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EDITORIAL
A superação da fome como
desao teológico
Neri José Mezadri*
Ari Antônio dos Reis**
Está chegando em suas mãos a Revista Teopraxis, primeira
edição de 2023. Esta edição lança um olhar teológico para uma
realidade preocupante no Brasil e no mundo, a fome de milhões de
pessoas. Alguns dados de alcance mundial têm chamado atenção para
o aumento da fome no mundo. Cerca de 828 milhões de pessoas
passam fome, segundo relatório da Organização das Nações Unidas
ONU que compilou dos dados até 2021. Esta realidade também está
presente no Brasil, que voltou a constar no mapa da fome depois de
alguns anos em processo de superação. Atualmente 21 milhões de
brasileiros não conseguem se alimentar diariamente e 70,3 milhões
vivem situação de insegurança alimentar. Por insegurança alimentar
compreende-se a não possibilidade de alimentar-se de forma
adequada por certo período de tempo. Na forma grave traduz-se em
fazer apenas uma refeição ao dia ou ficar o período inteiro ou mais sem
se alimentar. Pode acontecer que a família dormir sem se alimentar
e não tenha certeza se no dia seguinte conseguirá se alimentar. É uma
realidade não desejada para a humanidade e exige superação.
Alguns processos sociais e opções governamentais provocaram
tal retrocesso. No território nacional, três em cada dez famílias,
enfrentam algum nível de falta de alimentos ou passam fome. Em se
tratando de insegurança alimentar, cerca de 125,2 milhões de pessoas
padecem em algum nível, seja ele grave, moderada ou leve.
Diante do quadro preocupante, a Igreja no Brasil propôs para o
ano de 2023 a reflexão sobre o tema da fome na Campanha da
Fraternidade, acolhendo desta forma o mandato de Jesus aos
discípulos: “dai-lhes vos mesmos de comer” (Mt 14, 16). As palavras
do Nazareno, dirigidas aos discípulos indicam que eles também eram
responsáveis por aquelas pessoas necessitadas e famintas. Hoje é
atitude profética lembrar que a fome não é problema do faminto, é
problema da humanidade e é mister trazer para a responsabilidade de
cada cidadão e para cada pessoa de fé o mandato de Jesus.
A reflexão teológica acontece, entre outros caminhos, no olhar
a partir do mistério revelado e na análise da realidade que a cerca. A
realidade da fome provoca a Teologia. A Revista Teopráxis objetiva, em
sintonia com este debate, refletir o tema. A Teologia tem uma palavra
a dizer sobre a realidade da fome e esta palavra embasada na Palavra
de Deus e na Tradição.
Os dados da realidade dão a dimensão das escolhas políticas e
econômicas, expressando a racionalidade predominante no contexto
contemporâneo, bem como da subjetividade que toma conta de
corações e mentes que se transformam em modo de vida. Faz-se
v. 40, n. 134, Passo Fundo,
p. 4-6, Jan./Jun./2023,
ISSN on-line: 2763-5201
DOI:
dx.doi.org/10.52451/teopraxis.v40i134.197
* Doutor em Educação, atuando como
orientador educacional no Centro de Ensino
Médio Integrado UPF, professor e
coordenador pedagógico na Itepa Faculdades.
E-mail: nerijm76@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-9511-7011
** Mestre em Teologia Pastoral pela PUC/
SP. Professor da área de Teologia Pastoral e
Teologia da Revelação e professor do Curso
de Bacharelado em Teologia da Itepa
Faculdades de Passo Fundo - RS
Email: reis.abt@gmail.com
https://orcid.org/0009-0000-2096-6193
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mister revelar que sem mexer na racionalidade e na subjetividade capturada por ela, não se
muda a estrutura de concentração de renda e riqueza e não se muda a lógica de apostar em
commodities em detrimento de investir em alimentos. A dor de quem sente fome ganha
conotações distintas e tem um alcance diferente pelo efeito devastador que produz em
termos de perspectiva de futuro físico e psíquico. Além da abordagem analítica, os artigos
apontam uma perspectiva propositiva e que visa dialogar com tantas pessoas que vivem
em situação de miséria.
Esta edição da Revista Teopráxis contém sete artigos e uma entrevista, que visam
fazer um diagnóstico da realidade da fome e de suas principais causas, além de apontar
perspectivas que visam solucionar o problema, apontando para a complementariedade
entre a ação imediata e urgente de atender às necessidades emergenciais e a transformação
das estruturas que causam concentração na mão de poucos e deixam muitos em situação de
miséria e fome. Os artigos buscam sustentação teórica em uma área ampla no campo das
ciências humanas e sociais, mas convergem no enfoque teológico fundamentando a
abordagem na cristã e nos princípios da defesa da vida e da dignidade humana. Quem
professa a fé cristã-católica tem como consequência, ato contínuo da profissão de fé, a vida
digna, não no sentido da exclusividade, mas de convocação e associação para combater
toda forma de vulnerabilidade humana.
A revista abre com uma entrevista de Dom Guilherme Antonio Werlang, bispo de
Lages SC que por anos coordenou a Comissão Especial para a Superação da Fome e da
Miséria da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Na sequência, segue o artigo de José
Adalberto Vanzella que discorre sobre a proposta da Campanha da Fraternidade na
perspectiva de provocar conversão, pessoal, pastoral e eclesial, destacando a Igreja como
sujeito por excelência dessa conversão. O autor explicita os principais modelos eclesiais e
as posturas associadas na comparação com a proposta indicada pelo Concílio Vaticano II,
apontando para a função da Campanha da Fraternidade no caminho da conversão. A
tarefa
da Campanha da Fraternidade dialoga, no texto, com a análise dos modelos eclesiais e
de
onde se extrai consequências para a conversão pastoral, considerando a realidade da fome.
Os três artigos que seguem explicitam a realidade da fome como desafio posto ao
fazer teológico. O primeiro deles parte de um diagnóstico amplo, intitulado “Num tempo
de abundância, a fome é sinal de contradição”, de autoria de Neri José Mezadri. O texto
apresenta dados alarmantes sobre a fome como um problema mundial como resultado de
um modelo político econômico centrado na lógica do mercado e na racionalidade
concorrencial. Esta racionalidade acaba por legitimar a desigualdade e a concentração,
atribuindo aos famintos a responsabilidade sobre a fome, além de capturar a subjetividade
e direcionar a energia vital para buscas meramente individuais. A transformação da
realidade parte da consciência dessa realidade e se sustenta na que empenha o
compromisso fraterno com uma sociedade em que caibam todos. O segundo texto de
diagnóstico é de autoria de Guilherme Delgado. Com o título, “Fome e produção de
alimentos no Brasil face às exigências do direito à alimentação”, o texto reflete o
rompimento ético entre a produção de alimentos e o direito à alimentação dos brasileiros,
anomalia fruto dos processos de ocupação agrária dos últimos cinquenta anos. O artigo “A
marmita que salva” discute o problema da fome e da migração, a partir da realidade dos
venezuelanos que ingressam no Brasil através do estado de Roraima. O texto é de autoria
do professor e escritor João Carlos Tedesco que revela o significado do atendimento
imediato das necessidades primárias da fome em meio a um contexto carregado de
contradições, em que sofrimento e esperança ganham conotações radicais e distintas.
MEZADRI, Neri Jo; REIS, Ari Annio dos
Editorial: A superão da fome como desafio teogico
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.134, p. 4-6, Jan./Jun./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
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Na sequência são apresentados três artigos com enfoques específicos em diálogo com
a temática da fome sob a abordagem teológica. Ivanir Antonio Rampon, Eberson Fantana
e Lenice Rebelato, no artigo intitulado “Peregrinos de um mundo novo: reflexões
vocacionais a partir de Dom Helder Camara”, discorrem sobre a espiritualidade helderiana
com sua marca profunda na opção pelos pobres e as consequências para os vocacionados
dos tempos atuais. O compromisso vivido intensamente por Dom Helder na oração,
expressa a dinâmica da como doação da vida em razão de causas radicais. A superação
das diferentes formas de egoísmo e o enfrentamento das cruzes é um apelo forte a quem
assume a vocação com dedicação substancial.
O campo educacional e a missão de educar para a solidariedade é o tema central do
artigo de Lourdes de Fátima Paschoaleto Possani. Sob o título “Educar para a partilha e a
solidariedade: desafios atuais”, o texto apresenta uma perspectiva de educação libertadora
como caminho para avançar na direção da defesa da vida, da liberdade e da autonomia dos
sujeitos. A abordagem considera a realidade educacional em termos amplos, não reduzido
à análise de processos formais. A educação para a solidariedade implica considerar
temáticas sensíveis no contexto atual como a sustentabilidade, a luta por direitos e o
compromisso social.
Fecha a revista o artigo de autoria de Ari Antonio dos Reis e Anderson Pereira,
intitulado, “A missão da Igreja no Brasil junto às periferias: uma reflexão socioteológica”.
O texto reflete sobre os processos de urbanização e a configuração das periferias a partir de
compreensões sociológicas e geográficas e o desafio cada vez maior e mais urgente da ação
evangelizadora em meio a esta realidade.
A periferia é uma construção social e o lugar por excelência da vulnerabilidade e da
fome, porém não de desesperança. A Igreja não pode negligenciar a periferia como lugar
eclesial e teológico.
Desejamos uma ótima leitura. Que esta edição da Revista Teopráxis possa ajudar a
compreender a realidade da fome fortemente interpeladora da fé cristã.
MEZADRI, Neri Jo; REIS, Ari Annio dos
Editorial: A superão da fome como desafio teogico
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.134, p. 4-6, Jan./Jun./2023. ISSN On-line: 2763-5201.