudo o que é sólido se desmancha no ar”, porta aberta para agarrar-se à falsa
seguraa do emocionalismo e do fundamentalismo, etc. Não por nada, a juventude se
tornou mais conservadora, tanto na Igreja como na sociedade. É preciso ajudá-la a superar
uma possível visão retrospectiva e catastrófica da realidade, condição para a tessitura do
risco, a única garantia do futuro. É mais próprio do jovem uma visão prospectiva da hisria,
que faz da esperança uma virtude ativa, capaz de criar o novo, que sempre vem da periferia.
8 A quais fatores se deve o não avanço na diversicação dos ministérios na Igreja,
que praticamente não evoluíram desde 1970?
Um deles é a visão fossilizada da Tradição, que é tradicionalismo, pois, como diz o
Vaticano II, a “tradão” progride, é viva, continuamente precisa ser redefinida para poder ser
suporte a uma ação evangelizadora, que necessita responder aos desafios de cada contexto e
de cada época. Como dizia Dom Hélder, “a Igreja precisa mudar muito, continuamente, para
ser sempre a mesma Igreja de Jesus Cristo”. Junto com o tradicionalismo está o medo de
avançar, de inovar, de criar. O medo exagera o perigo, cria monstros, profetas de
calamidades, paralisa, faz retroceder e agarrar-se às velhas seguranças do passado. Somos
depositários de uma abraâmica, uma pascal, de travessia e não do aconchego de um
porto seguro ou de uma tenda no Monte Tabor. Mas, somente os livres inovam e criam,
estão habitados pela esperança. No tradicionalismo medo dos leigos e de suas
organizões; medo das mulheres e de seu jeito diferente de ver a verdade; medo do exercio
de um poder democtico, que eliminaria o magisrio; medo de padres casados e com
família; medo dos cristãos se engajarem no mundo e secularizar sua , etc. Entretanto,
desconfiar dos outros é desconfiar de Deus, pois como discípulos de Jesus Cristo, o primeiro
ato de fé é confiar nele que confiou ems.
9 Na obra O Novo Rosto do Clero”, o senhor comenta sobre a pastoral para os
padres novos em novos tempos. Quais o os inuxos, delineamentos e
perspectivas pastorais a partir de um novo modo de ser dos novos presbíteros?
“Padres novos” não é uma categorização meramente cronológica. Há padres ordenados
recentemente, assim como padres da geração passada, que estão alinhados à renovão do
Vaticano II, que reconciliou a Igreja com o mundo moderno e a situou no seio da sociedade,
em uma postura de diálogo e serviço. Mas, também padres da geração anterior e padres
ordenados nas últimas cadas que tomam distância da renovão conciliar e da tradição
libertadora da Igreja na América Latina. A diferença é que a maioria dos padres recém-
ordenados está entre estes últimos. Vai de encontro ao que acontece com os jovens também
na sociedade, assim como com outros segmentos da Igreja e da sociedade. Por um lado, os
“padres novos” mantêm um relacionamento mais próximo com o povo, usam mais os meios
de comunicão modernos na evangelização; por outro, têm especial apreço a um perfil mais
sacerdotal do presbítero, com grande esmero nas alfaias litúrgicas e trajes clericais; estão
mais inclinados ao estilo de uma vida cômoda, que usufrui de todas as benesses de uma
sociedade de consumo e tecnificada, etc. Isso tem levado na experiência religiosa, ao
deslocamento do profético para o terapêutico e do ético para o estético. Ao mesmo tempo
que se deve estar abertos a acolher as novidades que trazem, o grande desafio é aju-los a
descobrir a renovação do Vaticano II, pois são eles os que estão melhor posicionados para
fazer uma “segunda recepção” do Concílio no novo contexto em que vivemos.
Entrevista
Metodologia Pastoral: Entrevista com Agenor Brighenti
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.39, n.133, p. 6-9, Jul./Dez./2022. ISSN On-line: 2763-5201.