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Aqui vai-se compreendendo que o ser humano foi criado para as relações. Fica claro que “a
vida comunitária é uma característica natural que distingue o homem do resto das criaturas
terrenas” (CDSI 149). Essa característica própria do ser humano, marcada pela necessidade de se
integrar e de colaborar com os demais, vivendo em comunhão, quando iluminada pela fé, carrega
um sentido ainda mais profundo. Compreende-se que, “feita à imagem e semelhança de Deus (cf.
Gn 1,26), e constituída no universo visível para viver em sociedade (cf. Gn 2,20.23) e dominar a
terra (cf. Gn 1,26.28-30), a pessoa humana é, por isso, desde o princípio chamada à vida
social” (CDSI 149). É parte, portanto, da própria natureza humana ser um “ser social”. É “mediante o
intercâmbio com os outros, a reciprocidade dos serviços e o diálogo com seus irmãos, [que] o
homem desenvolve as próprias virtualidades; responde, assim, à sua vocação” (CIgC 1879).
Buscando o desenvolvimento integral da pessoa, todas as instituições, nas diversas
instâncias, devem ter como primado o ser humano. Dessa forma, “a pessoa não pode ser
instrumentalizada para projetos de caráter econômico, social e político impostos por
qualquer que seja a autoridade” (CDSI 133). Somente quando toda pessoa é reconhecida em
sua dignidade, será possível crescer, individual ou comunitariamente.
A Gaudium et Spes destaca a importância da igual dignidade de todas as pessoas, o que
nos provoca para o cuidado. Ainda que “entre os homens haja justas diferenças, a igual
dignidade pessoal postula, no entanto, que se chegue a condições de vida mais humanas e
justas” (GS 29). Esta compreensão de que todos possuem direito a vida digna e em abundância
nos leva, dentre outras coisas, a compreender a relação intensa que existe entre todos os seres
humanos: “único e irrepetível na sua individualidade, todo homem é um ser aberto à relação
com os outros na sociedade” (CDSI 61). É na relação com o próximo que cada pessoa busca
cumprir o mandamento: “também vós deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13,34b). Essas
relações se dão entre os indivíduos, nas famílias, nos grupos, no trabalho, em meio às diversas
estruturas sociais, como nos campos da economia, da política e da cultura.
Contudo, nos diversos períodos da história, mesmo sendo de um valor inestimável, a
vida humana nem sempre foi cuidada e valorizada. Nos tempos hodiernos, diversas são as
facetas de ataques à vida, como aponta o Texto-Base da Campanha da Fraternidade 2020:
eugenia; desigualdade; globalização econômica; aborto; eutanásia; suicídio e suicídio
assistido; crianças que perdem suas famílias; desemprego; ansiedade; stress; acidentes de
trânsito; desatenção aos povos indígenas, às mulheres e aos pequenos agricultores; tráfico
de drogas, de pessoas, de órgãos; individualismo; mau uso das redes sociais e abuso dos
meios de comunicação. O Papa Francisco também faz apontamentos sobre as sombras no
mundo atual que ameaçam a vida, destacando “o medo, a falta de atenção às minorias, a
cultura do descarte, a globalização e a não atenção aos direitos humanos”
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. Antes ainda, no
Concílio Vaticano II, a Igreja já condenava tudo que pudesse destruir a vida. Esses ataques
corrompem a civilização, desonram os que os praticam e ofendem a Deus. A GS considera
infames as seguintes coisas: tudo quanto se opõe à vida, como seja toda a espécie
de homicídio, genocídio, aborto, eutanásia e suicídio voluntário; tudo o que viola
a integridade da pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e
mentais e as tentativas para violentar as próprias consciências; tudo quanto
ofende a dignidade da pessoa humana, como as condições de vida infra-
humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o
comércio de mulheres e jovens; e também as condições degradantes de trabalho,
em que os operários são tratados como meros instrumentos de lucro e não como
pessoas livres e responsáveis (27).
6 Elisandro GUINDANI e Renan P. ZANANDRÉA, Fratelli Tutti: algumas palavras iniciais. Disponível em: https://
www.diocesevacaria.com.br/fratelli-tutti-algumas-palavras-iniciais/. Acesso em: 27 abr. 2021.
DUTRA, Sílvio Guterres; GUINDANI, Elisandro; ZANANDRÉA, Renan Paloschi
Espiritualidade Cristã e compromisso social: Um desafio de amor
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.38, n.131, p. 7-16, Jul./Dez./2021. ISSN on-line: 2763-5201.