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MULHERES Q U E LUTAM
Comunidades periféricas como espaço de
transformação pessoal e coletiva à luz do
feminismo bíblico
WOMEN W HO STRUGGLE
Peripheral communities as a space for
personal and collectiv e transforma t io n in
the ligh t of biblical feminism
Elis Alberta Ribeiro dos Santos*
Lucila Tresinha Mai**
Resumo: O presente artigo tem como objetivo dar visibilidade à luta de
mulheres, inseridas em espaços sociais de comunidades periricas da Região
Metropolitana de Porto Alegre/RS, tendo como base a leitura feminista da blia.
Visa-se trazer à tona os problemas sociais que afetam estas mulheres, agravados
pelo poder e ação patriarcal que continua oprimindo e silenciando as vozes
femininas, pelo qual, historicamente foi-lhes negado a participação efetiva em
espaços políticos, sociais, econômicos e religiosos. Urge a necessidade de serem
ouvidas e retomarem suas vidas, por vezes, subalternizadas por uma sociedade
moderna que discrimina e fragiliza suas lutas diárias. Nessa perspectiva,
compreende-se que as comunidades periféricas organizadas, se apresentam como
portadoras de oportunidades para que se criem espos de acolhida, escuta e
atividades empreendedoras, de modo que se possibilite a emancipação pessoal e
do coletivo feminino. Este é um projeto desenvolvido pelas Irmãs da Divina
Providência, que conta com uma equipe cnica formada por educadoras/es,
coordenadorasde cleos, psicóloga, assistentesocialevolunrias/os.
Palavras-chave: Emancipação. Mulher e Feminismo bíblico.
Abstract:This article objects to give visibility to the struggle of women, inserted in social
spaces, from peripheral communities in the Metropolitan Region of Porto Alegre/RS,
based on the feminist reading of the Bible. It wants to bring out the social problems that
affect these women, aggravated by the patriarchal power and action that continues to
oppress and silence female voices, in which, historically, they have been denied effective
participation in political, social, economic and religious spaces. There is an urgent need to
be heard and to resume their lives, sometimes subordinated by a modern society that
discriminates and weakens their daily struggles. In this perspective, it is understood that
the peripheral organized communities, present themselves as carriers of opportunities, so
that spaces of welcome, listening and entrepreneurial activities are created in a way that
allows the personal and collective emancipation of women. This is a project developed by
the Sisters of Divine Providence, which has a technical team made up of educators, center
coordinators,psychologist,social workerand volunteers.
KeyWords: Emancipation. Women and biblical feminism.
v.38,n.130,PassoFundo,
p.113-123,Jan./Jun./2020,
ISSNon-line:2763-5201
DOI:dx.doi.org/10.52451/teopraxis.v38i130.38
* Pesquisadora Indígena, pertencente aetnia Mura do
Médio/Amazonas. Formada em Licenciatura em
Pedagogia - Manaus/AM. Possui Especialização em
Orientação Educacional pela Universidade Católica de
Brasília (UCB). Mestranda em Antropologia Social
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS) sob a Orientação do Prof. Dr. Pablo
Quintero. Membro do Núcleo de Antropologia das
Sociedades Indígenas e Tradicionais (NIT-UFRGS) e
pesquisadora em comunidades indígenas urbanas,
atuando como bolsista pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Seus interesses estão nas áreas de estudos de etnologia
indígena e as teorias Pós-coloniais. Tem experiência
com projetos educacionais, desenvolvidos em escolas
públicas e privadas (Manaus/AM), atuando como
Professora eOrientadora Educacional (Manaus/AM e
Porto Alegre/RS). Atualmente acompanha Projetos
Sociais na região Metropolitana de Porto Alegre
como religiosa da Congregação das Irmãs da Divina
Providência. É membro da Rede Afro-Indígena de
Porto Alegre/RS e da Organização brasileira para
economiadeFranciscoeClara(ABEFC).
E-mail:elisidp@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-9507-9270
** Possui graduação em Licenciatura Plena Em
Pedagogia pela Universidade de Passo Fundo (1994),
Pós-Graduaçao em Psicopedagogia por Faculdades
Integradas Severino Sombra (1995) e em
Fundamentos da Educação (1998) pela Universidade
do Oeste de Santa Catarina e mestrado em
Psicopedagogia pela Universidade do Sul de Santa
Catarina (2002). Atualmente é diretora da unidade da
FaculdadedaFronteira.
E-mail:lucilaidp@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-8205-6205
Recebidoem18/10/20
Aprovadoem03/02/21
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INTRODUÇÃO
Nos moldes de uma sociedade androcêntrica
1
, romper com o patriarcado tornou-se
um dos sinôn im os de luta dos movimentos feministas no Brasil e fora dele. Com o advento
de novas teorias nos ramos das ciências sociais e humanas que questionam pe s qu i sas
androcêntricas, epistemolog i as feministas têm ganhado força, ocupando um lugar de fala.
Nessa perspe ct iv a, o objetivo d e st e artigo é trazer as vozes e atuação de mulheres, que se
reúnem em c le os, para realização de projetos sociais inseridos em bairros periféricos, na
região metr opolit ana de Porto Alegre/RS. Toma-se como ponto de referência profetizas
bíblicas e mulheres que tiveram significativas atuações na luta, pela libertação dos corpos
femininos, dentre el as; Elisa Salerno, Elisabeth Fiorenza, Silvia Federici e, com destaque
especial, Marielle Franco, que foi vítima de feminic ídi o e em quem, as mulheres muito se
identificam. Demarcar a importância do e s paço geográfico de inserção dos corpos
femininos, como um espaço sagrado para transformação pessoal e coletiva é ta mbé m um
dos objetivos deste trabalho.
As vozes etnográfi cas ecoadas neste artigo dec orre m de um movimento que teve um
impulso inicial propositado no trabalho das Irmãs d a Divina Providência
2
, que um
bom tempo, juntamente com educadoras/es, vêm desenvolvendo u m trabalho de oficinas
com crianças e adolescentes, no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, no
morro Aparecida/Viamão, bairro Umbú/Alvorada e bairros Guajuviras e Rio
Branco/Canoas. A partir dos espaços oferecidos para as crianç as e adolescentes sentiu-se a
urgência de juntar os ans e ios das mulheres que estão inseridas e vivem nestas realidades,
promovendo espaços de encontros, partilhas e empreendedorismo, para também
compreendermos que nossos corpos estão vinculados às regiões periféricas, construídas
pelo sistema capitalista, que oprime e marginaliza pessoas, silenciando vozes femininas,
seja nos espaços políticos, sociais e religiosos.
Nessa perspectiva servirão como memória e serão retratados aqui exemplos de
mulheres que leram a Bíblia e a história de maneira inovadora e encontraram chaves de
leituras, isentas de fanatismo e fundamentali s mo, como fontes reveladoras da força e
atuação das mulheres na história humana, vi si bi li zan do a presença feminina, em meio à
história ofici al, historicamente marcada pela tradição masculina. Toma-se por inspiração
estas mulheres e outras que viviam e vivem no anonimato das regiões periféricas, citadas
acima. Esta visão imprime força para uma atuação emanci pad ora, rompendo com as
formas que personificam o patriarcado. Tornam-se, assim, mentoras e emancipadas nas
escolhas de caminhos para as suas próprias vidas.
Asementeplantadanochãodavida
Registrar as memórias de um trabalho idealizado conj u nt ame nt e , abre possibilidades
para partilhar as belezas de quem, a partir de uma saudável convivência, ressurge das
cinzas, como verdadeiras fênix que lutam pela vida. São mulheres que viviam na
clandestinidade e, a partir do convite de outras mulheres sábias, educadoras, juntas, vêm
fazendo um caminho de emancipação. Nas palavras de uma das coordenadoras de grupo:
1 Em uma visão androcêntric a de mundo e de História, o homem tem o benefício de representar o ser humano, quando
este engloba todos os gêneros. Os seres humanos podem ser chamados de os homens, mesmo sabendo-se que
mulheres no conjunto. Ele representa a ele mesmo, e também ele e ela simultane am e nt e. Em uma metáfora biológica,
é como se o ele fosse o gene dominante, enquanto o ela é apenas uma fração secundária de sua espécie. Nunca se
chama o ser humano de a mulhe r. Ela pode representar ela mesma, nunca ele e ela juntos. É como um gene
recessivo (Luc il a B. NASCIMENTO, A desconstrução da história androcêntrica e o empoderamento de mulheres, p.5-6).
2 A Congregação das Irmãs da Divina Providência realiza um trabalho de assistência social, através da Rede Divina
Providência de Ação Social e Cidadania (REDIPASC), com sede no município de Canoas/RS. Atende três Casas Lar
em Canoas e quatro projetos sociais nos municípios de Viamão, Alvorada e dois em Canoas.
SANTOS, Elis Alberta Ribeiro dos ; MAI,Lucila Tresinha.
Mulheresque lutam:Comunidades periricas comoespaço detransformação pessoal e coletiva à luz dofeminismoblico
Revista Teopxis,
Passo Fundo, v.38, n.130, p.113-123, Jan./Jun./2021. ISSN on-line: 2763-5201.
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Fazer ressurgir da brasa o fogo da vida, que existe escondido em cada mulher deste espaço
subjugado pela soci e da de mode rna.
Este projeto surgiu a partir da libe ração dos espaços eclesiais disponibi li zad os pelas
paróquias: Santa Isabel/Viamão, Nossa Senhora Desatadora dos Nós/Alvorada, Nossa
Senhora Aparecida e Sant o Antônio/Canoas, para que as I rmãs da Divina Providência,
pudessem oferecer às crianças e adolescentes dessas comunidades, um ambiente de
promoção social e defesa da vida, conf orme a Lei 12. 435/2011 que atualizou a redação da
Lei da Organização da Assistênci a Social de 1993 (LOAS)
3
. Mesmo que o trabalho junto às
crianças e adolescentes viesse sendo realizado com foco no Serviç o de Convivência e
Fortalecimento de Vínculo
4
, visando um processo de integração pessoal e coletiva, com
atividades formativ as e culturais, todo o empenho não era o suficiente para fortalecer as
famílias dessas comunidades periféricas e gerar uma t rans f ormaç ão soc ia l.
Um dos fatores é o descaso do sistema econômico que as torna vulneráveis e vítimas
da desigualdade social que assola estas regiões periféricas. Conforme constatado na prática,
na su a maioria, são mulheres pobres, chefes de família e que não conseguem o sufic ie n te
para comprar comida, com baixa esc olari dad e , sem a formalização do vínculo trabalhista.
Outras ainda, são mulheres que morrem ao procu rar abortos clandestinos, são mulheres
espancadas; mulheres que lutam, criando seus filhos sozinhas; mulheres que se t ornam
alvos de ataques racistas. Para muitas a luta termina por leva-las ao assassinato. Pessoas
LGBTPQIA+
5
também encontram neste ambiente um espírito de acolhida, no qual podem
falar de suas dore s e sob re os prec onc e it os que sofrem. São estes retratos concretos e duros
que precisam encontrar e sp aços para se tornarem visíveis, debate ndo sobre questões de
gênero e, principalment e , trazendo para as paut as as sérias consequências, decorrentes das
violências que esses grupos sociais têm enfrent ado n as pe ri f e ri as d as c id ade s .
A Lei 11.340/06, Lei Maria da Penha
6
, tem como pri nci pal objetivo criar e
estabelecer os mecanismos necessários para coibir a violência doméstica e familiar contra
as mulheres, uma das formas mais g ra ve s de violação dos direitos humanos. Esta e outras
leis, de proteção às mulheres, são extremamente importantes e se faz necessário que
cheguem ao conhecimento de todas as mulheres, para que possam, não apenas tomar
3 A promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social, em dezembro de 1993, regulamentando a Constituição Federal,
representou o reconhecimento da política pública de Assistência Social sob responsabilidade do Estado e deu início a
uma das mais ricas trajetórias de política social em nosso país [...]. Este processo ganhou um novo marco histórico com
a aprovação, em 2011, da Lei 12.435 de 2011. Com a nova Lei, o Sistema Único de Assistência Social SUAS, passa a
integrar plenamente o escopo da Lei Orgânica da Assistência Social. São importantes mudanças abrigadas no texto legal
que acolhem os aspectos mais relevantes da construção recente do SUAS, ocorrida especialmente nestes últimos 7 anos,
após a aprovação da Nob-SUAS (Norma Operacional Básica) pelo Conselho Nacional de Assistência Social.
4 O Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos SCFV, é um Serviço da Proteção Social Básica do Sistema
Único de Assistência Social - SUAS. A REDIPASC desenvolve esse serviço nas unidades de segunda à se xt a-f e i ra, no
contraturno escolar, de forma a complementar o trabalho social com famílias, realizado por meio do Se rvi ço de
Proteção e Atendimento Integral às Famílias - PAIF. É uma forma de intervenção social planejada que cria situações
instigadoras, estimulando e orientando os usuários na construção e reconstrução de suas hi st óri as de vida, vivências
individuais, coletivas e familiares, cuja a finalidade é a prevenção do trabalho infantil e todas as formas de violências e
vulnerabilidades. Prioriza- se espe c i alme nt e as atividades lúdicas e recreativas, em f orm as de oficinas, no
reconhecimento de que toda criança e adole s ce n te tem o direito ao lazer, convivência e cultura, garantidos pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, sendo sua efe ti v ação um dever da família, da comunidade e a sociedade
em geral. Este trabalho é realizado em redes, em parceria com o poder público e a Igreja local.
5 De acordo com Botelho (2020), ao longo dos anos, as siglas do movimento, LGBT, sofreram mudanças para englobar
todas as identidades de gênero, afinal, seu principal objetivo é unir as pessoas que fazem parte dessa comunidade e
fazer com que elas se sintam representadas: G: Gays; L: Lésbicas; B: Bissexuais; T: Travestis; transexuais e
transgêneros; I: Intersexuais; P: Pansexu ais ; Q: Queer; A: Assexuais; +: S i nal utilizado para incluir pessoas que não se
sintam representad as por nenhuma das outras oi to letras.
6 A Lei 11.34 0 /06 , Lei Maria da Penha, cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher,
nos termos do § do art. 226 da Constitu ão Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Int e rame ri c ana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o
Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e outras providê nc ias .
SANTOS, Elis Alberta Ribeiro dos ; MAI,Lucila Tresinha.
Mulheresque lutam:Comunidades periricas comoespaço detransformação pessoal e coletiva à luz dofeminismoblico
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consciência de seus direitos, mas especialmente denunciar os abusos acometidos aos seus
corpos, à sua moral psicológica e assim lutar contra todas as formas de violê nc ia s.
De acordo com Federici
7
, a caça às bruxas que matou mulheres no passado
permanece atual. Para esta filósofa, as leis o são suficientes para combater a onda de
vioncia contra as mulheres. Além da camada jurídica, é preciso entender as origens, causas e
sintomas que se manifestam e estruturam a base da sociedade capitalista. Surge a necessidade
de uma releitura sobre a história: As mulheres tiveram maior probabilidade de serem
vitimizadas porque foram as mais destituídas de poder. Nesse sentido, Federici propõe que
a acumulação primitiva possui uma face obscura que gera opressão histórica às mulheres.
Calibã e a bruxa, de Sílvia Federici , é uma obra clássica do feminismo
anticapitalista. O livro examina o invest i me nt o do capitali smo no sexis mo e no
racismo, mostrando como a consolidação do sistema capitalista dependia da
subjugação das mulheres, da escravidão dos negros e indígenas e da exploração
das colôni as . Federici demonstra que o trabalho não remunerado
especialmente o das mulheres confinadas ao ambiente doméstico e dos
trabalhadores escravizados é u m suporte necessário ao trabalho assalariado
8
.
Ainda para a Autora, olhar a história sob a perspectiva das mulheres, nos diz o
porquê em vez de estar ligada de alguma forma às dinâmicas desencadeadas pelo
capitalismo, a libertação surge da luta e da resistência aut ônom as c ont ra e ss as d in âmi cas .
Ao compreender os direitos da mulher como parte integrante dos Direitos
Humanos, presentifica o alerta para a histórica discriminaç ão que as mu lh e re s sofreram e
sofrem, através de um discurso que se moderniza, mas se repete e faz com q u e alguns
direitos humanos, mínimos, como a integridade física, psíquica, libe r dade de ir e vir, e
acesso ao direito legal, não sejam garantidos efetivament e
9
.
Por esta razão, este trabalho de conjunto c ont a com ajuda de vários profissionais que
desempenham um papel i mport ant e , tanto no acompanhamento como na oferta de uma
formação profissional. O projeto conta com uma psic ólog a, coordenadoras/e s dos projetos
Sociais (com formação na área da assistência social e pe da gog i a) , assessorias jurídicas,
monitorias de cursos de capacitação e empreendedorismo e de outras áreas afins. Em
conjunto todos atuam para que realmente se viabilize emanci paç ão e a re s i liê n ci a.
1.1Oaproximardasmulhereshoje
O sonho de reunir estas mulheres, gradativamente, foi ganhando corpo e se concretizando.
Um primeiro encontro foi preparado e conduzido de forma atraente, com dinâmicas variadas,
uma calorosa acolhida, descontração, linguagem acesvel. Este e os demais encontros
aproximaram o corão dessas mulheres, facilitando a comunicão e a relação de confiança.
O desenvolvimento do projeto trouxe e m seu bojo descobertas positivas. Estar junto
a estas mulheres, através da linguagem que elas utilizam no cotidiano, abre possibilidades
de romper barre ir as e fazer despertar as vozes silenciadas pelo medo, vergonha e
incertezas. Nestas vozes se personificam os sonhos e as situações que as afligem,
impulsionando-as a emergir e imergir no espaço de acolhida que o grupo lhes proporci ona.
Construir um cotidiano solidificado nos sonhos e nas esperanças foi um dos desafios.
Para tanto, fez-se necessário promover encontros que visassem, entre outros objetivos, a
construção de um diagnóstico.
7 Silvia FEDERICI , Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: E le f ant e , 2017.
8 Jodin DEAN, A exploração das mu lhe re s e o desenvolvimento do capitalismo, p.1.
9 Lei Maria da Penha - Lei 11.340/06.
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Partindo d es t e movimento surgiu a ideia da ampliação do projeto para Pastoral da
Mulher marginalizada X Cultu ra do Encontro e transformação numa Igreja Sinodal. Com
as palavras chaves: mulheres bíblicas, empoderamento feminino, transformação. Os
principais objetivos que deram norte ao projeto são:
I - Em um diálogo e entreajuda, incentivar e ncon tros com as mulheres visando o
empoderamento e fortalecimento do feminino, trabalhando a autoestima, estimulando o
autoconhecimento pessoal.
II - Ampliar o círculo de amizad e , apoiando o fortaleciment o interior das mulhere s
que buscam o resgate da identidade pessoal de vida.
III - Olhar no espelho do passado que reflete o presente, para aprender, com os
exemplos de mulheres da Bíblia, os traços e atitudes de mulheres f ort e s que podem ajudar a
transformar a realidade que as envolve.
Desde o início o projeto teve como me t a atender aos desafios d e um novo jeito de
evangelização junto às mulheres ocultadas pela sociedade, apostando no poder existente
em cada mulher. Os textos bíblicos, relacionados ao contexto, contemplando uma
hermenêutica crít i ca feminista, serviram e servem como iluminação para a compreensão
da realidade e para o enfren tam e nto do cotidiano destas mulheres. A partir destas
experiências, visasse agregar outras que podem ser tocadas e movidas para esse processo de
libertação pessoal e coletiva.
Constatou-se no desenvolvimento do projeto que mulheres que carregavam nos
ombros a marca da hisria do sistema, aliceado no patriarcado, sentiam-se tristes,
des amparadas, sozinhas. E ram e o situações que estavam e estão presentes na vida da
maioria dessas mulheres , que subiam, sobem, desciam e descem a ladei ra do bairro em
mei o aos l ixos espalhados, caminhos cheios de sulcos rasgados pelas chuvas,
e nlameados e com odor quase insuportável
10
. Rostos ferido s, machu cados pelo
des caso. Ter um lugar onde se dizer, perceber a exisncia do eco foi importante para
o icio de uma nova hisria.
Muitos são os testemunhos, após terem vivenciado e experime nt a do os encontros. os
envolvimentos em espaços programados a partir da realidade de vidas sofridas. No
âmago portam um sonho e um vigo r inestimável. Trazemos presentes ecos de su pe ração
e resistência através do acolhiment o de alguns testemun hos :
Não somos mais as mesmas, hoje nós nos reconhecemos, uma olha para a outra, uma
ajuda a outra o que antes não acontecia, antes tínhamos medo uma da outra, cada uma
guardava um silêncio para si…”
Foi algo que foi acontecendo aos poucos e foi superando nossas expectativ as , enfim no
primeiro encontro foram 20 mulheres, depois 40, sem de mo ra tinha 60. Em cada
encontro a gente que gerou grandes mudanças em nossas vidas.
Infelizmente por causa da pandemia, nós não podemos nos encontrar e está fazendo
falta, e posso dizer que esse gru p o mudou muita coisa na minha vida, porque eu me
sentia isolada, sozinha, e muitas vezes sem o que fazer. Eu como sou uma pessoa
despojada, me juntei aqui e ficou maravilhoso, se vocês não têm nos seus bairros, peçam
para fazerem, pois aqui além de ter um espaço para nossos filhos, tem um espa ço para
nós também, um espaço de cuidado e carinho
O que foi mais gratificante pra mim, foi a proximidade das moradoras e nesse s
encontros que são propo rci onados para nós, a gente conversa, a gente conhece a
necessidade umas das outras e isso nos un iu . Como moramos numa comunida de pobre,
foi importante pois nos aproximo u e fortaleceu.
10 Realidade das mulheres do grupo do morro Aparecida de Viamão/RS.
SANTOS, Elis Alberta Ribeiro dos ; MAI,Lucila Tresinha.
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Esses ecos vêm com esperança, nutrida pela ref le o bíblica e pelas possibilidades
empreendedoras e emancipadoras que são construí das junto às mulh e re s. De pequenos
gestos, gradativam e nt e, vão surgindo sinais de ress u rre i ção, de vida que se entrelaça com
outras vidas, como as de seus filhos e de outras companheiras de caminhada.
São expressões de tantos outros rostos, como das mulheres encontradas por Jesus de
Nazaré, narrados nas Escrituras, apontadas por Teólogas Feministas, como sinal do Reino
de Deus. A representatividad e de mulheres que se dedicam ao aprofundament o dos estudos
bíblicos, define características importantes no movimento feminista na Teologia.
Elegemos algumas delas, em virtude de terem c ont ri bu íd o na linha de pensamento e na
filosofia de vida desses grupos de mulhere s as quais referenciamos no projeto
desenvolvido.
A motivação para soprar as cinzas e encontrar forças para essa re t omada de vida,
surge da Palavra de Deus. Pela Palavra reinterpretada essas mulheres deixam-se i lu mi nar.
Os estudos, reflexões e revelaçõe s as impulsionam a buscar novos modos de viver as
relações humanas, a igualdade e a diversidade. Cada uma age com o intuito de
reconhecerem-se. A part i r da experiência de e da c i ên ci a que caminham juntas ,
descobrem suas potencialidades e a grande força impulsionadora de um valor
imprescindível que vem de Deus Uno e Trino. É a Providênci a qu e age e transf orma v id as.
Mulheres bíblicas como Marta e Maria (Lc 10,38-42), a Mãe de Jesus (Lc 1,1s),
Maria Madalena (Jo 8,1-11), a mulher samaritana (Jo 4,5-42), a mulher encurvada (Lc
13,10-17), a Cananéia (Mt 15,21-28 ), não poderiam faltar neste movi me nt o tão especial. A
identificação com estas mulh e re s, é o q u e ajuda a tirar a venda dos olhos e enxergar a
realidade e o poder existente em cada ser: No dizer de u ma das c oorde n adoras do grupo:
Fazer emergir o poder dos sonhos e da resiliência.
1.2Mulheresidealizadoras
Todo este processo, aparentemente m u it o simples, gerou um movimento de buscas
de alternativas para efetivação da proposta. Trabalho árduo, que exige outras fontes de
conhecimentos em espe c i al de mulheres, teólogas feministas, que com coragem,
demonstraram por suas ações a bat alh a pela busca da verdade, da justiça e iguald ade de
gênero. Mulheres idealizadoras e de resgate da presença e da vi são f e mi ni st a da Bíbl ia e d e
seus ensinamentos, que sem temor de nu nc i aram as c ont radi ç õe s, levando adiante uma
leitura emancipadora e igualitária das Sagradas Escrituras. Mulheres que, por suas ações,
marcaram a história.
Elisa Salerno (1873-195 7 ), entre outras, é uma dessas mulheres sábias, que
encontrou nas lacunas da interpretação bíblica os fundamentos da exclusão feminina. Com
muito empenho buscou novos modos de fundamentar o bem viver, a partir de um intenso
e consciente envolvimento. No processo, descobre que a Palavra precisa estar conectada
com a vida e é este o segredo do saber e do sabor.
Elisa Salerno, mulher qu e aparece nas bibliografias quando se vasculha a história da
luta pela libertação das m u lhe re s , foi chamada de feminista cristã, dedicando toda a sua
vida pela afirmação da dignidade da mu lh e r, lutando contra todos os componentes sociais
da época (primeira metade do século XX) que mantinham as mulheres em si t u ação de
inferioridade: o capi tal is mo liberal que as explorava com cargas de trabalho muito pesadas
e baixa remuneração; o conservadorismo católico baseado na suje i ç ão da mulher em todos
os organismos da Igreja; a mentalidade da superioridade do homem sobre a mulher. De
acordo com Elisa:
SANTOS, Elis Alberta Ribeiro dos ; MAI,Lucila Tresinha.
Mulheresque lutam:Comunidades periricas comoespaço detransformação pessoal e coletiva à luz dofeminismoblico
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Fazer feminismo em Vicenza é o mesmo que querer cavar a terra com pregos
para encontrar um filete de água para matar a sede. conservadorismo,
desprezo em praticamente todos os lugares. Nas próprias mulheres encontrou
pouca colaboração em su as lutas: Será que ninguém se sente capaz de escrever
algumas linhas expondo seus julgamentos, suas ideias e sentimentos sobre a
condição da mulher, sobre suas necessidades, sobre seus deveres e direitos?
11
.
Conforme Salerno, ser feminista significa querer o aperfeiçoamento e a elevação das
mulheres na ordem doméstica, econômica, civil, intelectual, de acordo com os direitos que
lhes pertencem e, contrari ame nt e , ser antifeminista significa antes querer o status quo,
que a mulhe r, mesmo no futuro como hoje, deprimi d a e explorada, está destinada a sofrer
sempre
12
. Urge a necessidade da tomada de consciência, da luta pela libertação e a
proclamação do direito de ir e vir, direito de ser, di re i to de colocar suas potencialidade s e
de exibir as belezas presenteadas pelo Criador.
Hoje, a mesma história prolong ada ao longo de tantos séculos, se repete. Os estigmas
são encontrados vivamente nas mulheres, cujas condições de vida as colocam em situação
de vulnerabilidade. São mulheres neglig e nc iad as pela socied ade , pelo estado e pelo poder
patriarcal ainda instituído pelas mais diversas instituiç õe s.
Assim como Elisa Salerno, a marca de outras mulheres sábias nunca se exauriu e
retoma vigor, nos dias atuais, como os estudos e as reflexões de teólogas que impulsionam
suas igrejas a buscar novos modos de viver a igualdade e a diversidade, com o intuito de
reconhecer na diversidade um valor imprescindível para a no De u s U no e Trino.
Maria Clara Bingemer é professora d o Departamento de Teologia da PUC-RJ e
decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da mesma universidade. Ela é graduada
em Jornalismo, Me s tre em Teologia e doutora em Teologi a Sistemática, com vários livros
publicados, dentre eles, destacamos a obra: Experi ên ci a de Deus em Corpo de Mulh er. O
livro é uma coletânea de artigos sobre a questão de gênero e da teologia sobre o desafio de
pensar Deus desde a ótica da mulher. A mística baseada no sagrado feminino apresent a a
maternidade de Deus que interage com suas filhas ama das .
Outra teóloga biblista femini s ta é Elisabeth Fiorenza, conhecid a a nível
Internacional. A teóloga, depois da Segunda Guerra Mundi al, foi para Alemanha. Ali foi
uma das primeiras mulhe re s católicas a se formar em teologia, doutorando-se n a área da
Bíblia. Desde 1970 vive nos Estados Unidos e ensina exegese/interpretação bíblica
feminista (atualmente na Divinity School da Unive rsi da de de Harvard, Cambridge, Mass.)
e em outros países do mundo. Ao longo de su a vida, Fiorenza dese nv olve u uma
abrangente metodologia de interpretação bíblica feminista críti ca e libertadora, que ela
apresenta com paixão e primor em seu livro Wisdom Ways (Caminhos da Sab edo ria ) ,
publicado em 2001.
Ivone Gebara é brasileira, freira femin is t a. Pertence à Congregação das Irmãs de
Nossa Senhora Cône ga s de Sant o Agostinho e por décadas viveu no Nordeste do Brasil,
numa vida de inclusão no meio popular. De dentro da Igreja procura mud á-la. Dedica-se,
fundamentalmente, a partir de uma teologia feminista, desconstruir o direit o natural,
patriarcal e machista que a hierarq u ia católica pretende impor. Entre as obras, encontra-se
o livro que no momento oferece reflexões apropriadas para os trabalhos: Trindade, palavra
sobre coisas velhas e novas. Uma perspectiva ecofeminista.
Estas mulhe re s, teólogas feministas, contribuíram através de seus escritos, para
promover novas maneiras de interpretações bíblicas, tendo por premissa a perspectiva
11 Elisa SALERNO, Una penna inquieta, p.114.
12 Elisa SALERNO, Una penna inquieta, p.191.
SANTOS, Elis Alberta Ribeiro dos ; MAI,Lucila Tresinha.
Mulheresque lutam:Comunidades periricas comoespaço detransformação pessoal e coletiva à luz dofeminismoblico
Revista Teopxis,
Passo Fundo, v.38, n.130, p.113-123, Jan./Jun./2021. ISSN on-line: 2763-5201.
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feminista. Não é difícil para as mulheres, que fazem parte dos grupos, identificarem-se nas
reflexões abordadas e demons t radas pelas autoras acima nominadas, nas inquietações, nas
buscas de respostas, principalmente quando conseguem perceber e resgatar a atuão
libertadora do feminismo blico, para descobrir as dinâmicas do Reino anunciadas por Jesus.
E assi m vão se colocand o em movimento para ocuparem outros espaços, que são os
espaços de anúncio. A parti r do encontro com o Messias, do encontro consigo mesma,
tornam-se semeadoras do Reino de esperança e d e amor, parafraseando o que consta no
Livro de João, verbali zado pela mulher samaritana: Venham ver quem que me disse tudo
o que eu fiz! (Jo 4,29). Eis a dinâmica de um processo q u e é libertador.
1.3AformaçãoBíblicaeahermenêuticafeminista
Jesus com gestos e palavras acolhe e integra as mulheres na vida s oc ial, olhando-as
com ternura, defende sua dignidade e as acolhe como discípulas. Jesu s rompe tabus e
preconceitos, se aproxima delas sem nenhum temor, até se deixando acariciar por elas. Ele
ofereceu às mulheres relações sociais be m contrárias às do androc e nt ris mo da época. Ele
enaltece mulheres meretrizes (Mt 21,31); mulheres pobres (Lc 2 1, 1- 4) ; as def e nd e em
ocasiões em que s ão acusadas (Mc 14,3ss); cura os doentes mostrando compaixão com as
mães (Lc 7,11-1 9) ; lhes acesso ao saber religioso (Lc 10,38-42); lhes acesso ao
discipulado (Mc 15,40s) e aceita sustento de várias mulheres (Lc 8,1-3).
Segundo Arns (2004)
13
, os quatro evangelhos retratam o papel das mulheres em
relação a Jesus, especialmente durante seu ministério. Embora Lucas apresente narrativas
em que as mulheres aparecem subordinadas ao homem, coloca em destaqu e também Jesus
dando atenção às mulh e re s. É exclusivo do evangelho Lucano: o cântico de Maria (1,46-
56), a pecadora perdoa da (7,36-50), a narração de Marta e Maria (10,38-42), a mulher que
procura a moeda perdida (15 ,8 -1 0) , a mulher encurvada (13,10-17), Jesus consolando as
mulheres (23,27b-29).
É possível evidenciar essa presença feminina na genealogia de Mateus e no
evangelho da infância de Lu cas . Em Marcos todas as mulheres creram em Jesus com
exceção de Herodíades e sua filha. Em João vemos o evangelista dar atenção especial às
mulheres. Ali elas aparecem bastante e nvo lvi das por sua mensag e m e tornam-se
anunciadoras do Reino. Acima de tudo, elas emolduraram a vida de Jesus desde o seu
nascimento até a sua morte e ressurreição
14
.
Na árvore genealógica de Jesus apresentada por Mateus, vamos encontrar quatro
nomes de mulheres que foram matriarcas da história do povo de Israel: Tamar, Raab, Rute
e Betsabeia. De acordo com Arns (2004), a história das mães em cada geração mencionada
no texto (Mt 1,1-17) garante a futura realização da nova Aliança, através de Jesus Cristo,
centro da história da salvação.
A última mu lher que aparece na genealogi a de Jesus é Maria, a mãe do Salvador.
Maria abre as portas para a realização do projeto de Deus em sua vida ao ouvir a
saudaç ão do anjo Gabriel: Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está conti go! (Lc 1,28b).
Me smo sem ente nder , se ntiu-se envolvida pelo anúncio do anjo e depois de um diálogo
colocou-se a serviço do Reino: Eu sou a serva do S enho r; faça-se em mim segundo a tua
palavra! (Lc 2,38b). Em Maria é manifestada a glória de Deus p ara redenção do mundo,
a vinda do Messias é concretizada no seu Sim. Uma resposta d e amor e cumprimento a
vontad e de De us.
13 Paulo Evaristo ARNS, Mulheres da bíblia, p.22.
14 ARRUDA, Mu lhe re s na vida de Jesus: a história das primeiras discípulas, p.25.
SANTOS, Elis Alberta Ribeiro dos ; MAI,Lucila Tresinha.
Mulheresque lutam:Comunidades periricas comoespaço detransformação pessoal e coletiva à luz dofeminismoblico
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Ainda no Capítulo 1, do evangelho de São Lucas, aparece Isabel (Lc 1,39-45.56),
prima de Maria, que era estéril, no entanto, Deus também realiza nela sua obra de vida.
Isabel é escolhida para ser a mãe de João Batista, que vai preparar o caminho do M e s si as ,
tão esperado pelo povo de Israel.
Maria vai às pressas à casa de Isabel. O encontro das duas primas representa a
possibilidade da intervenção de Deus em meio à história da hu mani dad e . Maria grávida de
seis meses canta as maravilhas que Deus realiza em sua vida. É agraciada por ser a mãe do
filho de Deus. Magnificat (Lc, 1,46-55) é o canto de Maria que manifesta seu amor ao Pai e
o reconhecimento de sua obra red e nt ora e libertadora qu e também se r ea liz a através dela
em favor dos pobres e injustiçados. Um canto d e profecia e libertação qu e derruba os
poderosos de seus tronos, elevando os humildes (Lc 1,52 ).
Essas narrativas bíblicas do encontro de Jesus com as mulheres iluminam as
realidades em que se encontram as mulheres, qu e se colocam nesse movimento de busca e
libertação, e ass i m como Maria, cantam a graça da realização da promessa do Pai no seio da
humanidade.
Jesus andava pelos povoados, anunciando a boa notícia, quebrando preconceitos e
ideologias religi osas . Para tantas m u lhe re s Ele foi tocando, curando, libertando e
chamando para o seguimento e muitas permane ce ra m junto a Ele e aos doze, entre elas:
Maria Madalena, Joana, Suzana e várias outras mulhere s que ajudavam Jesus e os
discípulos com os seus bens (Mc 15,40-41 e Lc 8,1-3) .
Nessa perspectiva, podemos também trazer presente aqui, que para além do
patriarcalismo bíblico, muitas exegetas conseguiram extrair das sagradas escrituras uma
atuação libertadora de muitas mulheres tocadas por De u s. Lendo, estudando e atualizando
textos bíblic os atrelados a esses aspectos históricos e aos direitos femininos, muitas
mulheres das regiões periféricas vinculadas aos projetos vêm s e colocando nesse
movimento de libertação e transformação, assumindo um protagonismo, historicamente
negado.
Baseado na ação libertadora de Jesus que acolhe e integra mulheres em seu
movimento, este projeto idealizado com mulheres que se encontram em periferias, tem
proporcionado um elo vital entre elas e as pessoas que fazem parte de suas vidas, de modo
especial, com seus/as filhos/as. Sentindo-se amadas e acolhidas pelo grupo são tocadas
pelas experiências das mulheres que se encontraram com Je s u s e foram libertas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Encontramos nos textos bíblicos que versam sobre o feminismo, interpretações
importantes que se traduzem em práticas efetivas na atuação junto às mulheres, a partir
das reali d ade s dos lugares que são subalternizados pelo sis te ma econômico vigente, que
exclui e mata a população de pe ri f e ri a. O chão que se pisa torna-se solo sagrado, ecoando
dali as vozes daquelas que foram silenciadas pelo poder patriarcal.
As comunidades periféricas tornam-se lugares de emancipação, à medid a que são
oportunizados momentos de encontro, partilha de vida, formação de lideranças, estímu los
ao cuidado de si e da outra/o, momentos de encontros com quem sofre das mesmas dores.
A periferia subjugada é transformada, por essas mulheres, que assumem seu papel com
protagonismo diante das duras realidades que afetam seu s e r f e mi ni no.
Lugares de partilha em torno da Palavra de Deus tornam-se sementes geradoras de
vidas. As mulheres bíblicas, a partir da experiência do encontro com Jesus, são
transformadas por seu amor. Aprofundar o conhecimento destas mulheres nos encontros e
SANTOS, Elis Alberta Ribeiro dos ; MAI,Lucila Tresinha.
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partilhas de vida, pequenos milagres de ressurreição o acontecendo. Jesus integra, acolhe e
promove. Elas se conectam com Ele, com suas próprias vidas e realidades. Esta transformão
não se como em um passo de mágica, mas dentro de um processo, não ausente de dores e
sofrimentos, no entanto, desejosas de poder se encontrar e valorizar suas próprias hisrias,
com passos gradativos mediante um processo de resiliência e emancipação.
Todo esse processo de busca de alternativas está diretamente ligado à proposta do
Evangelho de Jesus que integra e acolhe mulheres em seu discipulado de iguais. Nós, como
Irmãs da Divina Providência, a partir da opção de estarmos inte ira me nt e ligadas às caus as
das/os pobres, fazemos desses momentos de encontros, espaços de nossa atuação conjunta,
como mulheres consagradas. Estamos juntas a essas mulheres, aprendemos muito com elas
e nossa missão é de também estar nesse movimento de luta pelos direitos que nos foram
negados, durante toda história, em todas as esferas e den tro d as I ns ti t u õe s.
Poderíamos nos perguntar: Por que, ainda hoje, somos su bj u g adas quando queremos
participar da construção de uma sociedade mais ju st a e igual it ári a? O lugar da mulher está
em qualquer lugar que ela queira estar. Sentimo-nos sempre pressionadas a lutar por
nossos direitos, porque enquanto houver uma sociedade alicerçada sob os preceitos do
patriarcado, as mulheres permanecerão sofrendo violências. Romper com essas estruturas
de poder é nosso maior desafio.
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(mestrado) Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
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