Este artigo está licenciado com a licença: Creative
Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0
International License.
EDUCAR PARA A PARTILHA
E PARA A SOLIDARIEDADE
Desaos atuais
EDUCATION FOR SHARING
AND SOLIDARITY
Current challenges
Lourdes de Fátima Paschoaletto Possani*
Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido
é ser opressor.
Paulo Freire
Com bênção e partilha, nunca estaremos sozinhos!
Papa Francisco
Resumo: Educar para a partilha e para a solidariedade exige repensar
conteúdos e metodologia, tanto na área social quanto religiosa. O artigo se
propõe a refletir sobre os desafios atuais de como fazer educação na
perspectiva libertadora, na contramão da educação tradicional. Propõe
também uma reflexão em torno do objeto partindo de uma posição
sociopolítica definida em favor da vida, da liberdade e da autonomia dos
sujeitos envolvidos nos processos educativos, formais e/ou informais.
Palavras-chave: Educação. Partilha. Solidariedade. Igreja. Sociedade.
Abstract: Educating for sharing and solidarity requires the reimagining of
content and methodology, both in the social and religious areas. The article
proposes to reflect on the current challenges of how to carry out education
from a liberating perspective, against the grain of traditional education. It
also proposes a reflection around the theme starting from a defined socio-
political position in favor of life, freedom and autonomy of the subjects
involved in educational processes, be it formal and/or informal.
Keywords: Education. Sharin. Solidarity. Church. Society.
v. 40, n. 134, Passo Fundo,
p. 77-89, Jan./Jun./2023,
ISSN on-line: 2763-5201
DOI:
dx.doi.org/10.52451/teopraxis.v40i134.143
* Mestra e doutora em Educação pela PUC-
SP. Supervisora Escolar aposentada na Rede
Municipal de Ensino de São Paulo (até 2012).
Diretora Regional de Educação / DRE São
Mateus (2013-2014) e Chefe da ATP/SME
(2015-2016). Atua como Coordenadora
Pedagógica no Centro Ecumênico de
Serviços à Evangelização e Educação Popular
CESEEP desde 2017. Docente universitária
(2004 a 2016). Autora de livros e artigos na
área de Educação de Jovens e Adultos,
Currículo, Avaliação e Educação Popular.
E-mail: lurdinhapp@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-9896-4742
Recebido em 28/12/2022
Aprovado em 25/06/2023
78
INTRODUÇÃO
Temos enfrentado muitos desafios nos últimos tempos: guerras entre países, onde os
mais ricos destroem os mais pobres ou aqueles que têm em seu território os seus objetos
de desejo e de lucro. Também enfrentamos guerras que se expressam na violência contra as
mulheres, contra as pessoas negras e indígenas e por causa da escolha religiosa, pela
orientação sexual e por outras formas de ser e de viver que não sejam a hegemônica,
branca, hétero.
Vivemos também um momento de violência na política, não física, mas
psicológica, gerando medo e insegurança nas pessoas que pensam diferente de
determinado grupo. Vemos também, com tristeza, a destruição da natureza, do solo, das
águas e do ar com suas consequências para a sobrevivência da humanidade. Um exemplo
disso são os incêndios criminosos especialmente os ocorridos na Amazônia. No entanto,
pior do que tudo isso é a naturalização de toda essa violência e dessa forma de relação com
o meio ambiente.
O espancamento aa morte, no Rio de Janeiro (RJ), de Moïse Mugenvi Kabagamb,
um imigrante congolês negro; o assassinato, com requintes de crueldade da adolescente de
14 anos, Daiane Girá Sales, da Reserva indígena Kaingang de Redentora (RS); os
espancamentos e os assassinatos de pessoas LGBTQIA+ não geram comoção nacional,
pois, de alguma forma, no senso comum encontra-se uma explicação “natural” ou fatalista
para os mesmos.
Mais do que a violência cometida contra as pessoas e com o meio ambiente, choca-
nos a reação das pessoas diante desses fatos. Reação silenciosa e omissa ou de cumplicidade
com a opressão e a violência como se estas fossem “naturais”. E choca-nos ainda mais por
sabermos que grande parte das pessoas que reagem dessa forma, ou seja, apoiando a
violência, passaram pelo menos oito anos na escola formal e que, muitas delas, passaram
por algum tipo de educação religiosa, em toda sua diversidade de modelos educativos
(catequese, escola dominical e outras).
A educação que recebemos ao longo da vida nos ensina a ver o mundo sob este
prisma; um currículo escolar e religioso oculto que: a) prioriza o individualismo e a
competição e não a partilha e a solidariedade entre pessoas; b) promove uma relação
predatória com o meio ambiente e não de cuidado e de manejo sustentável.
Na contramão desta forma de educar, encontramos boas experiências educativas
com foco na ação colaborativa e na promoção do bem-estar comunitário, com destaque
para a participação popular na tomada das decisões e nas ações para a melhoria de vida de
pessoas e grupos empobrecidos e vulnerabilizados. Com esses grupos há, ainda, muito para
se aprender, tanto em relação aos conteúdos, como à sua metodologia e quanto ao seu
modo de viver e de resistir à violência e à miséria.
Neste texto, partimos do pressuposto freiriano de que a Educação muda pessoas e
pessoas mudam o mundo e que a educação não é algo estático, mas sim um artefato cultural
que muda de acordo com o tempo histórico e com os grupos que têm o poder de decidir
sobre o que é preciso que se aprenda para manter o mundo como está ou para mudá-lo.
1 PARTILHA, EDUC AÇÃO E SOLIDARIEDADE
Trazemos aqui um breve descritivo sobre partilha, educação e solidariedade com o
intuito de compreender a posição assumida nesse texto.
POSSANI, Lourdes de tima Paschoaletto
Educar para a partilha e para a solidariedade: Desafios atuais
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.134, p. 77-89, Jan./Jun./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
79
1.1 Partilha
Partilha é uma palavra que tem sentidos diversos, a depender de seu contexto.
Assumimos aqui a partilha como conceito e prática de troca, de doação, de generosidade,
de bem querer às pessoas, a quem é o nosso próximo, estando ou não fisicamente
próximo de nós.
Este termo é bastante utilizado no meio religioso, mas também pode ser encontrado
em espaços sociais e políticos, quando o público que ali vive e trabalha o mundo como
um espaço para todas as pessoas viverem em harmonia entre si e com a natureza.
Por detrás da palavra e do conceito de partilha existem pressupostos que nos fazem
compreender por que a palavra pode ser considerada polissêmica e que a sua utilização não
é ingênua e, tampouco, neutra. Veremos aqui alguns deles que são base para a atuação
social e outros, para a atuação pastoral. No entanto, ambos têm aspectos em comum e,
quase sempre, quem os toma para si em sua atuação profissional, social ou religiosa o
fazem em qualquer espaço onde vive, ou seja, na família, com amigos, no trabalho, na
militância política e na ação pastoral e comunitária.
1.2 Educação
Educação também é um termo que tem seu significado alterado de acordo com o
tempo e de acordo com quem tem o poder em determinado momento histórico. A
educação é uma construção humana. A educação tem uma história ao longo do tempo da
humanidade e, com a evolução da sociedade, saiu do espaço familiar e foi para outros
espaços como as escolas, as igrejas etc.
A educação aqui é entendida no seu termo mais amplo e não se limita ao campo
escolar. Somos educados e educamos em todos os espaços sociais, começando pela família e
seu entorno, pela escola, pela religião, pela vida social e pelo trabalho.
As mídias também exercem uma função educativa muito grande – para o bem e para
o mal. Desde a invenção do rádio, passando pela TV até chegar aos meios digitais. Os
meios de comunicação têm intencionalidade educativa, em termos distintos das formas
convencionais de educar, pois podem ser tanto reprodutores dos modelos formais de
educação (religiosa e social), como podem se valer de outras formas, mais sutis e até mais
fortes de influenciar pessoas e grupos na direção de um determinado modo de pensar e de
agir no mundo.
Plataformas digitais, como o “antigo” Orkut, passando pelo Facebook e chegando ao
Instagram e Twitter, entre outros, invadiram os celulares da maioria da população,
trazendo consequências visíveis para o modo de formar pessoas para viverem em
sociedade. Lembramos que estas plataformas, de uso aparentemente gratuito, não são
apenas formas de se vender produtos e serviços, mas principalmente de aprofundar um
modelo de vida individualista e criar um campo aberto para receber, de forma subjetiva,
mensagens de ódio e de incitação à violência. Elas são, também, instrumentos de uma
nova forma de educar as pessoas. É claro que esta forma de educação/comunicação
também traz benefícios ao conectar pessoas e grupos, com possibilidade de expansão de
ideias e de projetos de um novo modo de vida, baseado na solidariedade e na partilha. No
entanto, uma vez mais, como dito anteriormente, parece prevalecer o modo de pensar de
quem tem o poder no momento, ou seja, de quem tem o controle político, econômico e
financeiro no mundo.
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.134, p. 77-89, Jan./Jun./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
POSSANI, Lourdes de tima Paschoaletto
Educar para a partilha e para a solidariedade: Desafios atuais
80
1.3 Solidariedade
Solidariedade é uma palavra de origem francesa, solidarité, que remete, do ponto de
vista social, para responsabilidades recíprocas entre pessoas e grupos. Não significa apenas
reconhecer a situação vulnerável de uma pessoa ou de um grupo social, mas consiste,
especialmente, no ato de ajudar essas pessoas.
Assim podemos dizer que a solidariedade traz em si o mesmo fundamento da
partilha, mas avança para além dela, pois exige altruísmo por parte de quem a expressa em
ações. Solidarizar-se o é apenas partilhar, trocar, mas fazer o bem sem esperar a volta, a
não ser o prazer de servir. E este fazer solidário, pela alegria de servir também tem suporte
no evangelho, quando Jesus escolhe o amor como o maior mandamento.
2 PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO E A DINÂMICA DA PARTILHA
Há princípios que regem a forma como se faz educação, sobretudo quando pensamos
na sua articulação com a partilha. Consideremos aqui alguns desses princípios tanto no
âmbito da Igreja, como no da sociedade:
2.1 Na Igreja
Na tradição cristã encontramos princípios baseados nos preceitos do Evangelho,
destacando alguns mais presentes nas diversas formas de educação religiosa:
a) O amor é o maior mandamento. “Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração,
de toda a sua alma, de todo o seu entendimento e com todas as suas forças. Ame seu
próximo como a si mesmo. Não mandamento maior do que este.” (Mc 12,30-31). Amar
assim implica amar a outra pessoa como a nós mesmos, o que exige escuta, acolhimento,
perdão e compaixão pelo próximo.
b) A partilha une as pessoas em comunhão e, no Evangelho, vemos a radicalidade dessa
realidade: “A multidão dos que acreditavam era um coração e uma alma. Ninguém
dizia que eram seus os bens que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum.” (At
4,32) “De fato, entre eles não havia nenhum necessitado, pois aqueles que possuíam terras
ou casas, as vendiam e levavam o valor das vendas aos pés dos apóstolos. Então se
distribuía a cada um segundo a sua necessidade.” (At 4,34)
c) Somos filhos e filhas de Deus e, por isso, somos todos iguais perante Ele. Toda pessoa
humana tem o mesmo valor diante de Deus - com diferenças de cor da pele, de cultura, de
religião, de orientação sexual, de saberes/conhecimento etc. Deus criou a humanidade e a
natureza para que vivessem em comunhão e a está a sua beleza: “é neste entrelaçamento
da comunhão universal que se integra cada grupo humano, e encontra a sua beleza” (FT
149). Para a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), Educação
é conduzir e acompanhar a pessoa para sair do não saber, rumo à consciência de
si mesma e do mundo em vive. É tornar a pessoa consciente, para que se torne
sempre mais sujeito de seus sentimentos, pensamentos e ações. Isso tanto para
crianças como para adultos, uma vez que a própria vida se encarrega de nos
trazer oportunidades de aprendizagem em qualquer etapa
1
.
O eixo da definição proposta pelo texto-base da CF 2022 é o indivíduo que deve ser
conduzido no processo de conhecimento. No entanto, podemos pensar a educação como
um processo em que o aprendiz é sujeito do processo de sua construção do conhecimento.
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.134, p. 77-89, Jan./Jun./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
POSSANI, Lourdes de tima Paschoaletto
Educar para a partilha e para a solidariedade: Desafios atuais
1 CNBB, Campanha da Fraternidade 2022 - Texto-Base, p. 17.
81
Com isso, podemos perceber que a educação tem uma função social: possibilitar que as
pessoas possam decodificar (decifrar), interferir e transformar a realidade.
Assim, podemos dizer que o processo educativo vai muito além da aquisição de
conhecimento. Ele é um processo que permite à pessoa ser sujeito do processo educativo e
ser sujeito de transformação da realidade.
Essa compreensão da educação - como um instrumento de decodificação, de
intervenção e de transformação - é necessária para compreendermos o seu potencial de
transformação e as suas implicações em toda a vida da pessoa, da comunidade e da sociedade.
Para Mandela, “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua
origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender e, se podem
aprender a odiar, elas podem aprender a amar.” Ele diz também que “A educação é a arma
mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo”
2
.
Se cremos nisso, o como dissociar a educação de sua responsabilidade de
transformar o mundo num espaço digno para todas as pessoas viverem. E aqui incluímos a
educação religiosa que deve estar a serviço da construção do Reino de Deus: “Busquem
primeiro o Reino de Deus e a sua justiça” (Mt 6,33). Ressaltamos que a educação religiosa,
expressa na catequese oferecida pela Igreja, pode ocorrer também em espaços formais de
educação, como as escolas confessionais.
2.2 Na sociedade
A citação de Mandela, referida aqui, nos aponta caminhos para a educação, seja
formal ou informal. Chamamos de educação formal aquela oferecida pelo Estado
3
, nas
escolas públicas, ou por ele acompanhada, nos sistemas privados de ensino.
Educação informal é aquela oferecida fora desses dois espaços, e desenvolvida pelas
organizações civis, pelas famílias ou grupos de interesse em comum. Ocorre especialmente
associadas a atividades culturais, lúdicas e são promovidas, muitas vezes, também pela Igreja.
Embora se diga que a educação formal ocorra sem planejamento, esta afirmação vale apenas
para a educação que ocorre espontaneamente, pois a educação informal, dotada de
intencionalidade, também prevê planejamento e, certamente, posição sociopolítica clara em
favor de mudanças sociais com os sujeitos envolvidos nesse processo educativo, já que
falamos de grupos sociais menos favorecidos economicamente. A educação informal
também pode ser entendida como aquela que supre uma deficiência de oferta do Estado,
como a alfabetização de jovens e adultos e a educação e cuidado com a infância até os 4 anos.
Em tese, a educação informal deveria ser realizada num formato mais livre do que o
da educação formal, com currículos menos rígidos e construídos juntos com o público
envolvido e a partir das suas necessidades, na perspectiva de oferta de uma educação que
promova a transformação social.
3 E DU CAÇÃO LI BERTADORA X EDUCAÇÃO BANCÁRIA
Tratamos aqui da educação oferecida pela sociedade em um determinado tempo da
história e com recorte para um tipo específico de educação: a educação libertadora. Este
modelo de educação se contrapõe ao modelo tradicional ou conservador.
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.134, p. 77-89, Jan./Jun./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
POSSANI, Lourdes de tima Paschoaletto
Educar para a partilha e para a solidariedade: Desafios atuais
2 Trecho do discurso proferido no lançamento do Mindset Network, em 16 de julho de 2003. Lighting your way to a
better future. Planetarium. University of the Witwatersrand, Johannesburg, South Africa.
3 O Estado tem o dever de oferecer a educação básica gratuita desde os 4 até os 16 anos. A alteração foi feita na LDB (Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) por meio da Lei 12.796, de 4 de abril de 2013. Essa regulamentação
oficializa a mudança feita na Constituição por meio da Emenda Constitucional nº 59, em 2009.
82
3.1 Educação libertadora
A educação libertadora tem princípios que dão base para uma nova forma de
educação, que seja para a liberdade, para a emancipação e crescimento dos sujeitos
envolvidos.
a) Somos, todos dotados de saberes e temos o mesmo valor. Temos diferentes saberes, mas
não valorados hierarquicamente: “Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença
nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos
descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma
diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”
4
.
b) Somos seres relacionais. Somos seres coletivos e nos formamos na relação com as
outras pessoas e grupos sociais. Todos ensinamos e aprendemos algo com as outras
pessoas, especialmente nas relações que estabelecemos com elas. Para Paulo Freire,
“ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si,
mediatizados pelo mundo”
5
.
c) Mudar é difícil, mas é possível. Esta afirmação é de Paulo Freire e nos reafirma o
princípio da esperança do verbo esperançar. Uma esperança que nos move à ação por
mudanças sociais e na relação humana com a natureza. Mudar exige compreensão da
realidade, coragem para a ação sociopolítica e amorosidade na relação educacional que as
ações promovidas provocam para além do individual, rumo à coletividade.
Contardo Calligaris
6
nos alerta também para a necessidade de mudança em nós
mesmo e para mudar o mundo: “Caso você pretenda mudar o mundo, lembre-se de que,
provavelmente, você não está à altura do mundo mudado segundo seu desejo. (...) Quem
quer mudar as coisas facilmente esquece de contar-se entre os itens a serem mudados.”
Na perspectiva da educação libertadora, não somos “nós” os únicos a educar os
outros. Se somos seres relacionais e nossa relação é horizontal, cremos que não mudamos
os outros sem que estejamos incluídos na mudança para o bem comum.
3.2 Educação bancária
O conceito de educação bancária, ou a concepção bancária de educação, foi
desenvolvido por Paulo Freire, sobretudo no livro Pedagogia do Oprimido, como contraponto
à educação libertadora por ele proposta em seus escritos e em sua prática como educador.
Este modelo tem como base princípios antagônicos ao modelo de educação
libertadora e tem características bem distintas:
a) Currículo
Formação com conteúdo compartimentado e com a intenção de domesticar a
consciência das pessoas. Esse modelo defende uma falsa neutralidade no currículo e na
metodologia, visando disciplinar corpos e mentes para um referido modelo social desejado
pela classe dominante.
b) Relação professor x aluno
A relação professor x aluno neste modelo é vertical e antidialógica. Esse modelo
propõe os conteúdos como verdades absolutas. Na educação libertadora falamos em
educador x educandos. Além disso, esse modelo de relação se contrapõe ao modelo
horizontal e dialógico nas relações, encontrado na educação libertadora.
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.134, p. 77-89, Jan./Jun./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
POSSANI, Lourdes de tima Paschoaletto
Educar para a partilha e para a solidariedade: Desafios atuais
4 SANTOS, Boaventura de Sousa, Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo multicultural, p. 56.
5 FREIRE, Paulo, Pedagogia do oprimido, p. 68.
6 MARSIGLIA, Ivan, Contardo Calligaris, Trip, 2009.
83
c) Conhecimento
Na educação tradicional, a aprendizagem dos alunos é baseada na memorização e na
repetição. Não espaço para a criação e invenção próprias da educação libertadora. Todo
o conhecimento vem pronto e os aprendizes são considerados como desprovidos de
saberes. Em síntese, a ênfase é na transmissão e o na construção do conhecimento.
“ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção ou
construção”
7
.
d) Realidade
A realidade é vista como estática e mistificada, fragmentada e compartimentada.
Nesse modelo não possibilidade de transformação a partir dos sujeitos, como propõe a
educação libertadora. Como nos diz Paulo Freire: “reconhecer que a História é tempo de
possibilidade e não de determinismo” (FREIRE, 2004, p.19).
4 EDUCAÇÃO E AS ESCOLHAS POLÍTICAS
Diante de escolhas curriculares ou educativas, podemos assumir posições
contraditórias, realizando tarefas em favor ou contra mudanças na sociedade: “Uns da
manutenção das estruturas e, outros, da mudança”
8
.
A Educação sempre teve e continua, nessa contraditoriedade, com a possibilidade de
dois caminhos seguir:
4.1 Manter a sociedade como está
Manter a sociedade como está é manter a desigualdade social, a violência, o racismo,
o patriarcalismo e a intolerância com o/a diferente.
Para manter a sociedade como está, é preciso pensar em estratégias de dominação de
modo que se torne imperceptível a dominação. Uma das estratégias mais eficientes para
manter tudo como está, é a naturalizar as desigualdades sociais e os mecanismos de
dominação.
Para isso, utilizam-se de dois importantes espaços educativos e ideológicos:
a) O Estado
Com a escola formal, o Estado oferece um currículo - supostamente neutro que
prepara pessoas para um modo determinado de vida, onde os oprimidos devem aceitar,
como natural, a sua condição e opressão.
A educação é pensada, desde séculos, para doutrinar corpos e mentes segundo um
modelo social onde haja opressores e oprimidos, ricos e pobres, pretos e brancos
(separados, se possível), homens e mulheres (com domínio do primeiro grupo sobre o
segundo) e assim por diante.
Além da educação formal, as mídias desempenham papel importante na manutenção
da realidade, pois quase sempre os donos dos meios de comunicação estão diretamente
ligados a quem tem o poder econômico e político. Nesse contexto, inclui-se as mídias
digitais, que avançaram velozmente neste início de século XXI.
A maior prova do sucesso desse modelo educacional é quando o oprimido repete
o discurso do opressor contra si mesmo. E essa reação é também consequência da
educação que recebe.
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.134, p. 77-89, Jan./Jun./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
POSSANI, Lourdes de tima Paschoaletto
Educar para a partilha e para a solidariedade: Desafios atuais
7 FREIRE, Paulo, Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa, p. 22.
8 FREIRE, Paulo, Pedagogia do oprimido, p. 93.
84
Lembremos que, muitos de nós, atuamos como educadores e gestores em escolas
públicas ou privadas. Muito de nós atuamos hoje no ensino superior e formamos
formadores/as. Daí a grande responsabilidade de formar pessoas para mudar o mundo, para
transformar a realidade de opressão e exclusão em que vive grande parte da humanidade.
A participação na construção e recriação de currículos, para além de sua execução,
deve ter base nos princípios de emancipação, de liberdade e de participação.
b) A Igreja
Na história ocidental, a Igreja Católica, por muitos séculos, esteve ligada ao poder e
compactuou com a violência dos colonizadores contra os povos originários da Américas
e da África.
A catequese foi a base para a aceitação da ideia de que esses povos eram inferiores
diante dos invasores que tomaram seus territórios em busca da riqueza, espoliando os
minérios e as reservas naturais. Esta extração predatória continua até os nossos dias, com
mais ferocidade, a partir das novas tecnologias e os mais afetados continuam sendo os
povos originários e tradicionais.
Vale lembrar que o genocídio contra os povos originários se deu, em grande parte,
com a ajuda dos missionários que vieram nos mesmos navios dos colonizadores, e que
catequizavam e subordinavam, adestrando corpos e mentes para um novo modo de vida,
muito distinto daquele vivido por esses povos antes da invasão dos europeus.
Aqui faz-se necessário pensar em qual currículo ou quais conteúdos e metodologias
são utilizados na formação religiosa, seja das pessoas leigas ou dos agentes religiosos. Tal
como na educação formal, na educação religiosa também um currículo intencional, não
doutrinário, mas também social, que forma pessoas pra serem lideranças a serviço de
suas comunidades, paróquias e dioceses.
A formação de padres e religiosos incide diretamente na sua ação pastoral e guia sua
missão como evangelizador e como agentes religiosos. Eles exercem, mesmo que não o
saibam ou o admitam, um importante papel político diante da possibilidade de
mudanças sociais. Sua posição frente aos problemas do mundo vai dizer sobre sua
fidelidade ao Evangelho, sua opção pelos pobres (empobrecidos) e sua generosidade em
acolher a diversidade.
A opção preferencial pelos pobres feita pela Igreja em Medellin e Puebla e a retomada
nos textos do Papa Francisco é algo que precisa estar em nossa área de atuação como
formadores se quisermos ser coerentes com o nosso discurso de partilha e solidariedade.
Não podemos, no entanto, nos esquecer que muitos agentes religiosos estão na
contramão da longa caminhada da Igreja latino-americana e dos posicionamentos do Papa
Francisco. Isso se dá porque muitos desses agentes são movidos por diferentes compreensões
do Evangelho e da missão da Igreja e do próprio sentido da educação libertadora.
4.2 Transformar a sociedade
Transformar a sociedade que oprime é desejo de quem é dominado e não de quem
está no poder. Paulo Freire diz que a luta tem “de partir, porém, dos ‘condenados da terra’,
dos oprimidos, dos esfarrapados do mundo e dos que com eles, realmente se solidarizem”
9
.
E ele pergunta:
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.134, p. 77-89, Jan./Jun./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
POSSANI, Lourdes de tima Paschoaletto
Educar para a partilha e para a solidariedade: Desafios atuais
9 Ibid., p. 31.
85
Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o
significado terrível e uma sociedade opressora? quem sentirá, melhor do que
eles, os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a
necessidade de libertação? Libertação a que não chegarão por acaso, mas pela
práxis de sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de
lutar por ela
10.
podemos falar em mudanças a partir do olhar que percebe a sua necessidade e
percebe a necessidade de mudanças quem traz consigo uma visão de mundo que defende a
justiça, a solidariedade e a igualdade de todas as pessoas.
Se concordamos com Paulo Freire, devemos ter clareza de que, embora tenhamos
nós, educadores e formadores objetivos e certezas comuns, nosso papel e nossos desafios
são distintos daqueles que movem os oprimidos por mudança. Daí a importância do
discernimento de nosso papel nas lutas sociais e pastorais.
Os educadores formais e informais são seres políticos, mesmo que não o saibam
ou não admitam. Além disso, os educadores quando negam seu papel político e falam em
neutralidade nas ações, é porque assumiram o modo conservador de educar, ou seja, de
manter a realidade como está.
5 DESAFIOS ATUAIS
A dura realidade bate à nossa porta: o aumento do número de pessoas
desempregadas, de pessoas sem terra, sem teto e em situação de rua
11
.
Perdemos quase 700 mil
12
pessoas pelo contágio do COVID-19, o que deixa uma
multidão de famílias chorando a morte de pais, mães, filhos, parentes e amigos. É grande
também o número de pessoas que sobreviveram ao vírus, mas que ficaram com sequelas na
saúde e necessitam e ajuda médica (física e/ou psicológica).
No Brasil, a escola envolve, de alguma forma, 72 milhões de brasileiros e seus
familiares: 48 milhões no ensino infantil e fundamental, 16 no médio e 8 no superior. O
fechamento das escolas durante a pandemia e a troca das aulas presenciais pelo ensino a
distância, durante pandemia, excluiu milhões de crianças e jovens, sobretudo da zona rural
e de regiões sem acesso à internet. Perderam-se dois anos de estudos e sabemos que não
basta retornar às aulas e tentar recuperar o tempo perdido com o mesmo currículo e
metodologia de antes da pandemia. O mundo não é mais o mesmo depois da pandemia. A
escola não poderá ser mais a mesma, tampouco o currículo escolar.
A pandemia afetou também as Igrejas. Com as medidas de isolamento social
esvaziaram-se as igrejas e foi preciso se reinventar para fazer chegar, de alguma forma, a
mensagem do Evangelho na casa das pessoas. O rádio, a TV e as mídias digitais foram
usadas para a comunicação com os fiéis. Mas, tal como as escolas, enfrentou-se o desafio
para alcançar aqueles que não têm acesso a uma boa conexão com a internet. A volta ao
formato presencial das atividades religiosas e pastorais se coloca como um grande desafio
depois de quase três anos isolados. Isso afeta a mensagem religiosa transmitida e,
sobretudo, a educação na catequese.
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.134, p. 77-89, Jan./Jun./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
POSSANI, Lourdes de tima Paschoaletto
Educar para a partilha e para a solidariedade: Desafios atuais
10 Ibid.
11 Segundo o Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua da UFMG, São Paulo
tinha 75,8 mil famílias em situação de rua cadastradas para receber benefícios sociais do governo federal em 2019.
Esse número subiu para 85,9 mil em setembro de 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/
2022/10/13/numero-de-moradores-em-situacao-de-rua-registrados-no-cadunico-sobe-13percent-no-estado-de-sp-
entre-2019-e-2022-diz-estudo-da-ufmg.ghtml
12 Desde o início da pandemia pelo COVID-19 até o momento, incluindo o contágio por novas cepas do vírus, tivemos
693 mil mortes no Brasil.
86
A experiência de uma pandemia dessa magnitude o pode passar despercebida e
sem análise de suas causas e consequências, como não se pode deixar de pensar na criação
de estratégias e materiais que unam a alegria do encontro presencial com os benefícios que
comunicação digital oferece.
6 CAMINHOS POSSÍVEIS
Colocando-nos como seres políticos num processo educacional, social e/ou
religioso, com responsabilidade de educar para um mundo mais justo e solidário, com
relações amorosas e generosas entre pessoas e com a natureza, apontamos, dentro dos
limites deste texto, alguns caminhos que nos inspirem a trilhar junto com outras pessoas e
grupos, na perspectiva da partilha, no seu sentido também social e/ou religioso.
6.1 Formação
É preciso que realizemos, dentro do modelo de educação libertadora, a formação de
pessoas sobre:
a) a realidade em que vivemos – para compreender os mecanismos de dominação;
b) os direitos das pessoas – para saber o que de fato queremos mudar / conquistar;
c) a importância e necessidade de conhecer estratégias de luta para se efetuar mudanças
(pessoais e coletivas);
d) a importância de se educar para a fraternidade, para a solidariedade, para a partilha
com projetos de vida e de sociedade que considerem as pessoas como sujeitos de direitos.
6.2 Participação nas lutas em favor da vida
No âmbito das lutas em favor da vida, podemos apontar os seguintes caminhos:
a) No campo social/educacional
No âmbito social não podemos ficar de fora do movimento que exige do Estado a
garantia de que a escola seja um lugar de oferta de educação blica e gratuita. É preciso
que lutemos pela criação e cumprimento de leis que garantam o direito à educação pública
de qualidade para todas as pessoas e que participemos e/ou apoiemos as lutas sociais por
direitos dos trabalhadores da educação. A luta política é, em si, também um ato educativo e
os educadores nela envolvidos trazem para o âmbito da escola sua experiência de luta e de
participação, como classe social e, portanto, como forma crítica de fazer (e o de ver e
dizer) o mundo.
Um dos maiores desafios e onde a nossa luta deve ser maior, é a mudança de
concepção de educação. Sair de um modelo individualista e excludente para outro,
participativo e emancipador.
b) No campo religioso
No campo religioso também precisamos participar de mudanças que sejam
necessárias nas comunidades, a partir das pessoas que ali vivem e convivem. A Igreja
também é um lugar de educação pública, com liberdade religiosa, conforme reza a
Constituição federal, promulgada em 1988.
É preciso que as mensagens da Igreja afirmem o direito à VIDA, em sua plenitude e
em todos os momentos e etapas geracionais para todas as pessoas. É preciso também que as
lideranças religiosas defendam uma educação baseada nos princípios da dignida
de humana.
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.134, p. 77-89, Jan./Jun./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
POSSANI, Lourdes de tima Paschoaletto
Educar para a partilha e para a solidariedade: Desafios atuais
87
No caso da Igreja Católica, a educação deve ter como base o Evangelho de Jesus Cristo
e, portanto, com base nos princípios do amor, da fraternidade, da garantia de vida plena
para todas as pessoas, independentemente de sexo, religião, etnia e orientação sexual.
Um dos maiores desafios nesse campo é a mudança de concepção de e de
espiritualidade: mudança de um modelo de e de espiritualidade apenas individual para
uma que nos move a ir ao encontro do outro, educando para a justiça, para a
solidariedade, para a partilha.
Com todos os desafios que se se apresentam para a vida dos mais pobres, as pastorais
e movimentos sociais têm o compromisso de participar dos processos de mudança, seja a
partir das ações diretas, quando é o caso, mas também a partir da formação de pessoas para
realizarem este trabalho.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS: EDUCAR PARA A PARTILHA E PARA A SOLIDARIEDADE
A proposição de uma educação que torne as pessoas mais solidárias e justas, inclui
alguns aspectos importantes que vão nortear o trabalho dos educadores.
Cremos que a escolha do caminho da educação libertadora é o que é capaz de tornar
as pessoas esperançosas e com o coração aberto para olhar o outro como ser humano igual
a si, apesar de toda e qualquer diferença, e de forma generosa para acolher e estar
disponível para partilhar o pão e o conhecimento.
Do ponto de vista coletivo, esta escolha implica na união com outras pessoas e grupos,
que se respeitem e se reconheçam como sujeitos de direitos e relacionais, na perspectiva
dialógica de construção de saberes e conquista de vida digna para todas as pessoas.
Mudanças estruturais exigem um nível de organização e articulação entre grupos
sociais e religiosos numa perspectiva maior do que o trabalho que se realiza
individualmente ou em pequenos grupos.
No entanto, é preciso sempre começar de algum ponto para que haja intersecção mais
à frente. E é preciso que compreendamos o contexto geral e de onde desenvolvemos o
nosso trabalho, sabendo que: a) Não neutralidade da educação é preciso “escolher o
lado”, posicionar-se a favor do quê e de quem e contra o quê e contra quem lutamos; b) Não
há mudança sem a participação dos sujeitos envolvidos naquilo que se pretende mudar.
Com esta certeza, propomos que, nas ações formativas para a partilha e para a
solidariedade, tomemos em conta algumas orientações e que estas estejam em
consonância com os princípios da Educação libertadora:
a) Educar para a liberdade: com autonomia e de forma a oferecer às pessoas
instrumentos para fazerem escolhas em suas vidas. Sair dos modelos educacionais fechados
e abrir-se para modelos mais abertos que considerem o ser humano como sujeito de
aprendizagens: “gostaria, uma vez mais, de deixar bem expresso o quanto aposto na
liberdade, o quanto me parece fundamental que ela se exercite tomando decisões”
13
.
b) Educar para um mundo de direitos garantidos: água, alimento, moradia, saúde,
transporte, lazer etc. Não possibilidade de mudança sem garantir direitos para todas as
pessoas: “A educação em direitos humanos requer a historicidade das lutas sociais, a
adoção de conteúdos que auxiliem na compreensão da realidade e a transversalidade dos
seus conteúdos e processos metodológicos, que contribuam com a mudança de cultura e
de hábitos”
14
.
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.134, p. 77-89, Jan./Jun./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
POSSANI, Lourdes de tima Paschoaletto
Educar para a partilha e para a solidariedade: Desafios atuais
13 FREIRE, Paulo, Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa, p. 105.
14
MONTEIRO, Aída; PINI, Francisca Rodrigues, A educação em direitos humanos e a função da Rede Brasileira de
Educação em Direitos Humanos, in: BEOZZO, José Oscar (Org.), Educar para a um mundo social e racialmente justo, p. 203.
88
c) Educar para a solidariedade: em contraposição à hegemonia de uma educação para a
individualidade, a competição e aos modos mercadológicos impostos pela grande mídia.
experiências positivas com quem podemos aprender. Experiência de partilha na
sociedade, nas igrejas e movimentos e também na educação formal e informal: “Uma das
características presentes em muitas das redes atuais é geração e vínculos de solidariedade
entre pessoas, grupos e instituições que participam das mesmas”
15
.
d) Educar para o respeito ao diferente, às diferenças: reconhecer horizontalmente todas
as pessoas com etnia, religião, gênero e orientação sexual diferente das nossas. Vivemos
momentos de explicitação de horrores em relação às diferenças e temos a responsabilidade
de mudar essa realidade: “a prática preconceituosa de raça, classe, de gênero, ofende a
substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia
16
.
e) Educar para a sustentabilidade: não para dissociar humanidade e natureza. Existem
experiências de sustentabilidade, com preservação da natureza (no campo) e de formas de
tratar os resíduos sólidos (na cidade) de modo a não destruir e não poluir o planeta.
Precisamos fazer conhecer cada uma dessas experiências: “na cultura indígena de alguns
povos da América do Sul, todos os seres, materiais ouo, dotados ouo de vida, precisam
ser respeitados, preservados ou conservados, como requisito ao próprio existir humano
17
.
f) Educar para o compromisso social: o nascemos para comer, beber, trabalhar
para o sustento... precisamos avançar no compromisso com as lutas sociais. Não podemos
estar fora das lutas em favor de mudanças para melhorar a situação dos empobrecidos e
vulnerabilizados: “há coletivos sociais que se propõem a fazer educação para uma sociedade
justa, aprendendo com as lutas populares”
18
;
g) Educar para ser feliz: devemos buscar as condições para que todas as pessoas sejam
felizes, mas sabendo que a nossa felicidade não pode ser apenas individual e deve incluir
projetos coletivos de felicidade para todos: “a vida que vale a pena viver e que nos estimula a
degustá-la não se resume a uma simples luta contra a morte, mas é busca de um prazer
comum, e alegria duradoura, o deleite profundo, o gozo gratuito, a felicidade que contagia!
19
).
h) Coerência entre discurso e prática: cabe destacar que o educador deverá ter sempre
coerência entre seu discurso e sua prática. Este é um exercício exigente para cada pessoa
que se propõe a educar na perspectiva libertadora. Ser parte do processo educativo como
alguém capaz de ensinar e de aprender ao mesmo tempo: “às vezes, mal se imagina o que
pode passar a representar na vida de um aluno, um simples gesto do professor”
20
.
Finalizando esta reflexão, cabe lembrar que a nossa participação no trabalho de
mudança a partir da educação é fundamental e que não haverá mudança social sem a nossa
presença e a dos sujeitos envolvidos em cada luta por mudanças.
Para termos o mundo mais justo e humano que queremos, eduquemos sempre para a
partilha e para a solidariedade!
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.134, p. 77-89, Jan./Jun./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
POSSANI, Lourdes de tima Paschoaletto
Educar para a partilha e para a solidariedade: Desafios atuais
15 POSSANI, Lourdes de Fatima Paschoaletto; SANCHEZ, Wagner Lopes, Formação ecumênica e popular em rede:
projetos e vínculos solidários, in: POSSANI, Lourdes de Fatima Paschoaletto; SANCHEZ, Wagner Lopes (Orgs.),
Formação ecumênica e popular e feita em mutirão: Curso de Verão 25 anos, p. 447–448.
16 FREIRE, Paulo, Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa, p. 37.
17 ROCHA, André, Educação ambiental e trabalho: água, agroecologia e tecnologias sociais, in: BEOZZO, José Oscar
(Org.), Educar para a um mundo social e racialmente justo, p. 116.
18 ARROYO, Miguel González, Resistências por vida justa: matrizes de formação humana, in: BEOZZO, José Oscar
(Org.), Educar para a um mundo social e racialmente justo, p. 17.
19 MADURO, Otto, Mapas para a festa: Reflexões latino-americanas sobre a crise e o conhecimento, p. 31.
20 FREIRE, Paulo, Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa, p. 42.
89
REFERÊNCIAS BIBLI OGRÁFICAS
ARROYO, Miguel González. Resistências por vida justa: matrizes de formação humana. In: BEOZZO,
José Oscar (Org.). Educar para a um mundo social e racialmente justo. São Paulo: Paulus, 2022.
CNBB. Campanha da Fraternidade 2022 - Texto-Base. Brasília: Edições Cnbb, 2021.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 30a Ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2004.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
MADURO, Otto. Mapas para a festa: Reflexões latino-americanas sobre a crise e o conhecimento.
Petrópolis: Vozes, 1994.
MARSIGLIA, IVAN. Contardo Calligaris. Trip, 2009. Disponível em: <https://
revistatrip.uol.com.br/trip/contardo-calligaris>. Acesso em: 17out.2022.
MONTEIRO, Aída; PINI, Francisca Rodrigues. A educação em direitos humanos e a função da
Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos. In: BEOZZO, José Oscar (Org.). Educar para a
um mundo social e racialmente justo. São Paulo: Paulus, 2022.
POSSANI, Lourdes de Fatima Paschoaletto; SANCHEZ, Wagner Lopes. Formação ecumênica e
popular em rede: projetos e vínculos solidários. In: POSSANI, Lourdes de Fatima Paschoaletto;
SANCHEZ, Wagner Lopes (Orgs.). Formação ecumênica e popular e feita em mutirão: Curso de Verão
25 anos. São Paulo: Paulus, 2011.
ROCHA, André. Educação ambiental e trabalho: água, agroecologia e tecnologias sociais. In:
BEOZZO, José Oscar (Org.). Educar para a um mundo social e racialmente justo. São Paulo: Paulus, 2022.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo
multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.134, p. 77-89, Jan./Jun./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
POSSANI, Lourdes de tima Paschoaletto
Educar para a partilha e para a solidariedade: Desafios atuais