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FRANCISCO DE ASSIS,
A PAZ VEM DO BEIJO
NA FACE DO IRMÃO LEPROSO
1
FRANCIS OF ASSISI,
PEACE COMES FROM KISSING
THE LEPER BROTHER'S FACE
Pe. Ivanir Antonio Rampon*
Resumo: Neste breve texto de teologia narrativa, faremos uma leitura
histórico-crítica da vida de Francisco. Embora esteja pressuposto, não
iremos apresentar um estudo exegético das fontes francisclarianas. Nosso
objetivo é mais humilde: narrar, brevemente, como surgiu e como se
desenvolveu a opção pelos pobres na vida de Francisco e como ele viveu a
espiritualidade do seguimento a Jesus Cristo, na conformidade com os pobres.
Palavras-chave: Francisco. Alegria. Paz. Ecologia. Pobres.
Abstract: In this brief text on narrative theology, we will make a
historical-critical reading of the life of Francis. Although presupposed, we
will not present an exegetical study of Francisclarian sources. Our objective
is more humble: to narrate, briefly, how the option for the poor emerged
and developed in Francis' life and how he lived the spirituality of following
Jesus Christ, in conformity with the poor.
Keywords: Francis. Joy. Peace. Ecology. Poor.
v. 38, n. 131, Passo Fundo,
p. 58-65, Jul./Dez./2021,
ISSN on-line: 2763-5201
DOI: https://dx.doi.org/10.52451/teopraxis.v38i131.54
* Possui graduação em Filosofia pela
Universidade de Passo Fundo (1996), em
Teologia pela Itepa Faculdades (2000),
mestrado em Teologia pela Faculdade Jesuíta
de Filosofia e Teologia (2004), doutorado em
Teologia Espiritual pela Pontifícia
Universidade Gregoriana de Roma (2011). É
professor da Itepa Faculdades.
Email: iarampon@yahoo.com.br
https://orcid.org/0000-0003-2882-440X
Recebido em 14/03/21
Aprovado em 12/06/21
1 Este texto foi elaborado a partir da dissertação de mestrado do autor intitulada A opção
pelos pobres em São Francisco de Assis (2005).
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São Francisco de Assis, ainda muito jovem e cheio de sonhos, ouviu a chamada
de Jesus para ser pobre como Ele e restaurar a Igreja com o seu testemunho. A
tudo renunciou com alegria e é o santo da fraternidade universal, o irmão de
todos, que louvava o Senhor pelas suas criaturas (CV 52).
Francisco de Assis, ainda hoje, exerce forte atração, inclusive fora da esfera cristã. São
inúmeras as pessoas devotas do santo, as apaixonadas pelo profeta, as admiradoras da sua
ternura às criaturas, as maravilhadas pelo seu espírito pacifista, as extasiadas pelo seu vigor
na defesa de um grande ideal de vida e as fascinadas pela sua opção radical pelos pobres.
Francisco não tinha um belo corpo, nem grande ciência e títulos de nobreza. Faltava
tudo o que poderia fazê-lo figurar entre os homens ilustres da cristandade, embora tenha
sido escolhido, em 1999, pela revista Times, o homem do milênio.
A força de Francisco estava em querer viver o Evangelho... Quando a Igreja queria ser
a senhora do mundo, ele quis ser o menor de todos; quando a burguesia queria muito
dinheiro, ele quis ser o mais pobre entre os pobres; quando se faziam guerras santas e
cruzadas contra os muçulmanos, ele quis dialogar com o sultão do Egito; quando o
machismo impedia uma maior atuação das mulheres, ele valorizava Clara e outras. Desde
modo, Francisco encontrou um rosto de Deus diferente daquele do senhorio da Igreja e das
guerras santas. Seu Deus estava ligado ao que havia de mais fraco e menor no mundo.
Neste breve texto, vamos expor alguns pontos teológicos-espirituais, fazendo uma
leitura histórico-crítica da vida de Francisco. É provável que o leitor ou a leitora intuirá a
sintonia espiritual existente entre Francisco de Assis e o Francisco de Roma; entre o
Francisco da Perfeita Alegria e o da Alegria do Evangelho. Intuique ambos cantam e nos
convidam a cantar Laudato Si´ mio Signor; buscam e nos convidam a construir um mundo de
Fratelli Tutti. No dizer do próprio Papa:
Tomei o seu nome por guia e inspiração, no momento da minha eleição para
Bispo de Roma. Acho que Francisco é o exemplo por excelência do cuidado pelo
que é frágil e por uma ecologia integral, vivida com alegria e autenticidade. (...)
Manifestou uma atenção particular pela criação de Deus e pelos mais pobres e
abandonados. Amava e era amado pela sua alegria, a sua dedicação generosa, o
seu coração universal. Era um místico e um peregrino que vivia com
simplicidade e numa maravilhosa harmonia com Deus, com os outros, com a
natureza e consigo mesmo. Nele se nota até que ponto são inseparáveis a
preocupação pela natureza, a justiça para com os pobres, o empenhamento na
sociedade e a paz interior (LS 10).
1 UM TÍPICO JOVEM BURGUÊS
Francisco de Bernardone nasceu por volta de 1182, filho de Joana e Pedro
2
. Seu pai
era um dos homens mais ricos de Assis, pertencente à classe dos burgueses. Estes detinham
o poder econômico, mas não o político. Pedro sonhava que através de seu filho Francesco
conseguiria a ascensão social e política.
A infância de Francisco foi marcada pelos tumultos de guerras entre papado e
império, entre nobres e burgueses. O adolescente frequentou a escola e a catequese na Igreja
de São Jorge, onde aprendeu a fazer cálculos algo necessário para a sua classe social. Com
2 Fazemos uma leitura crítica das Legendas (textos hagiográficos), no sentido, de através das coincidências, diferenças e
até contradições existentes nelas, apresentar os dados históricos mais aceitáveis pelos estudiosos do francisclarianismo.
Quem é versado naqueles estudos, sabe, por exemplo, que o mesmo autor, Frei Celano, escreveu duas Legendas com
diferenças bem notáveis entre elas e com fins diferentes. Neste breve artigo, não vamos nos deter na análise histórica-
exegética dos textos e contextos francisclarianos, tendo, no entanto, a análise por pressuposta. Por ser um texto-resumo,
não colocaremos a bibliografia.
RAMPON, Ivanir Antonio
Francisco de Assis, a paz vem do beijo na face do iro leproso
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quinze anos ajudava seu pai na loja, mas o gostava tanto de ser comerciante. Preferia sair
com os amigos para as festas e cantorias, fazer gracejos e ser o centro das atenções.
Distinguia-se pela voz melodiosa, estilo alegre e elegante e esbanjamento de dinheiro. Por
isso, logo se tornou o líder da juventude mais rica de Assis.
Em 1198, aproveitando uma brecha do Conde Conrado, os burgueses expulsam seus
rivais, os nobres, de Assis e proclamam a independência comunal. Como outros jovens
burgueses, Francisco deve ter vibrado com os ares de liberdade. Entre os expulsos estava
uma menina de cinco anos, chamada Clara de Favarone. Mas os nobres logo se aliaram com
os cidadãos de Perusa, cidade inimiga de Assis. Francisco, com 20 anos, participou da
guerra. Perusa venceu e Francisco foi feito prisioneiro.
Por um ano, o jovem sentiu na carne os sofrimentos da prisão superlotada, os maus
tratos, os rigores do inverno, a alimentação deficiente, as doenças. Por pouco não morreu!
Resgatado pelo pai, demorou quase um ano para se recuperar das doenças e da depressão.
Recuperado, preparou-se para participar de mais uma guerra com um famoso cavaleiro. A
vitória daria a sua família o título de nobreza. Enfim, Francesco iria realizar o sonho do pai.
Durante a ida para a guerra, no entanto, decidiu abandonar as armas para o desencanto do
pai. Ao mesmo tempo, a loja foi se tornando insuportável. Francisco preferia ir para os vales
da Úmbria rezar e ficar junto aos mais pobres, os leprosos.
2 A FORÇA DE UM BEIJO NO IRMÃO POBRE
Na verdade, tudo começou a mudar quando certa vez lhe apareceu um leproso com o
rosto deforme, de carnes purulentas, com mãos apodrecidas à espera de esmolas. Francisco
sentiu repugnância e até raiva por causa daquela aproximação. A primeira reação foi a de
desviar aquele rosto. Dando meia volta com o seu cavalo, tentou fugir. Mas percebendo a
sua covardia, desceu do cavalo e correu até o leproso deixando-lhe o calor de um beijo. O
leproso ficou atônico.
Francisco sentiu uma grande felicidade. Sentiu uma doçura no corpo e na alma! O
beijo o fez sentir o corpo e a alma do irmão pobre e infeliz; fez abandonar famílias e
riquezas. Pouco tempo depois irá morar entre os leprosos, pobre entre os pobres! Será o
mais novo sem-teto e sem fortuna, no entanto, feliz.
3 RECONSTRUINDO A IGREJA DOS POBRES
Depois do beijo no leproso, o amor a Deus crescera em Francisco. Por isso, ele
procurava locais solitários para ficar com o Senhor. Certo dia, foi até a Igreja de São
Damião. Nela havia um crucifixo bizantino que, do ponto de vista estético, não era
considerado belo. Em uma manhã de janeiro, ele estava rezando com os olhos fixos naquele
crucifixo quando, segundo as fontes francisclarianas, percebeu o crucifixo convidando-o
para restaurar a Igreja:
Francisco, não vês que minha casa está destruída? Vai, portanto, e restaura-a
para mim. Tremendo e admirando-se, ele diz: Fá-lo-ei de boa vontade,
Senhor. Ele entendeu que lhe fora dito daquela Igreja, que por causa da extrema
antiguidade, ameaçava uma ruína próxima. Por causa desta palavra que lhe foi
dita, ficou repleto de tanto júbilo e iluminado de tanta luz que na sua alma sentiu
verdadeiramente que fora o Cristo Crucificado quem lhe falara.
Foi então até a loja de seu pai, pegou alguns brocados dirigindo-se, em seguida, a
cavalo, até a feira de Foligno. Vendeu as roupas e até o animal, e entregou o dinheiro ao
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sacerdote de São Damião para que este procurasse reconstruir a Igreja e sustentar os pobres.
Mas o padre não aceitou porque tinha medo da reação de Pedro Bernardone. Frustrado,
Francisco jogou o dinheiro fora. De fato, não era o dinheiro que iria reformar a Igreja, mas
a solidária opção pelos pobres.
4 TIRANDO AS ROUPAS BURGUESAS
Refletindo sobre seu modo de proceder, Francisco intuiu que teria um conflito com o
pai. Cheio de medo, foi se esconder, sendo visitado por um amigo que lhe levava alimentos.
No esconderijo, sentiu uma confusão sentimental. Por um lado, estava alegre aquele beijo
transformara a sua vida e, por outro, estava com medo da reação dos familiares, dos
amigos, da cidade. Suas angústias eram explicitadas na constante oração. Aos poucos, seu
espírito foi sentido serenidade. Depois de um mês, regressou a Assis decidido a apresentar
as razões de sua opção e enfrentar as consequências. Acusado pelo pai de mau uso do
dinheiro, em público tirou as roupas e disse:
quero restituir-lhe com espírito alegre não somente o dinheiro que é
proveniente de seus bens, mas também as vestes. Agora direi livremente: Pai
nosso que estais nos céus, não pai Pedro Bernardone, a quem devolvo - eis aqui -
não somente o dinheiro, mas entrego também todas as vestes.
Após renunciar à herança diante do bispo da cidade, Francisco viajou para Gubbio,
levando uma vida de oração e de serviço aos leprosos. Mas, o desejo de reconstruir a igreja
de São Damião não lhe saía da cabeça. Por isso, retornou a Assis e iniciou a reconstrução
sentindo nas mãos os calos de pedreiro. Ele peregrinava pelas ruas mendigando pedras para
reconstruir a casa do amigo Jesus e dos amigos pobres. De fato, a igrejinha de São Damião
era periférica e sem importância. Lá os pobres se encontravam para rezar.
Enquanto, reconstruía igrejinha, o padre, seu amigo, resolveu repartir a comida com
o pedreiro, mas este não concordou com tal privilégio pois o diferenciava da maioria dos
pobres. Então, resolveu ir mendigar seu próprio alimento. grimas rolaram de seu rosto e
o estômago se revoltou diante do mexidão considerado comida de cães. Ele, que antes
presidira banquetes de ricos, alimentava-se, agora, da comida de mendigos e leprosos.
Francisco, no entanto, ainda não compreendia que mais do que reconstruir as
paredes, era preciso reconstruir a Igreja dos pobres. Aos poucos, compreendera a
profundidade de seu chamado vocacional: reconstruir a casa do amigo, buscando a
irmandade na paz e na solidariedade com os pobres, justamente, quando a instituição
eclesial, estava mergulhada em guerras e na busca de domínios.
5 FAZENDO NOVAS AMIZADES
O Poverello fez várias amizades com esmoleres de Assis com quem repartia os
alimentos recolhidos e, vários deles, devem tê-lo ajudado a reconstruir a Igreja,
transportando pedras e levantando muros. Perto de São Damião estava o leprosário de São
Salvador. Lá, com seus novos amigos, Francisco ficava horas e até semanas. Seus gestos
eram de carinho, atenção, acolhida, cuidado. Com eles rezava, cantava, brincava, aprendia,
chorava, enfim, vivia! Desde modo reconstruía a Igreja de pedra, mas também a Igreja de
seu coração com as pedras das novas amizades. Se por um lado, havia pedras que
machucavam, havia outras que ajudavam a construir a Igreja dos pobres de Jesus Cristo.
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6 A IRMÃ CLARA
Aos poucos, a radicalidade de Francisco começou despertar admiração em outros
jovens. Alguns fizeram gestos ousados, abandonando a nobreza e a burguesia para viverem,
com ele, a pobreza e a irmandade. Entre as jovens, estava Clara de Favarone Offreduccio,
uma bela moça de treze anos, de família nobre. Ela teria dado esmolas, às escondidas dos
familiares, para que que Francisco comprasse pedras usadas na reforma da igreja de São
Damião, não imaginando que seria, posteriormente, uma das pedras mais preciosas da
igrejinha dos pobres. O rosto iluminado de Francisco lhe parecia autêntico, verdadeiro, sem
formalismos corteses, sem gestos ensaiados, sem enganos sociais. Era tudo diferente do que
via em sua própria casa, entre nobres...
Francisco tocara o coração de Clara, mas também fora tocado pelo dela a ponto de ir
procu-la para os secretos encontros. O detalhe mencionado é importante, pois destaca a
mediação do Poverello na vida de Clara, mas tamm a busca de Clara, uma vez que depois os
Offreduccio tentaram cul-lo pela loucura dela... No Testamento, a Poverella enfatiza que a
decio de deixar tudo para seguir a Jesus na pobreza e humildade foi pessoal e livre. Para ela, a
iniciativa foi de Deus e o Caminho é Jesus Cristo: o Filho de Deus fez-se para nós o Caminho
(cf. Jo 14,6; 1Tm 4,12), que nosso bem-aventurado pai Francisco, que o amou e seguiu de
verdade, nos mostrou e ensinou por palavra e exemplo. Francisco não é o caminho, mas Jesus é
o caminho de ambos. Portanto, Clara percebia o Poverello como parceiro exemplar de caminhada.
7 A PREGAÇÃO DA PAZ
Francisco e seus primeiros companheiros descobriram que reconstruir a casa do
Crucificado não era somente colocar pedra sobre pedra, mas retornar ao Evangelho da
pobreza e da missão. Era dirigir-se ao encontro dos homens e mulheres, sem ouro nem
prata, sem nenhum poder de senhorio, sem garantias deste mundo, mas impulsionado pelo
sopro de humildade que havia levado o Filho de Deus a vir até s, caminhando humilde e
pobre nos caminhos do mundo para anunciar a Boa Notícia.
Começaram a andar pelas ruas, povoados e cidades desejando a paz e convidando as
pessoas para ouvirem a pregação numa das praças. Iniciavam a pregação desejando a paz,
pois sabiam que os corações eram alimentados por guerras, cobiças, ganâncias, egoísmos,
paixão pelo dinheiro. Em seguida convidavam para a mudança de vida, ou seja, para que
buscassem viver com mais coerência a mensagem de Jesus.
Conseguiram penetrar no íntimo de muitos de seus ouvintes, despertando
admirações. O carisma francisclariano contagiou e continua contagiando milhares de
pessoas que partem pelo mundo anunciando a paz, com as mãos e corações desarmados...
Neste sentido, a paz não é algo intimista e nem se limita a acordos políticos estratégicos,
mas é renovação de si e da sociedade. A paz anda de mãos dadas com a irmandade e tem
caráter pessoal, social e cósmico.
O novo movimento religioso e popular contrastava com a situação hegemônica
eclesial. Abades e bispados eram verdadeiros senhores feudais e suas grandes preocupações
giravam em torno da arrecadação de impostos, preparação de pompas e guerras. Conforme
Leclerc, mais que reflexo evangélico, a Igreja era uma grande potência do mundo, longe do
Evangelho
3
. Estava instalada numa cristandade sólida em que o Evangelho não soava bem.
Francisco recusa-se a instalações fixas e pomposas e sua preocupação era anunciar, como
pobre, o Evangelho da Paz.
3 Eloi LECLERC, Francisco de Assis: o retorno ao Evangelho, p.45.
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No século XIII, as moedas de ouro e prata passaram a ser mais apreciadas e desejadas.
Porém, onde elas aumentavam também aumentava a falta de irmandade. Francisco e seus
primeiros irmãos ao dirigirem-se às cidades locais onde moravam comerciantes,
cambistas, artesões... e pobres renunciavam o pacto com o ídolo. Perceberam que a pessoa
anunciadora da Boa Nova da Paz não poderia concorrer na busca de riquezas e poder.
Somente a pobreza era caminho verdadeiro de irmandade.
8 LUTANDO PARA SALVAR O IDEAL
Em menos de dez anos, milhares de jovens juntaram-se a eles, renunciando riquezas e
vivendo a minoridade entre os pobres. No entanto, com o crescimento do grupo, houve
conflitos, pois, havia os que defendiam a necessidade de abandonar a vida entre os pobres e
morar nos palácios, buscando o sucesso da Fraternidade (do grupo). As buscas de fama,
glória, honras os afastavam do mundo dos pobres e os devolviam para o mundo que
Francisco renunciara após o beijo recebido de um leproso. O Fratello lutou contra isto até
morrer. A luta para salvar o ideal lhe custou muitas dores, acusações, desrespeitos.
9 FAZENDO A PAZ COM OS IRMÃOS MUÇULMANOS
O ano de 1219 é histórico para as pessoas que sonham com a paz e o diálogo inter-
religioso. Francisco e Iluminado foram até os cruzados e mantiveram contato com Melek-
el-Kamel, o sultão do Egito. O Poverello, então, deparou-se com uma poderosa cristandade
sedenta de guerra ao passo que ele era um pobre cristão com sede de paz. O seu bom
relacionamento com o sultão e outros muçulmanos o fez entender que a problemática
estava na submissão dos sarracenos aos interesses impostos pela cristandade sequiosa de
glória, poder e dinheiro. Ao proclamar a paz, Francisco rompia com o esquema de opressão.
Se a opção pelos pobres tivesse sido a opção da Igreja naquele momento, a paz teria sido
possível.
10 FIDELIDADE AO DEUS-CRUCIFICADO
Em 1223, Francisco celebra com intensidade o Natal do Menino pobre e indefeso
nascido em Belém. No mundo em que o dinheiro falava mais alto, e clérigos e frades
buscavam honrarias e grandezas, era preciso redescobrir a pobreza e a humildade de Deus.
No ano seguinte, Francisco e alguns dos primeiros companheiros dirigiram-se ao
Monte Alverne, a fim de meditar durante a Quaresma de São Miguel. Na metade de
setembro de 1224, Francisco, sentindo-se um vil verme e inútil servo, em prantos,
suspirava a Deus pois, meditava sobre o seu fracasso em todos os empreendimentos. Foi,
então, que compreendeu profundamente que o seu Deus era o Jesus cruciicado. Assim,
morreria sem sucesso, a saber, sem ver os muçulmanos convertidos, o sultão batizado, a
Igreja sendo mais sinal do Evangelho, o mundo mais fraterno e pacífico, a Ordem vivendo a
opção pelos pobres em conformidade com os pobres. Até na morte seria um autêntico
seguidor de Cristo pobre e crucificado.
Depois do retiro no Alverne, Francisco continuou sua missão de pobre pregador da paz
e de servidor dos leprosos. Queria recomeçar tudo e até voltar a ser desprezado como
antigamente.
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11 O CÂNTICO AO IRMÃO SOL
No inverno de 1225, todo o vigor do corpo de Francisco se enfraqueceu. A carne
estava consumida e a pele aderida aos ossos. Estava sendo doloroso suportar a cegueira e as
outras enfermidades. Assim, ele quis retornar a São Damião para ficar com Clara e as outras
irmãs. Depois de uma noite de grandes tormentos, mas também de certeza de que
participaria da plenitude do Reino de Deus, compôs um novo louvor ao Senhor que
recebeu, posteriormente, dois complementos, um sobre o perdão e a paz e outro referente à
irmã morte.
É impressionante as coincidências das conclusões dos novos estudos sobre ecologia e
as profundas intuições que Francisco poetizou no Cântico ao Irmão Sol. O Fratello
percebeu a transparência de Deus nas criaturas e o rosto de Cristo nos pobres. Ele o
uniformizou todos os seres, mas também não admitia que o ser humano fosse o monarca
das outras espécies. A sua busca da irmandade cósmica encontrava fundamento espiritual na
opção pelos pobres.
12 A IGREJA MAIS AMADA É A PEQUENINA DOS PEQUENOS ...
Em setembro de 1226, chegando a hora do trânsito, vários iros se dirigiram a
Assis para se despedirem e receberem a bênção do Poverello. Francisco, que nesta
ocaso estava hospedado no Palácio do bispo, quis ir até a Porcncula, a pequenina
casa de Deus e dos pobres, a igreja segundo ele mais amada pela Virgem Maria, local
onde Clara e outras pessoas abraçaram a opção pelos pobres. O Poverello desejava que
aquela igrejinha fosse a caba, o coração e o símbolo do movimento religioso e
popular minotico.
Enfim, o Poverello ditou o seu Testamento recordando que vivia em pecados, mas o
Senhor o conduziu entre os leprosos; que, em seguida, deixou o mundo da burguesia e
engajou-se na opção pelos pobres. Depois o Senhor lhe deu irmãos com quem vivia a
alegre identificação com os pobres. O Testamento recorda que nos primeiros tempos
viviam a pobreza, a alegria e oração devota, mas que as inovações trouxeram dificuldades
para a vivência da forma vitae. Finaliza desejando bênção aos irmãos que observarem, sem
glosas, a Regra Bulada e o Testamento.
13 A IRMÃ-MORTE
Nas primeiras horas do dia 3 de outubro de 1226, Francisco pediu que lhe lessem o
relato da paixão de Jesus, segundo João. No final do relato, mesmo não sendo sacerdote,
pediu um pão, invocou a bênção, o partiu e distribuiu, repetindo o gesto de Jesus na Santa
Ceia. Quis dizer algo, mas não conseguiu falar. Houve um profundo silêncio interrompido
pelo Cântico ao Irmão Sol que se estendeu pelo bosque.
Às cinco da tarde, o Poverello quis que o desnudassem e o colocassem sobre a terra.
Após resistências iniciais, os irmãos atenderam o último pedido. Então disse: ... felizes os
que perseverarem nas coisas que começaram... e, iniciou a recitação do Salmo 142, sendo
acompanhado pelos demais irmãos. Foi a última vez que ficou nu antes de renascer para a
eternidade. As irmãs cotovias esvoaçaram e cantaram sobre a cabana. Durante a noite,
houve muitas preces na região da Úmbria. Chorava-se a ausência de Francisco e
proclamava-se o Santo de Assis.
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Portanto, Francisco de Assis escutou a voz de Deus, escutou a voz dos pobres,
escutou a voz do enfermo, escutou a voz da natureza. E transformou tudo isso num estilo de
vida. Desejo que a semente de São Francisco cresça em tantos corações
3
.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
RAMPON, Ivanir Antonio. A opção pelos pobres em São Francisco de Assis. Belo Horizonte: Instituto
Santo Inácio (FAJE). Dissertação de Mestrado sob a orientação do Prof. Dr. João Batista Libanio,
2004.
4 Do filme de Wim Wenders O Papa Francisco Um homem de palavra. A esperança é uma mensagem universal (2018) =
FRANCISCO, Carta Encíclica Fratelli Tutti sobre a fraternidade e a amizade social, n.48.
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