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4 VENEZUELAN OS EM PACARAIMA: A MARMITA SALVADORA...
A realidade vivida por venezuelanos no estado de Roraima já é por demais
conhecida, em particular, na cidade de Pacaraima e na capital Boa Vista.
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Já são quase cinco
anos que esse processo vem se desenvolvendo. Dia-após-dia levas imensas de pessoas
atravessam a fronteira e buscam inserir-se no Brasil. Em alguns períodos, há histórico de
entradas diárias de mais de mil pessoas. No período que estivemos presente nela
(novembro de 2022), a média diária de chegada, segundo o comando do Pelotão do
Exército de Fronteira lá presente, girava entre 300 a 400 pessoas. É uma realidade
migratória jamais vivida pelo país em termos de intensidade num tempo tão curto e num
estado com condições limitadas como é o de Roraima.
Dados do Acnur (ONU) informam que são mais de sete milhões de venezuelanos que
buscaram até então as portas de saída do país. Destes, quase dois milhões foram para a
Colômbia; no Brasil, já se aproximam de um milhão; para os Estados Unidos, o número
também é elevado, além de outros países que os estão acolhendo e abrindo suas fronteiras.
É importante enfatizar que os dados são muito imprecisos, pois muitos não são
registrados, entram por caminhos alternativos, migram e vão para casa de familiares,
parentes, amigos e conhecidos; outros entram, solicitam as políticas de Acolhida
Humanitária, e, após, um tempo retornam. Portanto, entradas, retornos e reemigrações
são comuns; é parte da dinâmica e, os dados estatísticos, além de comumente falhos, não
abarcam essas estratégias e racionalidades próprias dos imigrantes.
As causas desse processo migratório específico são complexas e diversas; difícil
explicá-las minimamente aqui num espaço tão curto; mas, podem ser resumidas com
maior expressão pelo âmbito econômico e político. Embargos econômicos promovidos
pelos Estados Unidos, reeleição de Maduro, constituição de governo paralelo pelo auto
denominado presidente Guaidó, em boa parte, com financiamento americano no período
do governo Trump, quebra de contratos de compra e refinamento de petróleo venezuelano
pelos EUA, estratégia do governo de militarizar o país para sufocar a oposição,
enfraquecimento desta com consequente represália aos seus apoiadores pelo governo do
presidente Maduro, boicote de saída de produtos provocado por grandes redes de atacadistas
com a intenção de aumentar o preço dos seus produtos, dentre outros processos.
As consequências de tudo isso, além de outras, podemos elencar, a redução do
emprego, a intensa dependência do país em relação ao petróleo e, este, atrelado a um só
país (os EUA), o intenso aviltamento do salário dos trabalhadores, conflitos sociais,
intenso controle social pelo estado, fome e miséria, além, é evidente, as portas de saídas.
Somado a isso tudo, houve o uso político dessa realidade de crise e migração por governos
como o do Brasil e dos Estados Unidos, principalmente a partir de 2018 com políticas de
Acolhida Humanitária
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e concessão de refúgio a um grupo seletivo (somente aos
venezuelanos, como foi o caso brasileiro) e midiatizado como forma de contraposição e
crítica ao governo Maduro e aos que, em algum período anterior ao conflito social e
político, haviam produzido ações econômicas conjuntas.
A face mais drástica disso tudo se revelou, e continua, para o caso brasileiro, no
estado de Roraima com o total descontrole social e político entre 2018 a 2020, em algumas
2 O espaço reduzido e as informações que dispomos até então não nos permitem ter um amplo processo que se
desenvolveu nesses mais de quatro anos dessa realidade no referido estado e, particularmente, na cidade de
Pacaraima. Situação essa que foi amplamente retratada pela mídia nacional.
3 No Brasil foi denominada de Operação Acolhida. Criada em março de 2018, ela objetiva o atendimento humanitário
a refugiados e imigrantes venezuelanos em Roraima em razão da crise política, econômica e social de seu país. Exerce
ações de ordenamento de fronteira, fornece espaços para o abrigamento e interiorização de imigrantes. As atividades
exercidas nesses três âmbitos são muitas e estão em parcerias com órgãos de apoio internacional e com as
instituições religiosas, do terceiro setor, dentre outras, as quais possuem um amplo horizonte assistencial.
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.134, p. 50-61, Jan./Jun./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
TEDESCO, João Carlos
A imigração e a fome: aspectos do vivido por venezuelanos/as em Pacaraima – RR