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International License.
R
UTE
Para onde fores, irei também! (1,16)
R
UTH
Where you go I will go (1,16)
Jair Carlesso*
Resumo: O presente artigo aborda o livro de Rute, provavelmente
memória feminina, contextualizando-o literariamente, historicamente e na
liturgia judaica. Trata-se de um livro proveniente da vertente sapiencial,
embora não situado entre os Sapienciais. O significado dos nomes dos
personagens bem como a relação entre eles no percurso narrativo
constitui-se numa leitura da realidade do povo no contexto pós-exílico do
domínio persa. O autor, anônimo, quer ajudar os pobres de sua época a
encontrarem uma saída diante do contexto de exploração persa, que não se
encontrava na Lei de Esdras, mas no resgate de algumas leis clânico-tribais,
como a da respiga e do direito de re s g ate , trazidas para dentro de um novo
momento histórico. O livro faz ver que a solução para a situação do povo
era fruto de um processo, que implicava consciência histórica, resgate dos
direitos sociais e a posse da terra, efetivada com o casamento de Rute com
Booz.
Palavras-chave: Fome. Migração. Respiga. Direito de resgate. Casamento.
Abstract: This article discourses about the book of Ruth, probably a female
memory, contextualizing it literarily, historically and in the Jewish liturgy. It is a
book from the sapiential aspect, although not located among the Sapientials. The
meaning of the names of the characters as well as the relationship between them in
the narrative path constitutes a reading of the reality of th e people in the post-
exilic context of th e Persian domain. The author, anonymous, wants to h e lp the
poor of his time to find a way out in the context of Persian exploitation, which was
not found in the Law of Ezra, but in the recover of some clan-tribal laws, su c h as
that of gleaning and the right to redeem, brought into a new historical moment.
The book shows that the solution to the situation of the people was the result of a
process, which implied hist ori cal awareness, redemption of social rights and the
possession of land, effected with the marriage of Ruth and Booz.
Keywords: Hunger. Migration. Gleaning. Redemption right. Marriage.
v. 38, n. 130, Passo Fundo,
p. 62-77, J an. /J un./2021,
ISSN on-line: 2763-5201
DOI: dx.doi.org/10.52451/teopraxis.v38i130.36
* Possui Graduação em Teologia pelo
Instituto de Teologia e Pastoral (1987).
Graduação em Filosofia - Faculdade de
Ciências Humanas Arnaldo Busato (1988).
Pós-Graduação em Teologia Bíblica,
habilitação em Metodologia do Ensino
Bíblico pela Universidade Católica de Pelotas
e Instituto de Teologia e Pastoral de Passo
Fundo - ITEPA (1992). Mestrado em
Teologia Dogmática com Concentração em
Estudos Bíblicos pela Pontifícia Faculdade de
Teologia Nossa Senhora da Assunção (2000).
Pós-Graduação em Metodologia Pastoral pela
Universidade Regional Integrada do Alto
Uruguai e das Missões - URI (2009).
E-mail: pjcarlesso@yahoo.com.br
https://orcid.org/0000-0002-1378-9288
Recebido em 07/10/20
Aprovado em 06/01/21
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INTRODUÇÃO
Os textos blicos foram escritos para serem lidos e,por conseguinte, interpretados. Por isso,
cada leitura faz brotar um manancial inesgovel de sentidos. Sem leitores e leitoras inrpretes
- pessoas e comunidades -, os textos bíblicos permaneceriam letra morta. Lidos e interpretados,
m a foa de se tornarem Palavra de Deus
1
. Assim é que deve ser entendido o pequeno livro
de Rute, portador da Palavra Viva de Deus, tanto no ontem quanto no hoje da história.
O livro de Rute relata, de forma sintética, uma história familiar. Trata-se da
trajetória de uma família que precisou migrar para fora da Terra Prometida a fim de
sobreviver
2
. O cenário onde a história acontece é o campo. A maior parte desta história se
no tempo das colheitas. Pela importante atuação das mulheres no percurso narrativo,
provavelmente o livro seja memória feminina. É uma história muito fina, inteligente,
cheia de surpresas, do começo ao fim, contada por uma pessoa que sabia dar o seu recado
3
.
Três personagens dominam as cenas do livro. Noemi e Rute formam um primeiro
par, central nos capítulos 1 e 2. Rut e e Booz formam um segundo par, que tem destaque
nos capítulos 3 e 4. Entre todos os personagens uma relação de amizade,
comprometimento, cooperação, partilha e busca de solução.
Sua es tru t u ra, em quatro capítulos, su g er e que possa ter sido primeiro um conto,
transmitido oralmente. Os três primeiros capítulos começam e terminam com referências ao
tempo das colheitas. O quarto relata um casamento, ao qual se acrescenta uma ge ne alog i a.
Proveniente da vertente sapiencial, o livro de Rute resgata alguns princípios
fundamentais da vida clânico-tribal da época dos juízes (1200 a 1030 a.C.) para fortalecer a
luta e a resistên ci a do povo pobre na época persa (538 a 333 a.C.). Ao mesmo tempo,
conforme Patrícia Z. R. Martins,
estamos diante de uma história atual, que nos coloca em contato com o drama
da migração de tantas pessoas que fogem de seus países não devido as guerras
que matam e des tr oe m, mas também por causa da pobreza e da impossibilidade
de prover e assegurar o futuro das suas famílias. Hoje, assim como no tempo de
Rute e Noemi, tantas pessoas famintas, marginalizadas e excluíd as por
sistemas políticos, econômicos e religiosos que massacram os mais pobres em
vista dos interesses dominantes. A história dessas mulheres permanece atual,
seu he roís mo convida o leitor de hoje a não se conformar com as injustiças
sociais que lhe são impostas por qualqu e r sistema que se mostre opressor
4
.
Se fome na terra sempre foi um problem a sério, fome em c as a de viúvas é um a
situação gravíssima. Elas [Noemi, Orfa e Rute] enfrentaram crise s como as nos sas q u e
ameaçam diariamente a sobrevivê n ci a [...]. Um esgotamento de forç as , de emoções, mas
não de esperanças. Essas viúvas nos mostram que enquanto vida esperança
5
.
1 OCONTEXTO DO LIVRO DE RUTE
Para a c ompre e ns ão do liv ro, de se levar em conta o contexto literário, sua
localização na Bíblia, seu contexto histórico e também trazemos alguns aspectos de sua
leitura na tradição judaica.
1 Jaldemir VITÓRIO, A narratividade do livro de Rute, In: Estudos bíblicos, n.98, p.85.
2 Patrícia Z. R. MARTINS, Deus visitou o seu povo dando-lhe pão: a luta pela sobrevivência no livro de Rute, In:
Estudos bíblicos, v.35 , n.137, p.58.
3 Carlos MESTERS, Rute, uma história da Bíblia, p.4.
4 Patrícia Z. R. MARTINS, Deus visitou o seu povo dando-lhe pão: a luta pela sobrevivência no livro de Rute, In:
Estudos bíblicos, v.35, n.137, p.58-59.
5 Lília Dias MARIANNO, Sogra e nora: parceiras? Viúvas e estrategistas sobrevendo à fome (Rut), In: Ribla, v.66, p.117.
CARLESSO, Jair.
Rute: Paraonde fores, ireitambém! (1,16)
Revista Teopxis,
PassoFundo, v.38, n.130, p.62-77, Jan./Jun./2021. ISSNon-line: 2763-5201.
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1.1OcontextoliteráriodeRute
Na Bíblia Hebraica, o li vro de Rute está situado entre os Escritos, em hebraico, os
Ketubim. Encontra-se entre o livro dos Provérbios e o livro de Cântic o dos C ânt i cos . Sua
colocação dentro do cânon hebraico, depois do livro dos Provérbios e antes do Cântico dos
Cânticos, parece ter sido proposital. u m a relação de continuidade entre a mulher
forte (eshet hail) de Pr 31,10 e a de Rt 3,11. Nos dois relatos, uma mulher decidida e
forte, capaz de administrar e defe nde r a casa dela e garantir o futuro do seu povo. Além
disto, a mulher que apare ce na primeira coleção do li vro dos Provérbios (Pr 1-9), a
mulher sábia que aconselha seu filho (Pr 31,1-9) e a mulher forte que a dmi ni st ra a sua casa
com competência (Pr 31,10-31) estão concretizadas, embora com f orma s literárias
diferentes, na história contada pelo livro de Rute
6
.
também elementos que ligam Rute com Cântico dos Cânticos, como a casa da
mãe (Rt 1,8 e Ct 3,4; 8,2). Há, portanto, entre estes livros uma lingu ag em c omu m. Nos
dois livros (R u te e Cântico dos Cântico s) a mulher tem a palavra, age com autonomia e
busca conduzir sua vida de maneira sábi a, além de, nos dois livros, haver cânticos de
mulheres (Rt 4,14-15)
7
.
Na Bíb li a Greg a - a Septu ag in ta, na Bíbli a Lat in a - a Vulgata, e nas t radu ç õe s
modernas da Sagrada Escritura, o livro de Rute encon tra -se entre os livros Históric os de
Juízes e 1Samuel. O objetivo da Septuaginta é dar u m a ordem cronológica aos conteúdos.
Isso se deve ao fato de Rute, em 1 ,1 , iniciar mencionando o tempo em que os juízes
governavam e, em 4,17, relatar que o filho de Rute , Obed, foi pai de Jessé, pai de Davi, e
o v. 22 encerra o livro dizendo: E Obed gerou Jessé e Jessé ge rou Davi. Por isso a Bíblia
Grega o situa entre Juízes e 1Samuel.
1.2OcontextohistóricodeRute
Pela narrativa inicial do texto (1,1) e por suas palavras finais (4,17.22), o livro de
Rute, por muito tempo, foi considerad o um livro que tratava do período pré-monárquico,
época dos juízes.
Por sua vez, a data em que o livro foi escrito não é uma questão tota lme nt e
resolvida, mas muitos argumentos em favor da época pós-exílica, quando Judá estava
sob domínio persa. Ao mesmo tempo, além de ter sido e sc ri to na época persa, o livro
estaria tratando de problemas típicos da comunidade judaíta na época persa. Por isso,
vários especialistas situam o livro por volta de 450 a.C
8
. Para Mesters, ele foi escrito em
torno do ano 45 0 antes de Cristo, isto é, mais ou menos 100 anos de poi s do fim do
cativeiro
9
. Neste c ont e xto ocorreu a profecia de Malaquias (460 a.C.), a reforma de Esdras
(458 a.C.) e de Neemias (445 a.C.).
Esdras, Neemias e Malaquias centraram suas preocupões na obserncia da Lei
e nela, o culto e a proibição dos casamentos mistos: Rendei graças a Javé, o Deus dos
vossos pais, e executai a s ua vontade separando-vos dos povos da terra e das mulheres
e strangei ras (Esd 10,11). Parece o se preocuparem com o contexto de escravizão
do povo pela p otica persa. Am de defenderem uma postura de fechamento de Israel
aos povos estrangeiros, tidos como impuros, com os quais o deveria haver nenhum
tipo de relação. A estes comportamentos contrários aos estrangeiros, o livro de Rute
6 Mercedes LOPES, O livro de Rute, In: Ribla, v.52, p.89.
7 Mercedes LOPES, O livro de Rute, In: Ribla, v.52, p.90.
8 Airton José da SILVA, Leitura socioantropológica do livro de Rute, In: Estudos bíblicos, v.98, p.111.
9 Carlos MESTERS, Rute, uma história d a Bíblia, p.18.
CARLESSO, Jair.
Rute: Para onde fores, ireitambém! (1,16)
Revista Teopxis,
PassoFundo, v.38, n.130, p.62-77, Jan./Jun./2021. ISSNon-line: 2763-5201.
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rompe com o conto de uma moabita q u e se torna uma exemplar fiel a Iahweh e
antepassada de Davi
10
.
O relato de Ne 5,1-5 descreve a situão do povo nesta época. O texto apresenta-
se como o grito dos pobres, pois eles p recisavam penhorar os filhos/as, os campo s, as
vinhas, as casas e tomar dinheiro emprestado para poder comprar trigo, comer,
sobrevive r e pagar os tributos ao rei. E ra um povo reduzido à escravio - temos que
e ntregar à escravio nossos filhos/as (v.5); tornado impotente - o podemos fazer
nada (v.5) e jogado na pobreza - nossos campos e nossas vinhas pertencem a outros
(v.5) . O contexto hisrico-social perceb ido em Rute faz ver um tempo de fome,
mig rão, pobreza e falta de esperança [...]. Os problemas básicos eram: terra, pão e
f alia
11
.
Diante deste complexo contexto, havia dive rs as propostas de reconstrução do povo,
com a finalidade de garantir a identidade israelita, de s f e it a com o exílio babilônico e o
desencadeamento da diáspora judaica. Segundo Airton José da Silva e Carlos Mesters
12
,
destacavam-se três:
- a de Zorobabel e Josué, com o apoio de Ag e u e de Zacarias: ligada à reconstrução
do Altar e do Templo de Jeru s alé m, como centro da vida religiosa e também social (Ag 1,1-
15a; Zc 4,1-6.10-14; Esd 3,1-13); trata-se da reconstrução do povo em torno do cu lto;
- a de Esdras: ligada à organização da comunidade judaica em torno da observância
Lei mosaica (Esd 9-10; Ne 8,1-18), que, dentre outras prescrições, rompia qualquer relação
com o estrangeiro, por isso a dissolução dos casamentos mistos;
- a de Neemias: ligada à reconstru ç ão da cidade de Jerusalém e de suas muralhas,
além de pedir aos ricos devolvere m terras alienadas e perdoar dívidas de agricultores
empobrecidos (Ne 5,1-19 ); tratava-se da reconstrução do povo a partir da observância da
lei do ano jubilar.
Estas propostas não foram aceitas pelos autores do livro de Rute, pois não
propunham mudanças estrutu rai s, antes, estavam em sintonia com a política imperial
persa. A teologia da retribuição, defendida por Es dras e Neemias, era a ideologia que
favorecia a política persa, pois i se n tav a o impéri o das reai s responsabilidades pela situação
de e mpob re ci me nt o e escravidão do povo. Por isso, diante deste contexto, o livro de Rute
aparece como uma grave denúncia da grande disciplina. Ele é um convite a buscar outros
caminhos, um exemplo vivo de criatividade
13
.
O livro de Rute não faz nenhuma re f e nci a ao templo, a Jerusalém, ao culto, aos
sacerdotes. Diante do conte xt o em que foi escrito, resgata as lei s clânico-tribais, sufocadas
pela ideologia persa, mas que garantiam os di re i tos dos pobres e abriam uma perspectiva
para a inclusão das mulheres estrangeiras.
Rute era uma mulher estrangeira que, conforme a reforma de Esdras, não teria
espaço em Israel. No livro, ela é u m a mulher forte, que colabora com a construção do
povo explorado, investindo sua vida nisto. Este livro é u ma re s pos ta ao conte xt o de
destruição do povo de Israel pelo império persa através de lideranças israelitas cooptadas
para atuarem em favor da política persa.
Com a deport ão babilônica, o povo perdeu tudo e teve que se organizar em outras
bases. No pós-exílio, a identidade do povo foi sendo cons t ru ída em torno da memória. E
10 Mercedes LOPES, O livro de Rute, In: Ribla, v.52, p.91.
11 Lília Dias MARIANNO, Sogra e nora: parceiras? Viúvas e estrategistas sobrevendo à fome (Rut), In: Ribla, v.66, p.118.
12 Airton José da SILVA, Leitura socioantropológica do livro de Rute, In: Estudos bíblicos, v.98, p.117-118; Carlos
MESTERS, Rute , uma história da Bíblia, p.23-25.
13 Carlos MESTERS, Casos de imaginação criativa, In: Estudo s bíblicos, v.42, p.23.
CARLESSO, Jair.
Rute: Para onde fores, ireitambém! (1,16)
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a narrativa de Rute foi um a das histórias perpetuadas na memória do povo israelita que
foi guardada e transmitida, oralmente, por vários séculos, até ser escrit a
14
.
1.3OlivrodeRutenaliturgiajudaica
Segundo o rabino Leon ardo Alanati, da Congregação Israe li ta Mineira, toda vez que
lemos a Torá em público rezamos para que Deus a entregue no presente, e não no passado,
porque quando alguém ace it a seus ensinamentos e mandamentos, Deus a transmit e como
no Mont e Sinai . Entende-se, portanto, que a revelação divina é contínua e não um
evento acabado, que ocorreu nos primórdios da formação de Israel
15
.
Para o rabino, a importância e a popularidade dos textos bíblicos são demonstradas
na escolha das partes a serem usadas na li t u rg ia. Lemos a Torá na íntegra durante o
período de um ano (algumas sinagogas durante três anos). Le mos seleções dos Neviim
[Profetas] após a leitura da Torá nos sábados e nas festas judaicas. Por sua ve z, apenas
cinco livros da terceira parte da Bíblia Hebraica e di ve rs os salmos são incluídos na liturgia.
O livro de Rute f oi selecionado para ser lido na festa de Shavuot, ou das Semanas, ou do
Pentecostes, cinquenta dias após a Páscoa
16
(Dt 16,9-12), lembrando a e nt re g a da Lei no
monte Sinai
17
.
2 ORGANIZAÇÃO LITERÁRIA DE RUTE
O livro, no seu todo, menos o acréscimo final (4, 18 -2 2 ), é uma unidade inteiramente
coerente. Com análises e enfoques próprios, tanto C arlos Mesters quanto Airton José da
Silva trabalham com a mesma estruturação do texto. A estruturação concêntrica de
diversas subunidades do relato ajuda a perceber os aspectos centrais das referidas partes.
Para auxiliar em nossa análise, apresentamos essa proposta:
-Quadroinicial:1,1-5>crise:faltapão,terra,filho
a) 1,1-2a: Elimelec e a família migram para Moab
b) 1,2a-3: chegada em Moab e morte de Elimelec
c) 1,4-5a: casamento e morte dos filhos: 10 anos
d) 1,5b: Noemi ficou com as noras
-passo:1,6-22>voltaraBelémembuscadepão
a) 1,6-7: introdução: começo e motivo da volta
b) 1,8-14: lamento de Noemi com as noras
c) 1,15-18: Rute opta ficar com Noemi e voltar a Belém
b) 1,19-21: lamento de Noemi com mulheres de Belém
a) 1,22: conclusão: termina a volta, tempo da colheita
-passo:2,1-23>recuperarodireitodarespiga
a) 2,1-2: introdução: Rute e Noemi planejam a ação
b) 2,3: Rute respiga no campo de Booz
c) 2,4-7: diálogo de Booz e empregados sobre Rute
d) 2,8-14: conversa entre Booz e Rute
14 Maria Aparecida de CASTRO, Rute, símbolo da forç a feminina, In: Estudos bíblicos, v.29, n.114, p.113.
15 Leonardo ALANATI, Releituras rabínicas do livro de Rut e , In: Estudos bíblicos, v.98, p.75.
16 Os demai s livros são: Cântico d os Cânticos, na festa da Páscoa; Eclesiastes, na festa dos Tabernáculos; Lamentações, no
aniversário da destruição do Templo; e Ester, na festa dos Purim.
17 Leonardo ALANATI, Releituras rabínicas do livro de Rute, In: Estudos bíblicos, v.98, p.72.
CARLESSO, Jair.
Rute: Para onde fores, ireitambém! (1,16)
Revista Teopxis,
PassoFundo, v.38, n.130, p.62-77, Jan./Jun./2021. ISSNon-line: 2763-5201.
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c) 2,15-16: diálogo de Booz e empregados sobre Rute
b) 2,17: Rute respiga no campo de Booz
a) 2,18-23: conclusão: Rute e Noemi revisam a ação
-passo:3,1-18>anoitenaeira:recuperarodireitoderesgatedaspessoas-levirato
a) 3,1-6: Noemi e Rute planejam a ação
b) 3,7-8: Booz e Rute na eira
c) 3,9-13: diálogo entre Booz e Rute sobre o resgate
b) 3,14-15: Booz e Rute na eira
a) 3,16-18: Noemi e Rute revisam a ação
- passo: 4,1-12 > o trib u n al à porta da cidade: recuperar o direito de resgate
daterra-goelato
a) 4,1-2: constituição do tribunal
b) 4,3-4: Booz informa o Fulano e ele aceita resgatar a terra de Noemi
c) 4,5-8: o resgate da terra implica no resgate da pessoa, casar com Rute: e ele se recusa
b) 4,9-10: Booz informa o tribunal e aceita resgatar a terra de Noemi
a) 4,11-12: o tribunal ratifica a decisão de Booz
-Quadrofinal:4,13-22>casamento:pão,te rra, filho
a) 4,13: casamento de Booz e Rute e nascimento de Obed
b) 4,14-15: aclamação das mulheres
c) 4,16: Noemi assume Obed como seu filho
d) 4,17: proclamação das mulheres
e) 4,18-22: apêndice
3 OTEXTO E A PROPOSTA DE RUTE
O que é importante levar em conta na leitura do livro de Rute? Um texto transmite sua
proposta a partir de seu conteúdo e estruturação interna, a partir de seu contexto de origem e
também a partir de sua linguagem. Rute é uma ficção, e melhor dizendo, é uma novela.
Como novela, independentemente da época em que foi ambientada, tenta retratar aspectos
da vida cotidiana. Diante disto, pode-se dizer que Rute é uma novela, ambientada na época
dos juízes, que retrata a situação de vida das mulheres no período s-exílico. Está recheada
de muitas tradições antigas das tribos de Israel e que foram sendo preservadas através dos
séculos. Certamente que muitas destas tradições estavam sendo esquecidas e é em defesa da
vida que os protagonistas resgatam estas antigas leis. Rute é a verdadeira heroína desta
história resgatando para Noemi a alegria da vida e dando a esta uma descendência
18
.
Rt1,1-5:arealidadedopovoso bospersas
O livro de Rute inicia apontando um contraste: em Belém, a casa do pão, havia fome,
pois faltava pão. Ao afirmar que não havia pão na casa do pão, se est á indicando que
algo e r rado. Para escapar da fome, a saída da pequena família é partir para Moab , que na
época dos ju íze s chegou a ser um inimigo de Israe l (Jz 3,12-30)
19
. Nem a reforma de
Esdras e ne m o profeta Malaquias estavam preoc u pados com isto. Para eles o problema
maior pa re ci a ser a questão dos casamentos mistos e propunham sua ruptura como saída.
Rute inicia, portanto, mostrando haver um grave problema na sociedade.
18 José Josélio da SILVA, Rute e Noemi, o resgate das leis na defesa das relações afetivas e a união civil entre pess oas do
mesmo sexo, In: Estudos bíblicos, v.87, p.48-49.
19 Mercedes LOPES, O livro de Rute, In: Ribla, v.52, p.97.
CARLESSO, Jair.
Rute: Para onde fores, ireitambém! (1,16)
Revista Teopxis,
PassoFundo, v.38, n.130, p.62-77, Jan./Jun./2021. ISSNon-line: 2763-5201.
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Os problemas vividos por e s sa família apontam para a situação do povo de Judá na
época persa e ao longo da história. O significado dos nomes ajuda a identificar essa
questão
20
. Era um povo sem pão e sem terra, enfermo (Maalon) e frágil (Que lion ), que
vivia errante. Eli me le c e Noemi, com os filhos, migraram por causa da fome . Migraram em
busca de pão, de sobrevivência. Essa história lembra a de Abraão e Sara, que também
migraram por causa da fome (Gn 12,10), e a de Jacó e seus filhos: Viemos habitar nesta
terra porque não mais pastagem para os rebanhos [...] e a fome, com efeito, assola a
terra de Canaã (Gn 47,4 ). Além disto, relata o Gênesis: Não havia p ão em toda a terra,
pois a fome tornara- se muito dura e a terra do Egito e a terra de Canaã desfaleciam de
fome (Gn 47,13 ) . A morte de Elimelec, Maalon e Quelion, os três homens e maridos,
indica que eles representam um povo que perdeu todas as forças e segu ran ças .
Para o povo explorado da época persa, o livro de Rute apresentou-se como um
convite à e spe ran ça. Como no passado, no tempo de Abraão, de Jacó, de Moisés, Deus
continua libertando hoj e e, como no passado, o povo não pode se acomodar na miséria,
achando que não pode ou que não adianta fazer nada. Rute aponta para a continuidade da
história.
O relato de 1,1-5 indica que Noemi ficou sozinha, sem filhos e sem marido. Sem
filhos s i g ni f ic a sem futuro e sem marido indica sem segurança. Ela é figura do povo que
havia ficado órfão. Seu presente era sofrimento e dor. Naqu e le contexto, assim se
expressou Jó: Por que não fechou as portas do ventre para esconder à minha vista tanta
miséria! (Jó 3,10); Por que foi dada a luz a quem o trabalho oprime e a vida a quem a
amargura aflige! (Jó 3,20). Sem o marido e sem os filhos, Noemi ficou somente com a
companhia das noras. Isto indic a que os pobre s , em todos os tempos, têm apenas a
companhia dos pobres, sem nenhuma garantia de futuro, sem nenhuma segu ran ça.
O re lat o retrata um povo sem pão (fome), sem te rra (migrante), sem saúde (doença),
sem forças (frac o), sem companhia (ficou só), sem vida (morto). Trata-se de uma realidade
de total desamparo. Para o livro de Rute, a saída não se encontrava no projeto de Esdras,
Neemias e de Malaquias e, por outro lado, não podia ficar acomodado, achando q u e a
solução vie ss e por si! Mu i tos diziam: Não podemos fazer nada! (Ne 5,5). O que faze r,
então? Na sequência, o livro de Rute aponta quatro passos importantes.
1º)Rt1,6-22:voltarparaBelém
A viuvez das três mulheres exige um a tomada de decisão. O que fazer? A ju da ít a
Noemi, informada de ter passado o tempo de penúri a no país natal, opta por voltar
21
. É o
que descrevem os v.6-7. Eles apontam para uma abertura de hori zon te s , pois uma nova
consciência: Deus visitou seu povo dando-lhe pão (v.6b) . Di ant e desta possibilidade,
Noemi tomou a decisão de voltar para Judá, de sai r dos Campos de Moab, de pôr-se a
caminho, voltar para Bem. O livro de Rute mostra, assim, a itinencia da vida. Ao mesmo
tempo, encontramos aqui a temática do êxodo. Trata-se de um novo êxodo: Deus visitou
o seu povo e o fez caminhar, impulsionando-o a fazer algo em vista de um futuro melhor.
Nos v.8-14, Noemi sentiu-se abatida, velha, sem esperança, amargurada. Ela teve um
carinho muito grande para com as noras. Chamou-as três vezes de minhas filhas
(v.11.12.13). Pela bondade com que elas trataram seus maridos, Noemi desejou-lhes o
melhor: voltai cada qu al para a casa de sua mãe (v.8) e cada uma possa encontrar
descanso na casa de um marido (v.9). Noemi queria que elas voltas s e m para o seu povo e
s e casassem novamente. Significa que ela não pensa em si mesma, mas se preocupa pelo
futuro das duas jovens [... ]. À ternura com que Noemi sente pelas jovens mistura-se a
20 Carlos MESTERS, Casos de imaginação criativa, In: Estu do s bíblicos, v.42, p.23.
21 Jaldemir VITÓRIO, A narratividade do livro de Rute, In: Estudos bíblicos, v.98, p.86.
CARLESSO, Jair.
Rute: Para onde fores, ireitambém! (1,16)
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amargura por não poder ajudá-las a sair daquela situação de viuvez e de desamparo na qual
ela mesma se encontrava (1,13)
22
. Orfa acolheu seu recado: voltou (v.14).
Os v. 15-1 8 formam o centro dessa su bunidade. Ao deci dir ficar com Noemi e com
el a ir/voltar a Belém, Rute fez a maior opção de sua vida. Essas palavras são centrais:
N ão insistas comigo para que t e deixe, pois para onde f ores , irei também; onde for tua
moradia, será também a minha; teu povo s e o meu povo; e teu Deus se o meu Deus.
On de morreres, quero morrer e ser sepultada. Que Javé me mande este castigo e
acrescente mais esse, se outra coisa, a não ser a morte, me separar de ti (v.16-17). Ao
ou vir essas palavras, Noemi teve a certeza de que o es tari a mais desamparada. Rute
assumiu, não somente a sogra, mas o povo de Noemi, com sua história e cultura, com
su a tradição e situação, co m sua e seu Deus. Ela fez esta opção antes de ir para e
antes de conhecê-l o. Rute entregou sua vida em vista da reconstrução de u m povo
es trangeiro - para ela -, que ela as sumi u como próprio, deixando a possibilidade de ter
um esposo e viver tranquila em seu país.
Rute assumiu u m povo que se encontrava numa situação crítica, de fome, fraqueza,
morte. O povo de Noemi não tinha futuro. Rute abandon ou tudo para seguir Noemi,
fazendo com ela uma ali anç a pela vida de seu povo, assu mi nd o sua história, suas tradições
e seu Deus. Rute fez a opção por um povo entregue à morte.
Para Mesters, o motivo da opção de Rute por Noemi é o amor. Segundo ele, não
nenhum lucro nem ganho em vista, pois optar por um povo entregue à morte não traz
vantagem alguma. Pelo contrário, esta opção leva Rute a renunciar a t u do aquilo que faz a
alegria da vida dos outros: casa e marido (1,9.13)
23
.
Os v.19-21 mostram que Noemi e Rute saíram de Moab e chegaram a Belém.
Lembra a viagem de Abraão e Sara de Harã a Canaã (Gn 12,5). Não se diz nada da viagem.
Noemi parece não perceber os sinais de esperança. Ela é como Sara, ve lh a, sem filhos,
descrente. Por não conseguir ver futuro, disse que sua vida era amargura.
O v.22 relata a chegada em Belém. Esta se deu no começo da colheita da cevada.
Portanto, esperança nova à vista. Chegaram a Belém com dois grandes problemas: a vida
delas, pois para viver precisavam comer; e a descendência e o futuro delas, que dependia da
constituição de uma família.
2º)Rt2,1-23:recuperarodireitodarespiga
Os v.1-3 iniciam relatando que Noem i tinha um parente, por parte de seu marido,
que se chamava Booz, nome que expressa amparo, fortaleza. Neste novo contexto, Rute
tomou a iniciativa de respigar, declarando-se decidida a lutar pela subs i st ê nc ia. Dedicou-
se à tarefa de respigar grãos, segundo o direito em voga, no tocante aos pobres, órfãos e
viúvas (2,2)
24
. C onf orme as leis clânico-tribais, a respiga era direito dos pobres, viúvas e
estrangeiros. O Deuteronômio é muito claro em relação a isso (Dt 2 4, 19 -2 2) , estando essa
lei também prescrita em Lv 19,9-10 e 23,2 2 . E por ser pobre, viúva e estrangeira, Rute foi
respigar nos campos de Booz.
Nos v.4- 7, Booz, pessoa importante (v.1) , dono da t e rra, chegou de Belém e, ao ver
Rute, perguntou aos empregados: Quem é essa jovem? (v.5). Estes deram-lhe boas
referências: é a moabita que voltou com Noemi (v.6). Além disto, ela pediu pe rm is o
para poder respigar, respeitando o proprietári o (v.7a) e dem ons trav a-s e trabalhadora
incansável (v.7b). Rute lembra as mulheres estrangeiras, expulsas por Esdras, e Noemi é
22 Paulo F. VALÉRIO, Teu povo será meu povo, teu Deus se meu De u s - A amizade f rat e rna: cam inh o de su pe raçã o
dos limites das religiões e das culturas no livro de Rute, In: Reb, v.74, n.294, p.369.
23 Carlos MESTERS, Rute, uma história da Bíblia, p.42.
24 Jaldemir VITÓRIO, A narratividade do livro de Ru te , In: Estudos bíblicos, v.98, p.87.
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referência do povo abandonado. A sobrevivência imediata das duas depen di a da respiga,
que era seu direito.
O relato de Rt 2,7 a entender que este costume havi a acabado e as pessoas que
respigavam tinham que pedir para fazê-l o, como se fosse uma esmola. Para além disso,
nem sempre eram respeitadas (2,9.16). Portanto, a ação de Rute abre uma brecha na
organização da produçã o agrícola da época. Tudo isso acontece por causa de uma relação
criada entre Rute e Booz. Ao se conhecerem no campo, algo inesperado aconteceu. Parece
que, ao ver Rute, Booz se encanta. É a partir desta experiênci a que Booz re-i nt e rpre t a e
põe em prática a antiga lei que defendia o direito dos pobres
25
.
Os v.8-12 revelam que Booz gostou de Rute. Diante de tudo o que ela havia feito por
sua sogra, Booz ofereceu-lhe proteção, possibilidade de respigar e água. O motivo se deve
porque Rute fizera a opção de não deixar Noemi só, no desamparo. Isso sensibilizou
profundamente Booz, que lhe disse: Que Javé te retribua o que fizeste e que recebas uma
farta recompens a da parte de Javé, Deus de Israel, sob cujas asas vi e st e buscar refúgio!
(v.12). Como Abraão e Sara, Rute deixou sua terra, su a mãe, sua casa, seu povo e a
possibilidade de um novo casamento para dedicar-se a Noemi.
Nos v.13-14, Rute sentiu-se bem acolhida por Booz. Este não levou em conta os
preconceitos existentes em Israel em relação às mulhere s estrangeiras e nem o que a Lei de
Moisés prescrevia (Dt 7,3-4; Esd 9,1-2.12; 10,10-11; Ne 10,31) e lhe falou benignamente.
Naquela circunstância, Booz repre s e nt ava os israelitas. Num contexto de rejeição das
mulheres estrangeiras, Rute fora bem acolhida por Booz, isto é, em Israel, tendo ofereci do
uma farta refeição com ele: Depois de ter comido à vontade, ainda sobrou (v.14 c) .
Assim qu e acabara a refeição, Rute, mulher de luta e te nd o consciênci a de sua
condição e da responsabilidade qu e assumira com Noemi, retor nou a respigar e Booz lhe
proporcionou mai s que uma simples respiga. Foi uma partilha, pois ela não colheu apenas
as sobras (v.15-17). O seu direito foi respeitado além do que a lei exi g i a
26
.
Ao retornar para casa, Noemi e Rute avaliaram o processo. Com a possibilidade da
respiga, o problema da fom e estava solucionado, por hora, embora não fosse a in da uma
solução estrutural, pois continuar respigando significava conti nu ar se nd o depe n de nt e .
No começo da história, não havia esperança (1,5). No fim do pri me i ro passo,
havia sinais de esperança, mas Noemi não o s enxergava (1,20-21). Agora, no
fim do s e g u ndo, Noemi começa a enxergar. De dentro dos fatos surgiu a
solução: Booz tem o direito de resgate sobre nós (2,20). Com esta luz, Noemi
orienta Rute e planeja o terceiro pass o
27
. Abre-se um novo horizonte.
Asleisdoleviratoedogoelato
O Código Deuteronômico apresenta a le i do levirato (Dt 25,5-10) e a Lei da
Santidade trata da lei do resgate das pessoa s , em caso de empobrecimento (Lv 25, 35 -4 6 ), e
do resgate das terras, chamadas lei do goel ou goelato (Lv 2 5 ,2 3- 34 ). Essas leis estão ligadas
ao ano jubilar. Os capítulos 3 e 4 de Rut e estão entrelaçados com essas lei s, por isso,
retomamos o sentido das mesmas.
a) Lei do levirato
A palavra levirato, do lat im levir, é a tradução do termo hebraico yabam: cunhado. No
Antigo Test ame nt o essa lei é ilustrada por dois exemplos: a hi st óri a de Tamar (Gn 38) e a
de Rute. Assim prescreve a Lei deuteronômica:
25 Mercedes LOPES, O livro de Rute, In: Ribla, v.52, p.98.
26 Carlos MESTERS, Rute, uma história da Bíblia, p.54.
27 Carlos MESTERS, Rute, uma história da Bíblia, p.54.
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Quando dois irmãos moram juntos e um deles morre, sem deixar filhos, a
mulher do morto não sairá para casar-se com um estranho à família; seu
cunhado virá até ela e a tomará, cumprindo seu dever de cunhado. O
primogênito que ela der à luz tomará o nome do irmão morto, para que o nome
deste não se apague em Israel (Dt 25,5-6).
A sequência do relato (Dt 25,7-1 0) determina o que deveria ser feito àquele que,
porventura, não aceitasse cumprir o dever de cunhado: a) diante de sua recusa, a viúva
devia levar o caso aos anciãos junto à porta da cidade (v.7); b) os anciãos deviam convocar
o cunhado dela e t e nt ar convencê-lo desta responsabilidade (v.8 ) ; c) este não aceitando, na
presença dos anciãos, sua cunhada tirar-lhe-ia a sandália do seu pé, cuspiria em seu rosto e
deveria dizer a ele: É isto que se deve fazer a um homem que não edifi ca a casa do seu
irmão! (v.9); d) este levaria o apelido de casa do descalçado (v.10).
Tendo um filho com a cunhada, a propriedade do irmão fale c id o passaria para este
filho, não havendo concentração de terra numa única pessoa - no c as o, do irmão vivo, ao
qual passaria a terra -, e o nome do falecido não se apagaria da memória. Para De Vaux,
a razão essencial [desta lei] é a de perpetuar a descendência masculina, o nome,
a casa, e é por isso que a criança (provavelmente a primeira) de um
casamento levirático é conside rada filha do falecido. Não é somente um motivo
sentimental, é a expressão da importância dada aos laços de sangue. Uma razão
concomitante é a de evitar a tran sf e nc i a dos bens da família. Ess a
consideração aparece em Dt 25,5, que põe como condiç ão do levirato que os
irmãos vivam juntos, e, na história de Rute, ela explica que o direito de resgate
da terra esteja ligado com a obrigação de casar- se com a viúva. A mesma
preocupação se encontra na leg i sl ação do jubileu, Lv 25, e na lei sobre as filhas
herdeiras, Nm 36,2-9
28
.
Esta lei tinha, portanto, por finalidade garantir a cont in u id ade do nome e, ao
mesmo tempo, a continuidade da família, da pequ e na família’”
29
, impedindo que, por falta
de um herdeiro, ela se acabasse. Perpetuar o nome e garantir a terra à família parece m ser
as finalidades principais dessa lei.
b) Lei do goelato
Para De Vaux, os membros da famíli a em sentido amplo devem uns aos ou tr os
ajuda e proteção. A prática desse de v e r era regulada pela instituição do goel, palavra
procedente de uma raiz que significa resgatar, reivindicar, e, mais fundamentalmente,
proteger. O goel é um redentor, um defensor, um protetor dos interesses do indivíduo e
do grupo. E le pode intervir em certos casos. Se um israelita necessitasse vender-s e como
escravo para pagar uma dívida, ele deveria ser resgatado por um de seus parentes próximos
(Lv 25,47-49). Quando um israelita necessitasse vender seu patrimônio, o goel tem direito
preferencial na compra, pois é muito importante evitar a alienação dos bens da família
30
.
A Lei da Santidade prescreve algumas possibilidades:
1º) Naperdadaterra: o texto de Lv 25,23-25 assim dete rm in a:
A terra não será vendida perpetuamente [...]. Para toda propried ade que
possuirdes, estabelecereis o direito de resgate para a terra. Se o teu irmão cair na
pobreza e tiver de vender algo do seu patrimôn io, o seu parente mais próximo
virá a ele, a fim de exercer seus direitos de família sobre aquilo que vende o seu
irmão.
28 R. de VAUX, Instituições de Israel no Antigo Testamento, p.61.
29 Maria Aparecida de CASTRO, Rute: símbolo da força feminina, In: Estudos bíblicos, v.29, n.114, p.113.
30 R. de VAUX, Instituições de Israel no Antigo Testamento, p.43.
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Significa que quando alguém era obrigado a desfazer-se de sua terra por causa do
empobrecimento, do endividamento, o parente mais próximo (goel) t i nh a a obrigação de
resgatá-la, isto é, deveria comprá-la de volta, não para si mesmo, mas para o parente
empobrecido (Lv 25,23-25). Se alguém incorresse na perda da terra, não tendo ninguém
para exercer esse direito, tinha o direito de recuperá-la de volta no momento em que
obtivesse recursos (Lv 25,26-27), não t e ndo essa possibilidade a receberia de volta no
jubileu (Lv 25,28). Depois o texto trata da casa própria, fazendo ver que todos tinham o
direito de tê-la e de recuperá-la (L v 25,29-31). O relato de Lv 25,32-34 trata do direito
perpétuo dos levitas à casa.
2º) Navendacomoescravo: o texto de Lv 25,47-49 prescre ve :
E se o estrangeiro ou o hóspede que vive contigo se enriquecer e teu irmão que
vive junto dele se empobrecer e se vender ao estrangeiro ou ao hóspede ou ao
descendente da f am íli a de alguém que reside entre vós, gozará do direit o de
resgate, mesmo depois de vendido, e um de seus irmãos poderá resgatá-lo. O
seu tio paterno poderá resgatá-lo, ou o seu primo, ou um dos membros da su a
família; ou se conseguir recursos poderá resgatar-se a si mesmo.
Para De Vaux, Lv 25,49 mostra qu e o direito do goel era exercido segundo certa
ordem de parentesco, assim, pois, apresentada: primeiro o tio paterno, depois o filho deste,
finalmente os outros parentes
31
. Nisto se explica a ação de Booz, no livro de Rute (4,5ss).
3º) Rt3,1-18:recuperarodireitoderesgatedaspessoas-levirato
Se no capítulo dois, Rute encurvou-se para respigar, no capítulo três ela se
apresenta de forma mais ousada. Noemi in ic i ou -a nos saberes e poderes de sedução.
Avalia a conjuntura, identifica os personagens e descobre uma alternativa para a sua
amargura. Cinderela antes da outra, Rute também vai passar dos trapos da trabalhadora
humilhada para a beleza provocadora, que re-significa o corpo. O se objetivo agora é
merecer os olhares e o desejo de um homem que pode mudar a sua vida
32
.
Da proteção de Booz em geral passa-se à proteção concreta, també m provocada pelo
procedimento de Rute movida pelos conse lh os de sua sogra
33
. Assim, no término da
colheita, os v.1-5 mostram que Noemi orient ou Rute em vista da hora decisiva para que
Booz exercesse ou cumprisse o direito de resgate e se casasse com ela/Rute, g aran ti nd o
definitivamente a vida de R u te e também a de Noemi. Rute é obediente à sua sogra e não
age por interesse sentimental (cf. Rt 3,11) mas por lealdade à família na qual se integrou
34
.
Os v.6-15 descrevem a noite na eira. Tudo aconteceu conforme Noemi previu e
orientou. Rute foi à eira de Booz e passou a noite com ele. Não lhe pediu favores, mas
apelou para o direito que a lei l he dava: Sou Rute, tua s e rva. Estende teu manto sobre tua
serva, pois tens o direito de resgate (3,9). Ao longo de toda a narrativa, Booz demonstrou-
se sempre bem intencionado para com Rute, que, na ocasião, lembrou-o de suas
obrigações, conforme as leis do goel e do levirato.
A resposta de Booz indica que ele abraçou a causa dela: Bendita sejas por Deus,
minha filha; este teu novo ato de piedade excede o primeiro, pois não procuraste jovens ,
pobres ou ricos. E agora, minha filha, não tenhas medo: far-te-ei tudo quanto disseres, pois
toda a população desta cidade sabe que és uma mulher virtuosa (3,10-11). Depois destas
palavras de Booz , Rute teve a certeza de que conseguiu tudo o que desejava, sendo
reconhecida, lite ralme n te , como mulher forte (3,11). A fala de Booz, nos v.12-13,
31 R. de VAUX, Instituições de Israel no Antigo Testamento, p.44.
32 Nanci C. PEREIRA, De olhos be m abertos erotismo nas novelas bíblicas, In: Ribla, v.38 , p.140.
33 Enrique C. MELERO, Rute, In: S. G. OPORTO; M. S. GARCÍA, Comentário ao Antigo Testamento I, p. 62 5 .
34 Enrique C. MELERO, Rute, In: S. G. OPORT O ; M. S. GARCÍA, Comentário ao Antigo Testamento I, p.625.
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apresenta a Rute a última garantia de que ela necessitava: Ora, realmente tenho o direito
de resgate, mas um outro parente mais próximo que eu. Passa a noite aqui e amanhã
cedo, se ele quiser exercer seu direito de resgate sobre ti, está bem, que ele te resgate; se,
pelo contrário, não quiser te resgatar, eu te resgatare i; juro pela vida de Javé! Com isso,
Rute garantiu o seu futuro e o de Noemi.
Os v.16-18 relatam o retorno de Rute à casa de sua sogra. Neste retorno, ela
carregou às costas seis medidas de cevada (v.15.17). Ela dirigiu-se para c asa com as
palavras de Booz: Não voltarás de mãos vazias para junto de tua sogra (v.17). Trata-se de
sua boa disposição para com Rute. Noemi lhe garanti u que a solução definitiv a estava
próxima. Tinha toda a certeza de qu e Booz cumpriria todos os deveres leg ai s. Casando-se
com Booz, a terra de Elimelec passaria a ser de Booz, garantindo a vida e o f u tu ro tanto de
Rute quanto de Noemi.
4º) Rt 4,1-12: o tribunal à p o rta da cidade: recuperar o direito de resgate da
terra-goelato
O episódio ocorreu na porta da cidade, espaço ou fórum onde eram realizadas as
grandes decisões, por exemplo: de condenação e apedr ej ame nt o de uma pessoa (Dt 22,23-
24), de julgamento (Am 5,10.12.15), ou mesmo cu ras , como fez Jesus (Mc 1,32-34). Neste
espaço foi reunido o tribunal, órgão com competência jurídica para decidir questões
jurídicas, como a de Booz.
A estrutura concê nt ri ca desta subunidade ressalta muito bem a questão central do
relato, ou seja, a união da lei do resgate da terra com a lei do resgate da pe ss oa. Ou seja,
adquire a terra de Noemi quem casa com Rute (4,5-8)
35
.
A novidade proposta no livro de Rute é de que não é possível adquirir a terra de um
pobre sem levar em conta a situação da família desse pobre. Assim, quem quisesse adquirir
o terreno de Noemi deveria, ao mesmo tempo, assumir toda a situação da família dela. E
o jei t o de fazer isso era casar com Rute para que a família de Noem i pudesse continuar na
posse da terra, como afirma Booz, para que a h e ranç a do falecido continu ass e com o nome
dele (Rt 4,5). Desta forma, Booz uniu a Lei do Resgate, que dava direito de adquirir a
terra do irmão pobre, e a Lei do Levirato, que impunha o dever de casar com a viúva
36
.
A palavra resgatador (goel) tem um sentido libertador solidário. Trata-se de uma
das palavras mais repetida no capítulo 4. Outra palavra repetida di v e rsas vezes é nome
(shem), indicando a ação de manter a memória do nome da pessoa falecida, através da lei
do levirato. Estas duas ações, resgat ar a terra e manter a memória, f aze m parte do
compromisso assumi do naquela noite, na eira (Rt 3,1-18). Booz faz questão de ratificar,
diante do povo, a legali dad e da ação que pretende realizar. E Rute, a moabita, é acolhida e
reconhecida pelo coro do povo e dos anciãos (4,11) [... ]. O pedido deixa entrever o sonho
do tribalismo e a nova esperança que está surgindo
37
.
Os v.1-8 mostram que antes de Booz havia um ou tro parente de Elimele c com o
direito de resgate da terra. Este queria apenas a terra, sem assumir o cuidado de Rute e de
Noemi. Não queria ser solidário com os pobres. O livro de Rute contesta esta falta de
solidariedade para com os pobres na época persa . Por isso, o direito de resgate ficou para
Booz. Carlos Mesters diz que
aqui aparece a raiz do problema do povo. No começo da história apareceu o
problema da falta de pão. Durante a busca do pão, apareceu o problema da
família, do clã. E agora, enquanto s e busca uma solução para o problema da
35 Carlos MESTERS, Rute, uma história da Bíblia, p.67.
36 Maria A. de CASTRO, Rute: símbolo da força feminina, In: Estudos bíblicos, v.29, n.114, p.114.
37 Mercedes LOPES, O livro de Rute, In: Ribla, v.52, p.99.
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família, aparece o problema da terra. Noemi corre o perigo de perder o terreno
da família. A sua situaç ão é a imagem da situação dos pobres daquele tempo.
Eles estavam perdendo a sua dupla defe s a: a família e a terra!
38
.
Nos v.9-12, Booz exerceu o direito de resgate, ficando com os bens de Eli me le c (v .9 )
e assumindo Rute e Noemi. Booz cumpriu a lei do levirat o, casando-se com Rute. A
família de Noemi, ameaçada de extinção, se recuperou, passou a sobreviver, tendo futuro e
esperança. Graças ao cumprimento dessas le is , ocorreu uma transformação total. Tratam-
se de leis que apontam para a solid arie d ade e o f orta le ci me nt o dos laços f ami li are s, tendo
em vista a defesa dos pobres. Segundo José Josélio da Silva,
Booz exerce o direito de re s g at e, ao comprar de Noemi as terras que pertenc ia m
a Elimelec e a seus filhos, sem a preocupação de compromete r seu patrimônio,
pois e le sabe que estará dando a Rute um filho, o qual será o herdeiro da
herança de Elimelec. Ao mesmo tempo, Booz adquire Rute como mulher não
propriamente para ser sua esposa, mas, com a finalidade de perpetuar o nome
do falecido Maalon a quem pertencerá a posteridade. A relação entre Ru te e
Booz [...] é primeiramente uma relação heteronormativa e patriarcal para
preservar a descendência e a terra da família
39
.
Rt4,13-22:realidadefinal:casamento-pão,terra , filho
Booz casou-se com Rute (v.13). A esperança que começou a apare ce r, desde o
primeiro passo, agora se realizou de fato.
Nasceu-lhes um filho: Booz desposou Rute, que se tornou sua esposa. Uniu-se a ela
e Javé deu a Rute a graça de conceber e ela deu à luz um filho (v.13). As v iz in has deram-
lhe um nome, dizendo: Nasceu um filho a Noemi e chamaram-no de Obed (v.17) .
Para quem via fome, amargura, doença..., este filho é símbolo de libertação. Da
amargura, Noemi agora vive a graç a: Deus foi-lhe ao se u encontro (v.14). Este menino
será para ti um consolador e um apoio na tua velhice (v.15). Rute, a mãe do menino, que
te ama, para ti vale mais do que sete filhos (v.15). Noemi tem a alegri a de tomar o menino
nos braços e serviu-lhe de ama (v.16).
O menino trouxe futuro e ânimo para a família. Chama-se Obed, i s to é , servo, a
serviço do povo para que este tenha terra e pão. A palavra obed, servo ou servo, serviço fraterno,
demonstra a única atitude capaz de tornar verdadeiramente humana uma sociedade. Ela
traduz o relacionamento fundamental que deve acontecer entre as pessoas: servir.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A leitura do livro de Rute faz ver, por um lado, qu e sua narrativa é quase toda
te cida de diálogos. São os diálogos que constroem saídas diante das mais variadas crises
ex istenciais. Em decorrência disto, o livro a pres enta o amor, a amizade fraterna, a
solida ried ade, a ternura como formas de superação dos conflitos impostos pela
sociedade
40
. O amor l eva Rute a resgatar a identidade, o sentido comunitá rio, a alegria
de viver, a fé, a esperança e o futuro do povo de Noemi (Rt 4,11- 16). Sendo
margin aliz ada, excluída, ent rega sua vida para a reconstrução de um pov o estrangeiro,
qu e ela assume como p róprio. Na aliança que R ute fez com Noemi, ela a ssum e o
38 Carlos MESTERS, Rute, uma história da Bíblia, p.70.
39 José Josélio da SILVA, Rute e Noemi, o resgate das leis na defesa das relações afetivas e a união civil entre pess oas do
mesmo sexo, In: Estudos bíblicos, v.87, p.51.
40 Paulo Ferreira VALÉRIO, Teu povo será meu povo, teu Deus será meu Deus (Rt 1,16) A amizade f ra te rna :
caminho de superação dos limites das religiões e das culturas no livro de Rute, In: Reb, v.74, n.294, p.363.
CARLESSO, Jair.
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de stin o dela, que t ambém passa a ser o se u. Faz isto por amizade e também pela
profunda solidar ie dade que une os pobres
41
.
O q ue moveu Elimelec e sua família a mudar-se para os campos de Moab (Rt 1,1) foi
a fome. A pobreza, com tudo o que ela comporta, desconhece as barreiras das culturas e
das religiões. Antes de acompanhar Noemi, Rute estava em casa’”, contando com sua
mãe, seu povo, seu deus (Rt 1 ,1 5 ), e certamente não lhe faltava o pão, pois não se fala de
carestia em Moab. Isso faz ver que não é sua carência pessoal que a faz acompanhar
Noemi, mas é a penúria de Noemi que a move a tal escolha
42
. O que motivou Ru te em sua
decisão de caminhar com Noemi para Judá f oi o sentimento de que o outro, a outra pessoa,
necessitada, é o próximo que precisa da sua companhia, do seu serviço e da s u a força para
superar suas dif i cu ldad e s. Encontra-se nesta atitude um s e nt im e nt o humanitário. Foi a
amizade fraterna e a solidariedade que a fez tomar essa de ci são . Por isso, Rute tornou-se
merecedora do cumprimento da lei da respiga e do resgate, casando-se com Booz, com o
qual deu à luz a Obed, herdeiro que garantiu a posteridade para si e para a sua sogra. Is s o a
fez passar para a história como uma mulher virtuosa, ou melhor, uma mulher forte (Rt
3,11). Ne st e sentido, o li vr o de Rute aponta a necessidade da solidariedade nas relações
interpessoais.
Ao criarem formas alternativas de sobrevivência, Noemi e Rute se dão conta de que
não estão sozinhas. Elas descobrem que fazem parte de uma histór ia que vem de longe (Rt
2,20-21). Estão também ligadas a muitas ou t ras famílias que, no momento, estão lutan do
pela s obre v i nc ia. A mpli a-s e a aliança [.. .] . Solid ari zam-s e com o sonho de vida dos
pobres de Judá (Rt 4,11). Reflet e m sobre a possibilidade de saída no contexto em que se
encontram43. Segundo Célio de Pádua Gracia, o livro de Rute
se coloca na história, tanto de Israe l como a universal, como o drama dos
pobres, desvalidos, entregues ao infortúnio, que são forçados a deixar suas
terras à procura de lugares melhores devido à fome, à seca e à miséria que
assolam seus países [...]. Esta história é profundamente reveladora de uma
história muito mais ampla, pois nos revela as relações dos seres humanos e, por
conseguinte, de Deus com seu povo e com os outros povos. Podemos afirmar
que Deus se revela como Deus da humanidade e não de um povo específico, Ele
é o Deus da criação
44
.
Por isso, o compromisso do Deus de Israel é com todos os povos e não apenas com
os israelitas.
O livro de Ru t e , em linguagem sapiencial, apresenta um profundo caráter profético.
Trabalha a necessidade do próprio povo construi r o seu futuro. A memória do tri bali s mo e
de suas leis clânico-tribais e o resgate das mesmas para dentro do contexto pós-exílic o
persa era o caminho que os pobres deviam seguir para poderem sobreviv e r. Era isso que
o livro de Rute queria dizer para o povo de seu tempo.
A reconstrução do povo de Israel, depois da avalanche babilônica de 597 e 587 a.C.
(2Rs 24-25) e da política persa, dependia da mudança de mentalidade e das práticas. Por
isso, era preciso mexer na estrutura da sociedade. Rute é um livro de resistência ativa. Foi
escrito com o objetivo de mostrar, para os pobres, que havia saídas. Para isso era
necessário consciência crítica, união, mobilização e organização por seus direitos. Ele faz
41 Mercedes LOPES, Aliança pela vida: uma leitura de Rute a partir das culturas, In: Ribla, v.26, p.113.
42 Paulo Ferreira VALÉRIO, Teu povo será meu povo, teu Deus será meu Deus (Rt 1,16) A amizade fraterna:
caminho de superação dos limites das religiões e das culturas no livro de Rute, In: Reb, v.74, n.294, p.375.
43 Mercedes LOPES, Aliança pela vida: uma leitura de Rute a partir das culturas, In: Ribla, v.26, p. 11 4 -1 15 .
44 Célio de Pádua GRACIA, Uma leitura do livro de Rute: mulheres pobres e transgressoras do judaísmo, In: Estudos
bíblicos, v.29, n.114 , p.102.
CARLESSO, Jair.
Rute: Para onde fores, ireitambém! (1,16)
Revista Teopxis,
PassoFundo, v.38, n.130, p.62-77, Jan./Jun./2021. ISSNon-line: 2763-5201.
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uma releitura do Êxodo num novo contexto de escravidão. Procurou mostrar que a vitória
do povo é possível. O livro, no conjunto de sua narrativa, revela que e s sa luta deu certo!
Para Maria Antônia Marques,
o livro de Rute nasceu de grupos que se organizaram para sobreviver. Uma das
estratégias era a releitura e atualização de antigas leis, como a da respiga, do
resgate [da terra] e do levirato. O objetivo era proteger as mulheres
estrangeiras, defendend o a justiça e a solidariedade como valores fundamentais
na reconstrução do povo. Era um protesto contra a política pós-exílica de
isolamento social e eliminação dos estrangeiros, defendida pela teocracia de
Jerusalém. Ao colocar uma mulhe r moabita como modelo de solidariedade e
como ancestral de Davi , a história propunha o acolhimento de es tran g e iros e
protestava contra a proibição de casamentos mi st os
45
.
No contexto de rejeição dos estrangeiros , o livro de Rute apresenta, de modo
extraordinário, uma estrangeira, moabita, como espelho no qual os judaítas devem mirar-
se para enxergar sua própria condição. Dian te das ações de Rute, os judaítas tomam
consciência de sua própria identidade, de suas necessidades, de suas limitações. Quando
isso acontece, tendo cumprido seu papel, Rute desaparece. Na verdade, o estrangeiro/a, diz
o autor/a da estória, não destrói a id e nt id ade judaíta, como pensam [pensavam] os líderes
de Jeru s alé m, mas a revela. Por isso, Rute é uma proposta. Rute é um paradigma e,
podemos dizer mais, sempre atual
46
.
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