editorial
Doi: https://doi.org/10.52451/q6gwnk09
Possui graduação em Filosofia pela Universidade de Passo Fundo, em Teologia pelo Instituto de Teologia e Pastoral de Passo Fundo, especialização em Epistemologia das Ciências Sociais pela Universidade de Passo Fundo e mestrado em Teologia Dogmática pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção. Contato: E-mail: ivanirantonio.itepa@gmail.com.
Ivanir Antonio Rampon
Possui graduação em Filosofia pela Universidade de Passo Fundo (1996), graduação em Teologia pela Itepa Faculdades (2000), mestrado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (2004), doutorado em Teologia Espiritual pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma (2011).
A Revista Teopráxis da Faculdade de Teologia e Ciências Humanas, Itepa Faculdades, n.136 de 2024 ousa resgatar, com a colaboração de vários pensadores, o pensamento teológico-social-pastoral do Papa Francisco contido na Encíclica “Fratelli Tutti”. Publicada em outubro de 2020 e erigida sobre os temas da fraternidade, da amizade social e da solidariedade esta Encíclica reafirma o sentido do amor, como princípio evangélico que implica algo mais do que uma série de ações benéficas, mas que derivam de uma união que propende, cada vez mais, para o outro, considerando-o precioso, digno, aprazível e bom, independentemente de seus traços diferenciais. Como princípio postula-se que a postura fraterna, amiga e solidária parece ser o remédio que o mundo precisa para superar as desigualdades, divisões, violências de toda sorte e o ódio.
É unanimidade entre os autores dos textos, contidos neste fascículo, que as desigualdades são resultado das injustiças, provocadas pelas orientações excludentes do modelo econômico neoliberal. Para garantir seu êxito, sob ameaça de ataques sub-reptícios ou explícitos, intimidações morais e agressões físicas até a morte, este modelo induz a violências contra os segmentos sociais que se opõem a privatização da riqueza socialmente produzida e a seu movimento excludente que se pretende hegemônico.
O Papa Francisco enfatiza a importância da fraternidade entre as pessoas, independentemente de sua origem étnica, cultural ou religiosa. Ele destaca a necessidade de promover a amizade social como um caminho para superar conflitos e divisões. A fraternidade é exigente porque ela desce até a última raiz daquele que deseja ser discípulo de Jesus Cristo. Comporta diferenças, não desigualdades. Estas precisam ser superadas e aquelas valorizadas. Como a riqueza é resultado da concentração de renda em benefício de alguns e em detrimento de outros, é necessário afirmar que nessa situação não há fraternidade, sobretudo do ponto de vista do Evangelho de Jesus.
O documento ressalta a necessidade de uma solidariedade global pela qual todos os países e povos se unam para enfrentar desafios comuns, como a pobreza, as mudanças climáticas e a migração. É necessário afirmar que a amizade social, fruto maduro do exercício da fraternidade, não é um programa romântico, mas um propósito de esforços. Ao tratar das “lutas legítimas e do perdão”, o Papa Francisco ensina:
Não se trata de propor um perdão renunciando aos próprios direitos perante um poderoso corrupto, um criminoso ou alguém que degrada nossa dignidade. Somos chamados a amar todos, sem exceção, mas amar um opressor não significa consentir que continue a oprimir, nem levá-lo a pensar que é aceitável o que faz. Pelo contrário, amá-lo corretamente é procurar, de várias maneiras, que deixe de oprimir, tirar-lhe o poder que não sabe usar e que o desfigura como ser humano. Perdoar não significa permitir que continuem a pisotear a própria dignidade e a do outro, ou deixar que um criminoso continue a fazer o mal. Quem sofre injustiça tem de defender vigorosamente seus direitos e os da sua família, precisamente porque deve guardar a dignidade que lhes foi dada, uma dignidade que Deus ama. […] O perdão não só não anula essa necessidade, mas reclama-a (FT 241).
Sem receio de contestações, Francisco critica o individualismo e a cultura do descarte e convoca a todos de boa vontade para o exercício do cuidado com os mais vulneráveis e excluídos da sociedade. Segundo ele, a fraternidade e a amizade social são, ao mesmo tempo e em si mesmas, um modo de viver e resultado de constante exercício de solidariedade. Ao considerar que todo ser humano possui uma dignidade inviolável, inalienável (FT 213-214), Francisco enfatiza a urgência do diálogo, uma vez que a ausência dele despreocupa e desocupa a todos do bem comum (FT 202).
Debruçados sobre este documento papal e imbuídos de seus princípios e orientações, os autores abaixo elencados, com todo o empenho e espírito fraterno, deixam para a Itepa Faculdades e a todos os que desejarem, o legado de suas reflexões e o convite para solidariamente empenhar-se na luta evangélica para a construção da paz, fruto da amizade, da solidariedade e fraternidade universal.
O Maikel Pablo Dalbem aborda a “Fratelli Tutti e a solidariedade global”, explicitando que são vários os acontecimentos que comprovam que o atual momento global é crítico. E a “Fratelli Tutti” existe a partir da tentativa de Francisco em propor uma profunda leitura da realidade e novas perspectivas para a solução dos consolidados e emergentes atentados contra a vida. As saídas encontram-se na direção da fraternidade universal e da solidariedade global. Ambas alicerçam seus pilares no patrimônio da fé recolhido na Doutrina Social da Igreja. Para Francisco um verdadeiro desenvolvimento teológico se dá a partir da leitura atenta dos sinais dos tempos.
O Dário Giuliano Bossi aborda a “Fratelli Tutti e a defesa da vida”, resgatando a capacidade humana de transcender o egoísmo e promover a fraternidade como uma relação espiritual que vai além da mera soma de interesses individuais. A fraternidade não é entendida apenas em nível das relações pessoais, mas também em sua dimensão política e conforme o princípio da solidariedade que se funda na Doutrina Social da Igreja.
A “Fratelli Tutti e o migrante” constituiu-se tema abordado pelo Alfredo Gonçalves. O autor procura colocar em evidência a solicitude pastoral do Papa Francisco para com os migrantes e refugiados. Seus gestos em favor dos migrantes enfatizam “valem uma encíclica”. Em vista disso, o texto traça um breve retrato das migrações históricas, entendendo-o como pano de fundo para compreender as migrações contemporâneas.
A “Fratelli Tutti em diálogo inter-religioso” foi trabalhada por Paulo César Nodari. O autor buscou refletir sobre algumas questões e problemas expostos pelo Papa Francisco no que se refere à cultura do encontro e da fraternidade, baseada na amizade social e no amor político. Segundo o Prof. Nodari, a “Fratelli Tutti” promove o diálogo inter-religioso e a cooperação entre diferentes tradições religiosas como um meio de promover a paz e a compreensão mútua.
Daniela De David Araujo trata da “Fratelli Tutti” e a superação do egocentrismo. O individualismo é tratado como um dos principais desafios da sociedade contemporânea neoliberal. Ao refletir sobre essa questão e suas implicações para o bem comum, buscou situar a educação como forma de enfrentamento à indiferença egoísta.
Maristela Dal Moro indaga até onde vamos? A fraternidade e amizade social exige a defesa da casa comum. A autora apresenta, também, possíveis caminhos dispostos para reconstruir o tempo presente e sua possibilidade de reconversão aos modos de vida, culturas, valores que têm suas raízes nos povos ancestrais. Disserta sobre sua hipótese buscando amparo nas práticas ancestrais do bem viver e avança indicando a necessidade da realização da soberania alimentar, da agroecologia, cujos princípios se afinam com os ensinamentos anunciados pelo Papa Francisco. Este mundo só será possível se se sustentar na fraternidade, na amizade social e no profundo respeito à casa comum e àqueles que nela habitam.
“A economia e justiça social à luz da Encíclica Fratelli Tutti” são os temas abordados por Tiago Arcego da Silva. Para Arcego a Encíclica não é a inauguração do pensamento econômico do Papa Francisco, mas sim, está conectada a uma série de documentos anteriores que já provocavam movimentos e ações concretas. Por sua vez, “Fratelli Tutti” chama a atenção para a necessidade de uma economia mais justa, que coloque as necessidades humanas à frente do lucro, combatendo, assim, a desigualdade e a exclusão social.
“A Fratelli Tutti e a Sinodalidade” são os temas refletidos por Edebrande Cavalieri. O autor busca na fenomenologia desenvolvida por Edmund Husserl um referencial para tecer um diálogo com o pensamento do Papa Francisco, expresso na Encíclica Fratelli Tutti. Dessa forma, ao mostrar a fenomenologia da amizade social, baseada no retorno ao mundo da vida e ao desenvolvimento da experiência intersubjetiva, chega-se à proposta final de uma aspiração ao amor ético-social.
Humberto Herrera Contreras trata de “José de Nazaré e o currículo evangelizador: aproximações pedagógico-pastorais”. O autor tece conexões com as proposições e compromissos do Pacto Educativo Global e do relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. O texto é um convite para reimaginar juntos nossos futuros: um novo contrato social para a educação.
Ao encerrar a presente apresentação crê-se ser importante retornar ao projeto desta edição. Ou seja, frisa-se que os temas desenvolvidos pelos autores, aos quais cabe uma profunda gratidão, constituem-se e continuarão sendo eixo de reflexão junto à comunidade acadêmica da Itepa Faculdades, tendo como meta promover uma formação para a realização da práxis pastoral fundamentada numa visão de mundo mais inclusiva, compassiva e solidária, com um apelo à construção de um mundo mais fraterno, justo e em paz.