ENTREVISTA COM SONIA GOMES DE OLIVEIRA: presidente do Conselho Nacional do Laicato no Brasil

DOI: https://doi.org/10.52451/tcv75h25

Recebido em 07/05/2024
Aprovado em 23/09/2024

Sonia Gomes de Oliveira

Bacharel em Serviço Social. Atua como coordenadora de projetos sociais na Legião de Assistência Recupedora – Lar, que atende, apoia e assessora povos e comunidades tradicionais, pessoas e grupos vulnerabilizados norte de Minas Gerais. É presidente do Conselho Nacional do Laicato no Brasil. Email:negasonia@gmail.com.https://Orcid: orcid.org/0009-0001-7209-5139

O número 137 da Revista Teopráxis da tem como tema “A sinodalidade na evangelização” e, em razão disso, tem a alegria de apresentar a seus leitores a entrevista realizada com a Presidente do Conselho Nacional do Laicato do Brasil (CNLB), Sonia Gomes de Oliveira. Sonia foi escolhida pelo Papa Francisco para participar da XVI Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos que teve como tema “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”. A Assembleia Sinodal aconteceu entre os dias 30/09 a 29/10 de 2023, no Vaticano, em Roma, e reuniu, além de bispos, de forma extraordinária, por determinação do Papa Francisco, cristãos leigos e leigas do mundo inteiro. Sonia, enquanto leiga e brasileira, também irá participar da segunda etapa do processo sinodal que acontece em outubro de 2024.

Nesse sentido, é um prazer para nós, organizadores, podermos estabelecer essa interlocução mais direta com Sonia, a partir de questões que envolvem sua participação do processo sinodal, os bastidores do sínodo, as expectativas e os frutos que podem vir deste processo. Por isso, ao agradecer a Sonia pela entrevista, destacamos a singularidade e contribuição ímpar dessa partilha à evangelização da Igreja hoje.

Questões:

  1. Como você avalia a experiência/metodologia do trabalho a partir das mesas redondas na realização da primeira etapa do Sínodo?

Eu venho de comunidades, eu creio que a metodologia utilizada ali na primeira sessão foi muito acertada, pois para as comunidades e grupos populares isto dá muito certo. Primeiro, porque nos colocar em círculo um olhando para o outro com a oportunidade de falas de igual por igual, de escuta de igual por igual. Por mais que “alguns” não aprovassem, esta metodologia favorece o diálogo. Eu penso que foi bem didático, pois sempre que um fala e a outra pessoa se sente incomodada, ou quer complementar, logo pede a fala é porque tem a posse da palavra. Nesta metodologia é muito interessante, pois somos obrigados a ouvir todos e todas. E esperar uma outra rodada para falar, processo também de conversão, pois muitas vezes estamos acostumados somente falar, falar e não ouvir o outro. Nesta metodologia é cronometrada sua fala, pra mim foi muito acertado. Outro fato colocar leigos, diáconos, bispos, padres, religiosas, falando de igual para igual, porque muitas vezes a tendência é sempre os ministros terem posse de mais tempo da palavra, mas aqui é outra coisa. Sai do modelo piramidal e vem para o modelo de mesas redondas, possibilidades de olhar olho no olho.

  1. Poderia dizer uma palavra sobre a experiência da escuta do Espírito e como este método pode ajudar na evangelização?

Eu creio que é um método bom, porém pouco conhecido pela grande maioria da Igreja. Num primeiro momento parece mais uma experiência de oração e que não terá sentido, mas quando vamos nos acostumando a entrar no clima, como foi a primeira sessão que nos convocou a um retiro como preparação antes, facilita e depois creio que fomos entender mais lá pela segunda semana de prática. Então, creio que é um método que requer prática, porque é muito bom. Eu faço uma ressalva no sentido que este método não seja o único, até porque temos especialmente no Brasil métodos valorosos de oração como ver, julgar e agir. Mas creio que se as comunidades pudessem conhecer este método tende a nos levar à experiência de sair destas fórmulas corridas, diante do tempo que vivemos, irá nos ajudar ter pessoas mais centradas em temas e até nos força a estudar o que será partilhado. Talvez no processo de evangelização ainda vai demorar a ser assumido, porque vivemos em tempos de querer e fazer as coisas muito rápido, respostas prontas e rápidas, e o método nos leva para um encontro conosco e com Espírito, rezar a vida numa profundidade. Mas como disse é um método bom, porém, não pode e nem deve ser o único, o nosso povo e as comunidades têm métodos que podem ser conhecidos e até adaptados.

  1. Tendo presente sua vivência na XVI Assembleia, como você observou a relação entre os clérigos, os bispos, os cardeais e os leigos e leigas?

No primeiro momento foi meio um choque, pois ali conheci a dimensão da Igreja Universal. Ter que partilhar e até falar algumas coisas que muitas vezes vivenciamos no dia a dia de nossa vida pastoral e cristã, creio que incomodou alguns que ali estavam. O método favoreceu abertura de coração e falar de igual para igual, sem medo de dizer algumas coisas que sentimos como feridas e que precisam ser mudadas na Igreja, especialmente vivenciada por muitos de nós leigas e leigos e que muitos não ouvem ou não admitem. Com o decorrer da sessão tinha momentos de alguns dizerem que ali estava errado a presença de mulheres, leigos e demais, pois era um sínodo dos bispos. Mas não nos incomodamos, estamos muito certos do que estávamos fazendo ali, depois deste processo da convocação do Papa. O Papa teve momentos de responder em cima destas questões que o sínodo era da Igreja. Isto dava mais ânimo em nossa missão ali, mas no geral foi uma experiência (pelo menos pra mim que sou muito faladeira) de convivência boa, trocas de experiência e convivências nos ambientes onde estávamos hospedados.

  1. Em síntese, qual sua compreensão acerca do que o Papa Francisco sonha com o processo da sinodalidade?

Eu sempre que vejo estas andanças do Papa Francisco, mesmo fragilizado indo a lugares que precisam de presença de um líder, quando vejo ele escrever livros e cartas, sugerir atividades como assembleia eclesial do povo de Deus, vários sínodos como da Amazônia, Família, Juventude, e convocar os não bispos para o Sínodo sobre sinodalidade, me faz recordar Francisco de Assis quando teve aquela visão que o chamava para reconstruir a Igreja. Eu creio que este é o sonho de Papa Francisco, uma Igreja menos burocrática, mais acolhedora, menos geradora de feridas, mais samaritana, Igreja menos templo, mais presença nas periferias e missionária, Igreja que dialogue com todos e todas, que tenha uma visão das realidades onde está localizada, Igreja que tenha mais os “Sim” a exemplo de Maria e tantos outros que responderam prontamente para serem responsáveis na evangelização. Uma Igreja que acredita no Ressuscitado como Madalena e não tem medo das consequências de ir anunciar. Sonha com a Igreja que é capaz de colocar o avental para enxugar as feridas, pedir perdão, e propor reconciliação. Creio que perdemos muito desta Igreja que tem a centralidade em Jesus. É a opção com e para os pobres no sentido de incluí-los. Eu creio que uma Igreja participativa, que todos podem falar, que a última palavra não seja somente de ministros ordenados, mas, que com a sua autoridade, seja o que ajuda romper com poder autoritário e fazer do poder serviço. Creio que no fundo é recuperar a oportunidade de que em momentos em nossos grupos, pastorais e movimentos possamos fazer a experiência do Encontro com Jesus Cristo, aquele encontro que nos desestabiliza e entender que não precisa de tantos exageros litúrgicos, orantes para vivenciar o encontro com Cristo, irmãos a casa comum.

  1. Quais as questões a Igreja precisa avançar para ser ainda mais presença profética no mundo de hoje?

Creio que são processos, é a segunda sessão do Sínodo que agora aponta algumas questões. A começar pela pergunta norteadora da segunda sessão, “como ser uma Igreja sinodal e missionaria?” Para isto é preciso primeiro que todos entendam a partir da origem da Igreja e depois com o Concílio Vaticano II, recuperar os fundamentos da Igreja. Ela era peregrina, e o que motivava os cristãos era o seguimento a Jesus. Então penso que a primeira questão hoje é recuperar a eclesiologia do Batismo e da Igreja povo de Deus, onde todos têm o mesmo batismo que nos iguala. O que nos diferencia são ministérios, dons e carismas e que precisam ser respeitados. Perdemos muito disto, falamos mais de outras coisas do que de Jesus, preocupamos mais com coisas burocráticas do que ter os mesmos sentimentos de cuidado que Jesus teve como diz Lucas 4. Buscar esta Igreja luz dos povos, que gera unidade com respeito na diversidade e que traz a identidade comunitária.

Depois o percurso que precisa ser feito é recuperar a centralidade de Cristo e da Trindade, na Igreja, porém uma Igreja de porta abertas que acolhe a todos, Igreja menos burocrática, menos clericalista, menos piramidal e mais circular, tendo em vista a missão. Reconhecendo valores e ministérios e dons de cada um e percebendo que cada um tem que se sentir corresponsável na missão. Igreja que investe na formação do laicato, não somente formação de final de semana, mas que invista de igual por igual nos leigos para atuarem nos diversos ambientes da sociedade e que seja reconhecido e investimento nestes leigos/as. Igreja que seja capaz de dialogar e escutar, que se abra para os mais pobres e as diversas realidades sociais, Igreja precisa se abrir para o debate aos desafios da Ecologia integral, casa comum, questões políticas e não com estes fundamentalismos vindo da ultra direita, mas que seja a partir da doutrina social da Igreja.

Preciso entender que em muitas liturgias não dialogam mais com a vida do povo e com as realidades, que possam ser espaços de encontro do lugar e dos territórios onde estão localizados, preciso ainda repensar algumas leis e regras da Igreja e que não dialogam com o nosso tempo, lógico que não é mudar para mudar é em vista da missão e das pessoas.

  1. A comunhão, a participação e a missão estão alicerçadas no coração da Igreja, apesar das dificuldades de colocá-las em práticas. Como é possível avançar nesta direção?

Talvez eu até já tenha respondido, mas penso que para tudo isto é a formação, distribuição de tarefas, reconhecer os diversos ministérios que já muitos leigos exercem de maneira sem instituí-los. Creio que começar recuperar a partir da iniciação à vida cristã este senso de pertencimento, que o leigo possa se sentir sujeito eclesial, maduro neste processo e não somente objeto invisibilizado em momentos de decisão. Repensar a formação nos seminários, onde aqueles que irão assumir o ministério ordenado possam viver a experiência comunitária e sem perder de vista a realidade do ministério. Avança ainda quando estas questões do direito canônico (é muito antigo) são muito antigas e precisam ser atualizadas até para colocar os bispos em lugares mais próximo do povo. E que o diálogo e respeito possa ser mútuo na Igreja. Perdemos muito das periferias, perdemos muito das comunidades, paroquializamos e centralizamos muito na matriz das paróquias. Porém, ficamos muito na dependência de padres, é preciso rever muito da participação em vista da missão.

  1. O que pode prejudicar/fragilizar o processo sinodal e quais as provocações que ele coloca às estruturas eclesiais?

Creio que um dos pontos que pode prejudicar é as pessoas, sacerdotes, bispos, leigos etc pensarem que o sínodo é um evento e não um jeito de ser Igreja. Depois muitos não aceitarem este jeito de ser Igreja por medo de perder o poder, a autoridade. É ao contrário, descentralizar e deixar o ministro ordenado, ou quem tem algum poder com maior liberdade para vivenciá-lo e partilhar isto.

Outra coisa que já está fragilizada é o clericalismo. É um dos piores fragilizadores do processo sinodal – porque onde tem clericalismo, não pode ter uma Igreja sinodal, pois o clericalismo é autoritário, e a sinodalidade é partilha e comunhão. E hoje seja dos padres mais novos (não estou generalizando) que não acreditam no modelo sinodal, porque foram formados na eclesiologia intimista, não aprofundam o Concílio Vaticano II. Cristãos leigos que fortalecem este modelo clericalista onde o presbitério tornou local mais de shows e de muitos paramentos litúrgicos, com pouca formação e vivência da Sagrada Escritura. Não vivenciamos a experiência da centralidade em Jesus em muitos lugares. Penso que aquilo que a primeira sessão trouxe é muito forte, é preciso recuperar os espaços de decisão nas paróquias e comunidades, como os conselhos de pastorais e econômicos, incluir leigos, religiosos/as em espaços de decisão da Igreja e na formação dos seminários.

  1. Qual a missão dos cristãos batizados hoje diante do processo da sinodalidade nas comunidades eclesiais?

Assumir o jeito de ser uma Igreja sinodal, abrir as portas das igrejas e sacristias para que a Igreja seja casa de acolhimento, que as sacristias possam ser portas de entradas. Eu creio que principalmente para nós cristãos leigas e leigos é formação, a partir da nossa missão ser sal da terra e luz no mundo, entender que somos corresponsáveis na missão e que o campo de nossa missão é a sociedade e que hoje está tão fragilizada, porque temos medo de viver o nosso batismo e assumir a missão. Investir na formação e recuperar o Concílio Vaticano II.

  1. O futuro da Igreja e a Igreja do futuro dependem da vitalidade da participação de todos/as os batizados/as? Como mobilizar esse objetivo?

Eu acredito que não podemos perder a esperança, redescobrir o seguimento de Jesus, a vivência do Evangelho encarnado na vida das pessoas, sensibilizar as pessoas pelo jeito da Igreja sinodal. Falamos em repensar os modelos de estruturas que sejam estruturas abertas, que na formação seja para todos/as. E não podemos esquecer creio que alguns elementos que este método sinodal traz. O Espírito Santo é o protagonista do processo da Evangelização, precisamos recuperar isto, depois a Igreja é missão, não podemos ter uma igreja que não seja missionária, perdemos o sentido da Igreja missionária, celebramos somente a missão e não vivenciamos a missão, missão virou um departamento na Igreja e na verdade é a centralidade, porque Jesus é missão. Depois o amor pela Igreja, pela justiça e pelo Reino, hoje invertemos muitos papéis no ser Igreja, muitos vão à Igreja pelo Padre, pelo bispo e não por Jesus. Por isto é preciso retomar os estudos, formação ao pertencimento e ao amor primeiro. Somos todos povo de Deus e somos corresponsáveis, acreditar que a Igreja tem donos é fortalecer o clericalismo. É preciso recuperar as comunidades Eclesiais de Base, recuperar os jovens afastados, colocar o avental e repetir a ceia com os mais pobres e vulneráveis, a Igreja em saída.

  1. Considerando a sinodalidade como dimensão constitutiva da eclesiologia, quais desafios aos ministérios ordenados?

Eu creio que os sacerdotes são servidores da Igreja e pela ordem deveriam seguir as normas da Igreja, porém o que temos percebido que muitos sacerdotes não acreditam na eclesiologia, ou no modo de ser da Igreja sinodal, muitos acham que é só coisa do Francisco. Eu penso que o grande desafio é justamente a pergunta se o próprio sacerdote assumir o modelo ou jeito de ser da Igreja sinodal, para isto é preciso conhecer, vivenciar, muitos falam, debocham sem nem conhecer a experiência ou conteúdo que traz referência. Depois um outro desafio é porque muitos acreditam que a Igreja sinodal vai tirar o poder do Clero, outro engano porque o modelo de Igreja sinodal é justamente favorecer para que o sacerdote possa vivenciar, dedicar mais tempo ao seu ministério que é do serviço, que ele possa compartilhar muitas tarefas burocráticas com a comunidade.

  1. Quais implicações a sinodalidade desperta à liturgia/vida litúrgica?

Que as nossas liturgias, retomem a prática de serem encarnadas na realidade, trazendo à vida, com homilias mais curtas, porém que rezem a realidade do povo nada abstrato. Depois dentro da liturgia que possa ser espaço de formação para a iniciação à vida cristã, pois muitos nem conseguem entender o seu batismo, vocação. Penso que dentro da proposta que seja o local ideal, para introduzir as pessoas, e quando falo de iniciação não é somente para crianças, porque temos adultos que não foram introduzidos à iniciação. Por isso, essa fragilidade nas liturgias que são lugares de encontro e de presença, que podem ser utilizados para isto.

  1. O que a perspectiva sinodal provoca no sentido de melhor compreender as relações de gênero e a igualdade fraternal (irmandade)?

Creio que quando somos chamados a releitura do Concílio Vaticano II, já traz uma perspectiva neste sentido de Igreja da igualdade, fraterna, pois retorna ainda a eclesiologia de povo de Deus. Somos iguais no batismo e com ministérios diferente e esta é a beleza; retoma o debate do pertencimento, do cristão maduro e sujeito como corresponsável. Isto é muito bonito, depois estes últimos documentos do Papa que trazem justamente esta lição que somos todos irmãos e que nesta tenda somos todos irmãos e irmãs, somos iguais, penso que é isto que vem sendo trazido para todos nós e ao pensar como ser uma igreja sinodal em missão, não dá mais para pensar em alguém que tem poderes sobre o outro, mas pensar em irmandade, que somos todos irmãos e fomos chamadas, chamados para missão e que é preciso abrir para novos ministérios incluindo a todos e todas. Por isso, os textos usados são bem sugestivos, banquete que tem lugar para todos/as, tenda que pode ser ampliada para todos e todas.