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práticas ensinadas por esse memorável educador. O método da leitura popular da Bíblia
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possui uma trajetória de longo tempo e já foi utilizado em muitos grupos das comunidades
eclesiais de base, estando assegurada sua credibilidade no universo bíblico. Entre alguns
autores encontramos Frei Carlos Mesters, Ildo Bonh Gass e Elaine G. Neuenfeldt, entre outros.
Frei Carlos Mesters, frade carmelita e um dos fundadores do Cebi, explica que: “Deus
fala hoje na Bíblia quando lemos na comunidade, em nossa realidade. Por isso, é importante
escutar a Deus não somente na Bíblia, mas em comunidade e na realidade. É uma dinâmica
que não termina nunca”
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.
E essa dinâmica contínua de Vida e Bíblia, Bíblia e Vida, possibilita ampliar nosso
olhar para as diversidades dimensões da vida. Nasce então a Leitura Bíblica na ótica da
negritude, na ótica das juventudes, na questão dos grupos LGBTQIA+, na questão sócio-
ambiental e na ótica da mulher; também conhecida como Leitura Feminista da Bíblia.
Conforme visto, o primeiro passo deste método é colocar a vida em primeiro lugar,
qual seja a partir do cotidiano da vida das pessoas daquele tempo e fazer memória da nossa
vida e da vida das mulheres de nossa realidade. Partir da experiência significa problematizar
a realidade que muitas mulheres viveram e vivem. Não podemos somente aceitar o motivo
da realidade dada, devemos questionar. O segundo passo é fazer a leitura bíblica
questionando e suspeitando de textos, especialmente os que são violentos com as mulheres.
Textos que foram claramente interpretados de forma a silenciar e culpabilizar as mulheres.
No passo da suspeita, é possível fazer perguntas pela presença ou ausência de mulheres e
como sua memória foi silenciada ou valorizada tanto por parte da hierarquia de poder
(eclesiástica ou não), quanto por grupos marginalizados por essa hierarquia.
No terceiro passo: passo da desconstrução, na parábola da mulher que procura a
moeda, nos ajudou a compreender o método da leitura bíblica na ótica da mulher (Lc 15,8-9).
Aprendemos a acender nossas candeias, varrer e tirar toda a poeira histórica e do sistema
patriarcal
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que impediu de enxergarmos o protagonismo das mulheres e a manifestação de
Deus através das mulheres na Bíblia e de nossa realidade e na história da humanidade. A
nossa ‘vassoura’ são os instrumentais de análise da exegese bíblica, dentre eles, o estudo do
contexto sócio histórico e dos gêneros literários. Esta ciência bíblica é respaldada pela Igreja
e nos ajuda a amadurecer a nossa fé, conforme o documento do Concílio Vaticano II (DV 12).
Quando, finalmente, a mulher encontra a moeda, ela celebra com as amigas e
vizinhas. Este é o quarto passo: passo da reconstrução do texto. São as descobertas, o tomar
conhecimento, o empoderamento das mulheres, o reconhecimento de seu potencial
humano e da importância de construir redes de proteção e de sororidade
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que nos faz
celebrar e festejar.
3 Artigo publicado no site do Cebi Nacional: https://cebi.org.br/reflexao-do-evangelho/sobre-leitura-popular-da-biblia-
parte-i/ Acesso em 01/09/2021.
4 Artigo publicado no site do Cebi Nacional: https://cebi.org.br/reflexao-do-evangelho/sobre-leitura-popular-da-biblia-
parte-i/ Acesso em 01/09/2021.
5 Artigo publicado no site “Catarinas”: Quando falamos de patriarcalismo, do que estamos falando? Estamos falando de
um modo de entender o mundo, as pessoas, Deus, e as relações entre as pessoas e a relação das pessoas com Deus, a
partir do masculino. Não um masculino amoroso, cuidadoso, solidário, igualitário. Um masculino que é patriarca,
pater famílias, pai-chefe, pai-dono, dominante, que exerce o mando sobre a esposa, os filhos, as filhas, a casa, a
sociedade, o mundo. Um masculino a partir do qual todas as coisas e todas as relações no entorno se organizam. Neste
tipo de compreensão, o feminino, a mulher, não está no mesmo nível que o masculino, que o homem; está num nível
inferior. Sua importância, seu valor são secundários; portanto ela lhe é subalterna e lhe deve obediência. Esta é a
estrutura do pensamento patriarcal. Ele cria diferenças entre as pessoas baseadas no sexo para inferiorizar o feminino e
afirmar o masculino como superior (cf. Lusmarina Campos Garcia, pastora luterana). Vide in: https://catarinas.info/
seja-feita-a-tua-vontade-mulher/?
fbclid=IwAR1raFudEKot6p6jQhFU0kri6tYUAIVvKV524AD39BZVYVxelXYhLjU84Lk. Acesso em 01/09/21.
6 Sororidade está etimologicamente ligada à palavra sóror, que em espanhol significa irmã, mas não a irmã de sangue somente,
mas uma aliança com todas as mulheres que se encontram em uma determinada condição. É relação solidária entre humanos,
formando rede de laços sociais que se transformam em força e resistência, diante das situações adversas, opressoras, violentas
(cf. Verbete do Dicionário de Cultura de paz, volumes 1 e 2. (Orgs.) Paulo César Nodari e Luis Síveres).
GUIMARÃES, Simone Furquim; DE LUCAS, Luísa
Leitura bíblica sob a ótica da mulher: espiritualidade e empoderamento das mulheres
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.38, n.131, p.114-123, Jul./Dez./2021. ISSN on-line: 2763-5201.