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a pluralidade, compreendida, desde sempre, como algo a ser suprimido. As es tra té g i as para
a eliminação da pluralidade foram a violê nc ia e a imposição do crist i ani smo como a
religião “ci vi liz adora de selvagens”, como os colonialistas se referiam aos povos indígenas e
das “não pessoas”, como eram identificadas as pessoas africanas es crav i zadas . Apenas com o
batismo, indíge nas e africanos s e riam reconhecidos como seres humanos. O Brasil,
portanto, não construiu sua história a partir de experiências de diálog o e inclusão. Nossa
história é mais caracterizada por autoritarismos, violências e sub mi ss ão. Isso resultou no
extermínio e apagamento de diferentes culturas.
No entanto, ao mesmo tempo, que temos este passado v iol e nto e intolerante,
historicamente, ocorreu um movimento de “negação da violênc ia e da intolerância”.
Lilia Moritz Schwarcz chama a atenção de que se passou uma espé c i e de “verniz”
sobre a história brasileira que justifica a dominação e até a elogia, ao mesmo tempo que, a
encobre e minimiza.
Talvez por isso, durante tanto tempo existiu quem definisse a escravidão no Brasil
como a “melhor”, quando não é possível conceber um sistema como esse de
maneira positiva ou “mais” positiva; o racismo por aqui vigente como “menos
perverso”, mesmo diante de índices que revelam o oposto; a convivência de
gêneros como “idílica”, a despeito da violência que a acompanha; a relação com os
indígenas enquanto “amistosa”, apesar de nossa história mostrar o contrário...”
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Para a autora, esta tendência à negação da característica violenta de nossa história é
uma f orma de intolerância, porque não permite que a crítica e o atrito sejam percebidos. A
ausência da crítica e do atrito forja uma falsa sensação de paz – “a paz de cemitério” – se
não existem contradições e problemas não há razão para debate e confrontos. A s
ambivalências e as dissonâncias s ão silenciadas s ob o argumento de que o Brasil é o país da
democracia racial, da cordialidade e da coexistência e nt re diferentes culturas e religiões.
Sob esta “paz de cemitério” invisibili zam-s e os conflitos que estão diariamente latentes e
presentes. O mito das horizontalidades oculta nossa cultura autoritária e vert ic ali zada. É
negando as hierarquias que elas são afirmadas e sutilmente impostas nas re laç õe s sociais,
perpetuando a cultura da escravização nas relações domésticas desiguais. Exemplo disso
identifica-se na forma como são estabelecidas as relações com as t rabal had oras domésticas.
Há uma elite q u e se nega reconhecê -l as como trabalhadoras e profissionais com direitos
trabalhistas, com direito ao descanso e ao lazer. Durante a pandemi a da COVID-19, esta
relação hierarquizada e com traços fortes da cultura escravoc rata ficou bastant e visível
quando muitos não concederam às trabalhadoras domé s t ic as o direito ao isolamento social,
garantindo o pagamento. Estes distanciamentos sociais hierárquicos são disfarçados com
comportamentos de uma afetuosidade falsa, que jamais permite que se ultrapasse a
fronteira entre “casa grande e senzala”.
Não é possível conversar sobre as intolerânci as no Brasil sem olhar para a história
brasileira, com abertura para retirar as muitas camadas de tradições inventadas e história
distorcida com o objetivo de negar os conflitos, os autoritarismos, o racismo e a violê nci a
sistêmica e estrutural que caracterizam nossa trajetóri a como paí s.
Se hoje vivemos em contextos polarizados, se a cultura do ódio se sobre ss ai , é
importante assumir q u e isso é a eb ul iç ão de questões que o Brasil não resolveu, entre estas
questões estão o racismo, a misoginia, a imposição de uma única religião e a negação de
outras, o patrimoni ali smo casado com o patriarcalismo. Todas estas questões, geradoras de
desigualdades e violências, his t ori came n te foram abafa das com a criação de mitos como o
da democracia racial, da festividade e do espírito acolhedor do brasile ir o.
4 Lilia Moritz SCHWARCZ, Sob re o autoritarismo brasileiro, posição e-book 2859.
BENCKE, Romi Marcia
Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor “Cristo é a nossapaz.Doque estava dividido fez uma unidade.” (Ef 2,14)
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.38, n.130, p.19-25, Jan./Jun./2021. ISSN on-line: 2763-5201.