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A memória do Elohim criador da natureza, de tudo qu e existe , não deve ser, em
hipótese alguma, separada da memória do Yahweh salvador dos pobres e dos oprimidos.
Bem-aventurado aquele cuja esperança está em Yahweh, seu Elohim,
que fez os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há
e mantém para sempre a sua fidelidade.
Que faz justiça aos oprimidos e dá pão aos que têm f ome .
Yahweh liberta os encarcerados. Yahweh abre os olhos aos c eg o s,
Yahweh levanta os abati dos , Yahweh ama os justos.
Yahweh guarda o peregrin o, ampara o órfão e a viúva,
porém transtorna o c a min ho dos ímpios.
Yahweh reina para sempre; o teu Elohim, ó Sião, reina de geração em geração. Aleluia!
(Sl 145,5-10 e i nú me ros outros Salmos; ver, também, Jt 9,11-12).
Usar a narrativa d a criação para justificar a dominação sobre a natureza e sobre os
outros s er e s humanos será, sempre, uma blasfêmia.
Não podemos esquec e r que a primeira página do Gênesis encont ra, possivelmente,
sua origem li te rári a nos capítulos 40-55 do livro de Isaías, conhecido como Segundo
Isaías
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. Estas páginas nasceram nos momentos difíceis em que escravos e escravas viviam
oprimidos n o cativeiro em Babilônia.
Foi deste grupo de excluídos e excluídas que surgiu a boa not íc i a. Lá, do fundo do
poço, surgiu uma teologia com dimensões completamente novas, inauditas, mas que vinha
acontecendo desde o princípi o, desde sempre (Is 41,26; 43,19).
É o anúncio do Deus Criador, da grande mãe, a única mãe geradora da vida de todos
e de tudo: “Eu t e formei,... eu te fiz,... eu te criei,... eu te modelei,... eu t e tomo pela mão,... eu te
ajudo,... eu estou contigo,... eu te dou forças,...”.
Nestas páginas, Deus deixa de ser somente o Deus de Israel. Deus é Deus de todos,
até dos filhos se m família, dos sem genealogia, dos sem povo, das culturas oprimidas,
excluídas, m arg in ali zadas (Is 45,9-12). Todos são filhos dele, também os não judeus, filhos
da violên ci a, da guerra e da deportação (Is 45,23-24).
Nunca um a mensagem foi tão universal, tão abrangente, tão inclusiva!
Esta gente sofrida nos fala de um só Deus, mas com u ma incrível quantidade de
facetas. Tudo que é fonte de vida para o pobre cansado e desanimado é parte deste Deus
que é único, mas que para cada um dos pobres assume um rosto diferente, capaz de gerar
vida. Deus é único, não porque exclui, mas porq u e reúne em si mesmo t odos os element os
de vida das religiões populare s . Encontramos nele o Deus cananeu da chuva e do orvalho
fecundante (Is 45,8; 55,10-11); o oleiro modelador da mitologia mesopotâmica (Is 45,9); o
dominador dos mares agitados (Is 51,15) e, de maneira especial, a deusa-mãe, comum a todas
as cult ura s semitas (Is 46,3-4; 49,15; 66,9-13). Pela primeira vez Deus é chamado de Pai:
Repara desde os céus e olha desde a tua santa e gloriosa morada: Onde estão o teu ciúme
e a s tua s força s? O frêmito das tuas entranhas e das tuas misericórdias
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para comigo
acabou? Porque tu és n os so Pai, quando Ab raão não n os conhece, e Israel não nos
reconhece; tu, Yahweh, és nosso Pai; nosso Redentor desde a antiguidade é o teu nome
(Is 63,15-16).
10 A vitória de Deus contra trevas, águas, abismos e desertos, as forças caótic as da morte, estão presentes de maneira
significativa, no Segundo Isaías (Is 42,7; 43,2; 43,16; 44,3; 44,4; 45,7; 48,21; 49,9; 50 ,2 ; 51,3; 51,10) Diga-se o mesmo
da palavra tohu / caos. O míti co adversário das origens, também, está muito presente nos textos do Segundo Isaías (Is
34,11; 40,17. 23; 41,29; 44,9; 45,18; 49,4). “Porque assim diz o Senhor, que criou os céus, o Deus que formou a terra,
que a f e z e a estabelece u ; que não a criou para ser um caos/tohu, mas para ser habitada: Eu sou o Senhor, e não há
outro” (Is 45,18). Ver, também, GALLAZZI, Sandro. Por meio dele o desígnio de Deus há de triunfar. In: Ribla, v.21.
Petrópolis: Vozes, 1995, p.11-31.
11 Literalmente “úteros”. É um Deus Mãe e, agora, Pai.
GALLAZZI,Alessandro.
Envia teu Espíritoe haveráCriação.
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.38, n.130, p.39-50, Jan./Jun./2021.ISSN on-line: 2763-5201.