DAS DIFERENTES CRISES À PANDEMIA DA COVID 19
a Humanidade doente e o caminho de cura proposto
pelo Papa Francisco
Ms. Pe. Ari Antônio dos Reis*
Dr. Armando De Negri Filho**
DOI: https://doi.org/10.52451/teopraxis.v37i129.6
Recebido: 04 de dezembro de 2018 | Aprovado: 29 de março de 2019
Resumo:
O presente artigo apresenta uma reflexão sobre diferentes crises da
humanidade que, segundo o Papa Francisco, se constituem em uma única
crise de origem sócio ambiental e que explicitam a doença da humanidade.
Apresenta também a proposta do Pontífice, através de gestos, iniciativas e
escritos, com os possíveis caminhos de superação dessa grande crise, ou,
enfermidade, a partir de uma nova perspectiva de relacionamento social
tendo o ser humano como prioridade.
Palavras-chave:
Crises. Humanidade. Economia. Sociedade. Doença.
Integração. Cuidado. Meio ambiente. Educação. Vida.
Introdução
Neste artigo pretende-se fazer uma análise desta situação,
momentaneamente marcada pela pandemia da Covid 19 que,
* Presbítero da Arquidiocese de Passo Fundo/RS. Graduado em Filosofia pela
Universidade de Passo Fundo e Teologia pela Itepa Faculdades de Passo Fundo.
Mestre em Teologia Pastoral pela Pontifícia Faculdade Nossa Senhora da
Assunção. Professor da Itepa Faculdades, nas áreas de Metodologia e Prática
Pastoral, Teologia da Revelação, Ecumenismo e Diálogo Inter religioso: E-mail:
reis.abt@gmail.com
** Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Mestrado em Epidemiologia pela Universidade Federal de Pelotas (1995).
Mestrado Profissional em Saúde Pública - Saúde Global e Diplomacia da Saúde
pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz). Master
em Gestão Clínica e Coordenação Médica pela Escuela Nacional de Sanidad /
Instituto Carlos III de Madrid Espanha e Universidad de Educación a la Distancia
da Espanha. E-mail: armandodenegri@yahoo.com
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por sua vez, mostrou a marca da desigualdade estrutural na
sociedade brasileira e pode ser lida como um estágio no
processo de enfermidade da humanidade. Este artigo tem um
viés teológico-pastoral. Certamente poder-se-ia enfocar a
temática adotando outras referências, mas intuiu-se por bem
fazer a abordagem teológica e pastoral com aportes em outras
áreas do conhecimento.
Serão abordadas, em um primeiro momento, algumas crises
que assolam a humanidade e sua influência na vida humana,
dentre elas a crise da Covid 19, assim como as iniciativas e
dificuldades no enfrentamento desta pandemia, sobretudo,
quando os processos de articulação mundial foram relativizados
em nome de posturas políticas fechadas e equivocadas. Como
referência teológico-pastoral apresentam-se as manifestações
públicas do Papa Francisco denunciando os condicionantes
sociopolíticos dessas crises e as proposições desse Eminente
Prelado na perspectiva de superação desse aflitivo contexto
humano-social.
1 As diferentes crises da humanidade
No documento conclusivo e gestado durante a V
Conferência do Episcopado Latino Americano e Caribenho
ocorrido na cidade de Aparecida SP, durante o ano de 2007,
ao abordar a realidade como desafio ao agir evangelizador da
Igreja no continente, o Colegiado Episcopal selou o termo
mudança de época. Segundo o documento, essa expressão
aponta para as grandes mudanças que afetam profundamente a
vida humana, têm alcance global e com diferenças e matizes
afetam o mundo inteiro (cf. DAp 34).
Na Assembleia dos Bispos do Brasil (2019) o termo foi
enfocado de uma forma mais precisa. O documento orientativo
para a atividade evangelizadora da Igreja previsto para o
quadriênio 2019-2023 afirma que os fundamentos últimos para
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a compreensão da realidade se tornam frágeis a ponto de
suscitar perplexidade e insegurança (CNBB, 2019, p.43). As
duas leituras da realidade feitas num prazo de 12 anos revelam
um processo histórico de dificuldades da humanidade e das
diferentes instituições, dentre elas a Igreja Católica, de
compreenderem e abordarem o fenômeno. Certamente outras
igrejas cristãs e tradições religiosas percebem estas dificuldades
com alguma mudança de nuance. O Documento de Aparecida
explicitou as diferentes faces desta transição de mudanças tão
profundas
1
.
A reflexão sobre as mudanças se aprofundou e hoje se fala
em crises da humanidade. Dependendo da análise mencionam-
se diferentes crises. O Papa Francisco tem se manifestado
afirmando que estamos passando por uma única crise, a crise
sócio-ambiental, segundo o argumento que a abordagem
ecológica compreende também a abordagem social que deve
integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, ouvindo o
clamor da terra e o clamor dos pobres (cf. LS 49). Optamos por
tratar quatro crises como oportunidade de explicitarmos um
pouco melhor cada uma: econômica, social, democrática e
ambiental, acrescentando a crise da Covid 19 que interage com
as demais.
1.1 Crise econômica
As crises no capitalismo são cíclicas. Contudo não
significam o enfraquecimento do capitalismo, mas sua
reconfiguração em outros parâmetros e, em muitos casos,
gerando mais situações de pobreza e desigualdade social. A
partir de 2008, iniciando nos Estados Unidos, começou um
processo novo de crises que chegou aos países europeus. Não há
1 Para aprofundar: CELAM.
Documento de Aparecida
: Texto conclusivo da V
Conferência do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. Brasília: Ed. CNBB,
2007.
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como esquecer as constantes notícias sobre o grande
contingente de desempregados, sobretudo na Espanha e Grécia.
Cabe destacar as sucessivas tentativas de solução, preservando o
mercado, visto que os nomes escolhidos para chefia dos
governos serem pessoas do mercado e não escolha da
população.
No Brasil, a partir de 2014, ocorreu processo semelhante
com uma roupagem própria, especialmente pela falta de
disposição do Governo Dilma em garantir as exigências do
mercado financeiro. Esta crise culminou com o impedimento
da presidente e a ascensão de Temer, com a tarefa de acalmar
o mercado às custas do freio nos investimentos sociais e as
diferentes reformas para potencializar o projeto capitalista
financeiro.
Reitera-se que as crises contribuem, em muitos casos, para o
revigoramento do projeto capitalista e não existe um interesse
ético para salvar os que ficam no caminho. Eles não importam.
Não são significantes. Para o capitalismo financeiro os pobres
são descartáveis como denuncia o Papa Francisco:
Não se trata simplesmente do fenômeno da exploração e opressão,
mas de uma realidade nova: com a exclusão, fere-se, na própria
raiz, a pertença à sociedade onde se vive, pois quem vive nas
favelas, na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os
excluídos não são explorados, mas resíduos, sobras (EG 53).
Na verdade, interessam ao mercado os que oferecem algo ou
os que se apresentam como consumidores. No Brasil, esta
lógica se arquiteta com formas escandalosas. No verso da
medalha, é um país extremamente avançado em alguns setores
e, deficitário em outros. Seu perfil flutua ao critério dos
interesses econômicos em jogo.
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1.2 Crise social
Esta é uma crise permanente no Brasil inscrita, ainda hoje,
em sua estrutura histórica, injusta e desigual. Perdeu-se num
horizonte longínquo o projeto de nação, submerso pela
constituição de um Estado a serviço de uma minoria que foi
assumindo diferentes roupagens ao longo dos séculos. No
projeto Brasil a Casa Grande é o sujeito de direitos, cabendo os
deveres à Senzala. O histórico de pobreza e miséria permanente
no Brasil não tem sofrido transformações a partir de iniciativas
do Estado. Alguma mudança ocorrida decorreu da pressão
popular. Apresentaram-se alguns paliativos reformistas em
alguns momentos da história, contudo sem um abalo maior na
estrutura desigual. As diferentes representações do poder se
articulam pela sua manutenção, usufruindo dos bens produzidos
e apoiadas em um Estado erigido para proteger alguns e resistir
às reinvindicações da maioria. Neste modelo de relação o Brasil
continuará gerando empobrecidos e miseráveis e continuará
tratando esta parcela da população como ameaça às pessoas de
bem.
No momento em que a Senzala reivindica seus direitos a
pretensa ordem social fica abalada. Demanda desta relação a
ideia de que problema social é caso de polícia. Esta noção
equivocada permanece. As crises, sejam socioeconômicas ou
culturais não chegam a mexer nas estruturas societárias em seu
fundamento capitalista. Mais do que isso, é inegável que não
existe uma reta intencionalidade de subvertê-las. Basta ver a
aprovação do teto de gastos durante o governo Temer.
1.3 Crise democrática
As diferentes semanas sociais brasileiras, promovidas pela
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil desde 1991 têm
apontado para a insuficiência da democracia representativa no
Brasil. As reflexões da 5ª Semana Social insistiram de forma
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direta na necessidade de potencialização da democracia com
reais mecanismos de participação popular nas decisões quanto às
suas vidas.
Contudo no contexto atual este mesmo modelo, mesmo
insuficiente, está sendo rompido a partir das suas próprias
estruturas. No Brasil e no mundo, governantes eleitos
democraticamente tratam de romper a própria democracia. O
rompimento democrático acontece, portanto, nos parâmetros
da própria democracia. Não se desconhece o papel do
capitalismo financeiro na estruturação ou no abalo de estruturas
de governo. A via eleitoral deixa de ser democrática quando o
poder financeiro garante mandatos. Soma-se ao financiamento
de interesses antidemocráticos, a recente força das
fakenews
. A
possibilidade da população de refletir e decidir sobre temas
importantes a ela relacionados fica cada vez mais complexa e
distante.
1.4 Crise ambiental
Possivelmente esta crise seja tão antiga como as crises do
capitalismo, contudo tem se revelado com mais evidência nas
últimas décadas. Começou no momento em que a humanidade
se colocou em contraposição ao mundo criado
2
diante do qual
recebeu a tarefa do cultivo e guarda (cf. Gn 2,15).
A relação passou a ser de tentativa de domínio para se tirar o
que se considerava necessário, unicamente, para a sobrevivência
humana. O princípio antropocêntrico, colocou no centro da
relação o ser humano e suas necessidades. Demanda daí uma
grande crise, sobretudo porque a super exploração da natureza
potencializada na modernidade volta-se à satisfação dos
2 O conceito de mundo criado ou criação é extraído da tradição bíblica segundo o
texto do Gênesis, capítulos 1 e 2 que apresenta a narrativa da criação segundo a
cultura judaico cristã. Os diferentes povos africanos também falam da terra e da
humanidade como fruto do desejo criador da divindade.
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interesses de uma minoria. Mesmo que esta crise tenha sido
ainda negada, especialmente por alguns chefes de governo,
compreende-se o fenômeno das mudanças climáticas devido ao
aquecimento global como um alerta inequívoco do
esgotamento da Terra. Popularmente tem se dito que a Terra
está febril.
Na Encíclica Laudato Sí, publicada em maio de 2015, o
Papa Francisco critica a via única de pretenso desenvolvimento
humano e rápidos processos de mudanças que implicam na vida do
planeta. Os recursos naturais são esgotados em prazos muito curtos.
Embora a mudança faça parte da dinâmica dos sistemas
complexos, a velocidade que hoje lhes impõem as ações humanas,
contrasta com a lentidão natural da evolução biológica (LS 18).
Segundo ele é uma mudança que fragiliza e não fortalece porque a
mudança é algo desejável, mas torna-se preocupante quando se
transforma em deterioração do mundo e da qualidade de vida de
grande parte da humanidade (LS 18).
A Terra está esgotada em seus recursos, afetando seus
processos naturais. O mais grave, insiste-se que estes bens
naturais são destinados a uns poucos. Tudo é célere sem
preocupação com o amanhã.
1.5 A crise da Covid 19 e a crise das instituições
A pandemia da Covid 19 alastrou-se pelo mundo, atacando
a todos com maior ou menor intensidade. As mais diferentes
nações se envolveram em ações de prevenção. Chamou
atenção a forma como esta crise foi enfrentada pelos diferentes
governantes. Fez parte da orquestração política em torno da
crise, a relativização e até desautorização das orientações da
Organização Mundial de Saúde quanto às medidas para impedir
a rápida disseminação do vírus, como também as formas de
tratamento.
20
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No caso do Brasil a primeira reação foi de negação da
gravidade do problema e a forma como o governo federal
articulou o enfrentamento fez que a situação se agravasse.
Como a pandemia foi objeto de disputa ideológica formou-se
uma grande confusão de narrativas, deixando a população
desorientada. O fato de a pandemia ter interferido na economia
pela necessidade de reclusão e consequente influência nas trocas
econômicas, a atuação do governo brasileiro foi,
primeiramente, voltada para salvaguardar o mercado financeiro.
Apesar da relutância optou pelo auxílio emergencial para a
população que ficou sem acesso a uma renda mínima. Contudo,
mesmo com a pandemia ceifando vidas o projeto neoliberal
avançou na sua estruturação. Cito como exemplo a aprovação
da Lei de Privatização do Saneamento Básico. Paralelo a isso
cita-se a crescente destruição da Floresta Amazônica que
acontece de uma forma tão brutal ao ponto de gerar reações
inclusive dentro do mercado, visto que se faz necessário, ao
menos uma faceta de preocupação ambiental para ganhar a
simpatia dos consumidores. Uma necropolítica ganha corpo, na
medida que revela uma não preocupação do atual chefe
governo brasileiro que, reiteradamente, tem demostrado
indiferença em relação às vidas perdidas por causa da pandemia.
2 A desordem mundial e a penalização dos pobres
As crises acima descritas, mesmo que de forma sucinta, e
possivelmente já refletidas em outros momentos pelos leitores,
mostram que por trás de uma pretensa ordem mundial de
orientação neoliberal forjada pelas sequentes crises históricas,
sendo a mais recente iniciada em 2008, na verdade, é uma
grande desordem.
Contudo, nesta desordem, o capitalismo se refaz e se
revitaliza. Faz isso às custas da fragilização dos povos, morte da
população empobrecida e da destruição do mundo criado.
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Invertem-se as prioridades. O mercado financeiro é colocado
acima da vida humana. Segundo este princípio equivocado é
necessário garantir a vitalidade do mercado, mesmo que se
percam vidas. Segue-se a lógica de que é o mercado que
importa, as vidas nem tanto. Esse processo de ampla
desigualdade foi criticado pelo Papa Paulo VI na Encíclica
Populorum Progressio, na época, também chamando a atenção
para a desigualdade entre os povos.
Dito e reconhecido isto, não resta dúvida alguma de que o
equipamento existente está longe de bastar para se opor à dura
realidade da economia moderna. Entregue a si mesmo, o seu
mecanismo arrasta o mundo, mais para a agravação do que para a
atenuação da disparidade dos níveis de vida: os povos ricos gozam
de um crescimento rápido, enquanto os pobres se desenvolvem
lentamente. O desequilíbrio aumenta: alguns produzem em excesso
gêneros alimentícios, que faltam cruelmente a outros, vendo estes
últimos tornarem-se incertas as suas exportações (PP 8).
Alguns teólogos que refletem o diálogo entre teologia e
economia, dentre os quais Hugo Assmann, Franz
Hinkelammert e Jung Mo Sung
3
, apontam a divinização do
mercado como fundamento das exigências de sacrifícios, no
caso dos humanos e da natureza. O mercado necessita deles para
permanecer em pé. É a idolatria que se mantém graças aos
sacríficos humanos e da natureza. Insistimos que a ordem do
mercado financeiro se faz às custas da desordem humana e do
mundo criado. Enquanto não for revista esta prioridade que
feita cultura, a inversão destruidora de vidas permanecerá. O
Papa Paulo VI já lembrava da necessidade de rever as
prioridades quanto à noção de desenvolvimento.
3 Para aprofundar: Hugo ASSMANN e Franz J. HINKELLAMMERT.
A idolatria
do mercado
: ensaio sobre economia e teologia, Petrópolis: Vozes 1989. Também a
obra de Jung Mo SUNG.
Teologia e economia
: repensando a teologia da libertação
e utopias. Petrópolis: Vozes, 1994.
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O desenvolvimento não se reduz a um simples crescimento
econômico. Para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer,
promover todos os homens e o homem todo, como justa e
vincadamente sublinhou um eminente especialista: não aceitamos
que o econômico se separe do humano; nem o desenvolvimento,
das civilizações em que ele se incluiu. O que conta para nós, é o
homem, cada homem, cada grupo de homens, até se chegar à
humanidade inteira (PP 14).
No instante em que economia se divorcia da
responsabilidade pela manutenção da vida humana, que é a
razão da sua existência, ela perde o sentido ético e o significado
para a sociedade. Sobre este rompimento sublinha-se a
colocação do Papa Francisco na Exortação Evangelii Gaudium:
não é possível que morte por enregelamento de um idoso sem
abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos
na Bolsa (EG 53).
Este sinal de ordem-desordem se estrutura a partir da
inversão de valores visto que a economia não está a serviço da
humanidade, mas adquiriu um fim em si mesma. A proposição
de um encontro com jovens sobre a economia de Francisco e
Clara, tema abordado em seguida, processo que está
mobilizando grupos do mundo todo, visa contribuir nesta
reflexão necessária.
3 Pontificado de Francisco como um permanente alerta
profético sobre as crises
Os Papas foram líderes com papel significativo para além da
esfera cristã católica. Esta afirmação não significa flerte com a
cristandade, mas a compreensão do papel de um pontífice como
líder de uma coletividade que, a partir de suas posições,
influencia grandemente os destinos da humanidade, apesar dos
contrapontos próprios da diversidade sócio-política mundial.
Corroborando com esta afirmação faz-se memória do papel do
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Papa João Paulo II no enfrentamento do socialismo real do leste
Europeu. O Papa Francisco, eleito em 2013, tem assumido este
papel de líder mundial com grande responsabilidade, sobretudo
em um contexto de carência de lideranças carismáticas para a
humanidade.
Foi eleito a partir da tensão e esgotamento de um modelo de
pontificado que forçava uma aparente coesão interna,
representado por João Paulo II e continuado por Bento XVI,
com algumas diferenciações. O fato da renúncia de Bento XVI,
gesto de extrema humildade, revelou a sua consciência de que
não teria forças para operar as mudanças necessárias à Igreja
naqueles períodos de grande turbulência. Seguiu-se a eleição do
Papa Francisco. Ao ser apresentado para a multidão reunida na
Praça São Pedro afirmou que foram buscar ele lá do fim do
mundo para ser Papa.
É possível interpretar esta afirmação na perspectiva de que se
procurou outro modelo de condução para a Igreja Católica e o
Cardeal Mario Jorge Bergoglio fora o escolhido. Foi novidade
também o nome escolhido, Francisco, com todo o significado
místico e de vida pobre que o santo de Assis inspirava. No
decorrer do seu pontificado Francisco tem mostrado que tem
uma proposta para a Igreja e para o mundo. Sugeriu uma Igreja
em saída e pobre para os pobres. E provocou a humanidade
superar a globalização da indiferença. Ressalta-se que o Papa
Francisco é herdeiro do projeto eclesiológico latino-americano
demarcado sobretudo através dos encontros do episcopado
desde 1968 com a Conferência de Medellín
4
.
Descreveremos brevemente algumas manifestações do Papa
voltadas à superação da desordem mundial e sua consequente
enfermidade.
4 Segunda Conferência do Episcopado Latino-americano ocorrida na cidade de
Medellín, Colômbia, após o Concílio Vaticano II.
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3.1 Ilha de Lampedusa: crítica à globalização da indiferença
A visita do Papa Francisco em julho de 2013 à Ilha de
Lampedusa, localidade no extremo sul da Itália, procurada por
migrantes do norte da África, teve um caráter simbólico
profundo. Afirma-se que este gesto foi uma encíclica não
escrita. Lá, o Papa condenou o descaso das autoridades
europeias diante do fenômeno das migrações, certamente, um
problema muito complexo.
Ao celebrar a eucaristia em um altar montado com restos de
embarcações naufragadas, Papa Francisco denunciou, com
veemência, a globalização da indiferença e a necessidade de um
compromisso de uns pelos outros. Disse:
A cultura do bem-estar, que nos leva a pensar em nós mesmos,
torna-nos insensíveis aos gritos dos outros, faz-nos viver como se
fôssemos bolhas de sabão: estas são bonitas, mas não são nada, são
pura ilusão do fútil, do provisório. Esta cultura do bem-estar leva à
indiferença a respeito dos outros; antes, leva à globalização da
indiferença. Neste mundo da globalização, caímos na globalização
da indiferença. Habituamo-nos ao sofrimento do outro, não nos
diz respeito, não nos interessa, não é responsabilidade nossa!
5
O desinteresse pelos sofredores se constitui uma cultura
marcada pelo isolamento social, porque o ser humano não vê o
outro como um irmão. Faz-se indiferente ao seu sofrimento. O
Pontífice propõe outro caminho, a solidariedade humana. Na
Exortação Evangelli Gaudium explicita o sentido da
solidariedade, nestes tempos, o antídoto contra a globalização
da indiferença:
Embora um pouco desgastada e, por vezes, até mal interpretada, a
palavra solidariedade significa muito mais do que alguns atos
esporádicos de generosidade; supõe a criação duma nova
5 http://www.ihu.unisinos.br/noticias/521786-qadao-onde-estas-caim-onde-esta-
o-teu-irmao-o-discurso-de-francisco-em-lampedusa
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mentalidade que pense em termos de comunidade, de
prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por
parte de alguns (EG 188).
Esta solidariedade vai se configurando e penetrando no dia a
dia dos povos e tem a finalidade de transformar as estruturas
sociais sustentadoras da indiferença:
Estas convicções e práticas de solidariedade, quando se fazem
carne, abrem caminho a outras transformações estruturais e
tornam-nas possíveis. Uma mudança nas estruturas, sem se gerar
novas convicções e atitudes, fará com que essas mesmas estruturas,
mais cedo ou mais tarde, se tornem corruptas, pesadas e ineficazes
(EG 189).
É necessário potencializar a solidariedade e descobrir o seu
sentido transformador mais profundo como caminho da
superação da omissão e da indiferença que matam. Também
redescobrir o seu sentido profético, porque como proposta
política é um sinal profético frente à economia do mercado,
embasada no individualismo e no egoísmo e a indiferença pelas
diferentes formas de vida.
3.2 Visita à Organização das Nações Unidas - ONU
Esta visita carrega a simbologia do diálogo da Igreja com o
mundo através das nações. O Papa é considerado um Chefe de
Estado, portanto com assento na ONU. Outros Papas também
já haviam visitado a sede em Nova York. A visita de Francisco
fez parte das comemorações dos setenta anos da ONU. Na
ocasião discursou na abertura da Cúpula do Desenvolvimento
Sustentável e reafirmou alguns princípios que marcam o seu
pontificado, com destaque ao combate à exclusão econômica e
à destruição do meio ambiente, segundo ele, enraizados na
ambição desmedida e na sede de poder. Disse:
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O abuso e a destruição do meio ambiente aparecem associados,
simultaneamente, com um processo ininterrupto de exclusão. Na
verdade, uma ambição egoísta e ilimitada de poder e bem-estar
material leva tanto a abusar dos meios materiais disponíveis como
a excluir os fracos e os menos hábeis, seja pelo facto de terem
habilidades diferentes (deficientes), seja porque lhes faltam
conhecimentos e instrumentos técnicos adequados ou possuem
uma capacidade insuficiente de decisão política. A exclusão
econômica e social é uma negação total da fraternidade humana e
um atentado gravíssimo aos direitos humanos e ao ambiente. Os
mais pobres são aqueles que mais sofrem esses ataques por um
triplo e grave motivo: são descartados pela sociedade, ao mesmo
tempo são obrigados a viver de desperdícios, e devem
injustamente sofrer as consequências do abuso do ambiente. Estes
fenômenos constituem, hoje, a cultura do descarte tão difundida e
inconscientemente consolidada
6
.
Assumiu a responsabilidade de colaborar na construção de
outras formas de relação entre os homens e com o mundo
criado, dentre estas a agenda para o desenvolvimento
sustentável:
O caráter dramático de toda esta situação de exclusão e
desigualdade, com as suas consequências claras, leva-me,
juntamente com todo o povo cristão e muitos outros, a tomar
consciência também da minha grave responsabilidade a este
respeito, pelo que levanto a minha voz, em conjunto com a de
todos aqueles que aspiram por soluções urgentes e eficazes
7
.
Não deixou de destacar que, mais do que acordos de cúpulas
e ações burocráticas, as mudanças devem chegar aos homens e
mulheres necessitados:
6 http://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/september/documents/
papa-francesco_20150925_onu-visita.html
7 http://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/september/documents/
papa-francesco_20150925_onu-visita.html
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É preciso não perder de vista, em momento algum, que a ação
política e econômica só é eficaz quando é concebida como uma
atividade prudencial, guiada por um conceito perene de justiça e
que tem sempre presente que, antes e para além de planos e
programas, existem mulheres e homens concretos, iguais aos
governantes, que vivem, lutam e sofrem e que muitas vezes se
vêem obrigados a viver miseravelmente, privados de qualquer
direito
8
.
Estes deverão ser protagonistas dos seus destinos e jamais
serem vítimas da imposição de algum projeto:
o desenvolvimento humano integral e o pleno exercício da
dignidade humana não podem ser impostos; devem ser
construídos e realizados por cada um, por cada família, em
comunhão com os outros seres humanos e num relacionamento
correto com todos os ambientes onde se desenvolve a sociabilidade
humana amigos, comunidades, aldeias e vilas, escolas, empresas e
sindicatos, províncias, países, etc
9
.
3.3 Encíclica Laudato Sí: sobre o cuidado com a casa
comum
O alerta sobre a crise ambiental e a necessidade da mudança
das nossas relações com o planeta foi descrito de uma forma
precisa com a Encíclica Laudato Sí. Propõe o diálogo a partir de
uma causa que deveria ser comum a toda a humanidade, o
planeta Terra, ou a mãe-irmã terra, como ele mesmo descreve
(LS 1). Parte de uma constatação: esta irmã clama contra o mal
que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso
dos bens que Deus nela colocou (LS 2). Faz um apelo a toda
humanidade: o urgente desafio de proteger a nossa casa comum
inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de
8 http://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/september/documents/
papa-francesco_20150925_onu-visita.html
9 http://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/september/documents/
papa-francesco_20150925_onu-visita.html
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um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as
coisas podem mudar (LS 13).
Apresenta uma proposta como caminho de superação do
mal causado à casa comum, ameaçando inclusive o futuro das
próximas gerações. Propõe a ecologia integral, ou seja, um
outro estilo de vida em vista do bem comum e que inclua
claramente as dimensões humanas e sociais, porque uma
verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma
abordagem social que deve integrar a justiça nos debates sobre
o meio ambiente para ouvir tanto o clamor da terra como o
clamor dos pobres (LS 49).
Sugere superação do paradigma tecnocrático devido a sua
limitação e sustentação de uma economia que não constrói, mas
que destrói a casa comum e destrói a vida humana. Sobre isso
afirma:
Podemos afirmar que, na origem de muitas dificuldades do mundo
atual, está principalmente a tendência sempre consciente, de
elaborar metodologia e os objetivos da tecnociência segundo um
paradigma de compreensão que condiciona a vida das pessoas e o
funcionamento da sociedade. Os efeitos da aplicação deste modelo a
toda a realidade, humana e social, constatam-se na degradação do
meio ambiente, mas isso é apenas um sinal do reducionismo que
afeta a vida humana e a sociedade em todas as dimensões (LS 107).
Este desvio será superado através da opção pela ecologia
integral, como uma forma de conjugar as questões humanas,
ambientais e econômicas tendo como horizonte a busca do bem
comum.
3.4 A denúncia da enfermidade humana
No dia 27 de março, quando a Itália e demais países da
Europa enfrentavam o sofrimento pela pandemia, o Papa
Francisco se manifestou ao mundo. Chamou atenção o cenário
REIS, Ari Antônio dos; NEGRI FILHO, Armando de.
Das diferentes crises à Pandemia da COVID 19
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desta manifestação. Era final de tarde e caia uma garoa fina. O
Papa subiu sozinho ao parlatório tendo diante de si a Praça vazia.
Aquele cenário e a homilia do Papa foram marcantes. Ali ele
explicitou que a humanidade já estava doente e que a Covid 19
era a explicitação cabal desta enfermidade. Naquele final de
tarde disse o Papa diante da constatação da grande fragilidade
humana:
A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a
descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos
os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e
prioridades. Mostra-nos como deixamos adormecido e
abandonado aquilo que nutre, sustenta e dá força à nossa vida e à
nossa comunidade
10
.
Chamou a atenção aos equívocos cometidos pela
humanidade:
Na nossa avidez de lucro, deixamo-nos absorver pelas coisas e
transtornar pela pressa. Não nos detivemos perante os teus apelos,
não despertamos face a guerras e injustiças planetárias, não
ouvimos o grito dos pobres e do nosso planeta gravemente
enfermo. Avançamos, destemidos, pensando que continuaríamos
sempre saudáveis num mundo doente. Agora nós, sentindo-nos
em mar agitado, imploramos-Te: Acorda, Senhor!
11
É possível superar a enfermidade da humanidade. Como?
10 Vaticannews.va/pt/papa/news/2020-03/papa-francisco-homilia-oracao-bencao-
urbe-et-orbi-27-marco.html
11 Vaticannews.va/pt/papa/news/2020-03/papa-francisco-homilia-oracao-bencao-
urbe-et-orbi-27-marco.html
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4 Os possíveis caminhos para superar a crise a partir do
viés teológico-pastoral
As críticas sugerem caminhos. Os tantos documentos
publicados pelo Papa Francisco sugerem caminhos para a
superação da enfermidade humana. Nem sempre o
enfrentamento é um processo fácil. Sem dúvida alguma a
Exortação Evangelii Gaudium, sobre a evangelização e a
Encíclica Laudato Sí sobre a questão ambiental apontam
caminhos. Estas manifestações se reforçam com outras
proposições que tem a grave missão de contribuir para a
superação das enfermidades da humanidade.
Em dois encontros de representantes do Movimento
Popular com o Papa Francisco, primeiramente em Roma (2014)
e depois em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia-2015), foram
tratados temas fundamentais voltados à sobrevivência dos
homens e mulheres empobrecidos: terra, teto e trabalho. Terra
para cultivar, no caso dos agricultores; casa para que as famílias
sejam abrigadas com dignidade; trabalho que permita ao ser
humano, pelo esforço próprio e criativo, realizar-se como
pessoa. São realidades estruturantes da vida humana, dimensões
da vida que não podem ficar submissas às forças do capital,
justamente pelo fato deste colocar o lucro acima de tudo.
Segundo o Papa Francisco são direitos sagrados que enfocam a
centralidade da pessoa em plena consonância com a Doutrina
Social da Igreja
12
.
Em uma interpretação da potência desses três Ts, projetados
na Sexta Semana Social Brasileira da CNBB, argumentamos seu
sentido ao considerar:
a Terra como Bem Comum e balizador de um Cuidado com
Nossa Casa Comum, mas também da construção de uma
Economia Social e Solidária a serviço do conjunto da Sociedade;
12 Os discursos do Papa Francisco nos dois encontros foram publicados pelas
Edições CNBB. Coleção Sendas. Brasília: Edições CNBB, 2015.
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de um Teto capaz de representar todo o Sistema de
Proteções Sociais e Econômicas que devem caracterizar uma
verdadeira Democracia, desconstruindo o discurso que
naturaliza e legaliza a Pobreza, na realidade o
empobrecimento das pessoas e dos povos;
de um Trabalho que reconheça o protagonismo humano
sem discriminações na construção e usufruto do Bem
Comum e que distribua a riqueza produzida em uma
dinâmica equilibrada com os Direitos Humanos e os
Direitos da Natureza, opondo-se ao predomínio do capital
sobre o trabalho humano.
Em maio de 2019 Francisco convidou os jovens para
discutir a economia, encontro primeiramente agendado para
março de 2020. Segundo ele um evento que:
Permita encontrar-me com quantos estão a formar-se e começam
a estudar e a pôr em prática uma economia diferente, que faz viver
e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida
da criação e não a devasta. Um acontecimento que nos ajude a
estar unidos, a conhecer-nos uns aos outros, e que nos leve a
estabelecer um pacto para mudar a economia atual e atribuir
uma alma à economia de amanhã
13
.
O Papa está preocupado com a economia. Quer refletir
sobre o tema junto com pessoas com capacidade de imprimir
novos horizontes para a economia porque a forma como está
sendo gerida não gera vida, mas morte. É uma economia que
mata (EG 53). Para Francisco desponta a necessidade de
exercitar um modelo econômico novo, fruto de uma cultura da
comunhão, baseado na fraternidade e na equidade.
Em sintonia com a reflexão sobre a economia propõe-se a
reflexão sobre a educação. Ao pronunciar-se no encontro
Educação: O Pacto Global, promovido pela Pontifícia
13 https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2020-02/editorial-economia-
francisco-construir-novos-caminhos-assis.html
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Academia das Ciências Sociais em fevereiro deste ano, afirmou
que é necessário unir esforços para alcançar uma aliança
educacional ampla a fim de formar pessoas maduras, capazes de
reconstruir o tecido relacional e criar uma humanidade mais
fraterna. A proposição de debates no âmbito da economia e da
educação estão na esteira das outras proposições do Papa.
É importante que se compreenda as falas de Francisco como
o convite para se discutir os rumos da humanidade que precisa
ser curada. O fermento foi lançado e está levedando a massa.
Concluindo
Este texto resultou da opção de refletir sobre as tantas crises
que tem marcado a trajetória humana, marcadamente as mais
recentes. Na perspectiva do mercado financeiro a crise não
abala, mas o revitaliza e reforça mesmo que gerando destruição
e mortes. O processo de crise se agravou com a pandemia da
Covid 19. Esta pandemia em si é muito grave, pelo inusitado da
sua disseminação e pelas dificuldades no enfrentamento, além
de explicitar de forma mais grave as nossas carências.
Tem sido um alento para a humanidade as atitudes do Papa
Francisco. Ele não tem hesitado em propor um caminho para a
Igreja e para o mundo através dos gestos e escritos. Que nos
ajude a construir um novo caminho.
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