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De sua parte a espiritualidade cristã é considerada como a vivência espiritual concreta
do ser humano que tem como meta o ideal da vida cristã (santidade)
13
. A espiritualidade tem
necessidade de ser traduzida de forma concreta na situação que cada pessoa humana é
chamada a viver. É vida de comunhão tanto na dimensão vertical (vida em Cristo no
Espírito Santo) quanto na dimensão horizontal que diz respeito à existência humana.
Todo cristão está chamado à santidade como a meta de sua vida (Vocação Universal à
Santidade na Igreja, cap. V da Lumen Gentium). Portanto, a santidade é uma vocação que
comporta um chamado por parte de Deus e, ao mesmo tempo, um envio. Todo cristão é
chamado a viver a plenitude do amor a Deus e ao próximo que deve ser buscada em toda
condição de vida ordinária
14
. O fiel cristão leigo desaprendeu a acreditar na sua vocação à
santidade, por isso, precisa tomar consciência do convite de Deus que irrompe em sua vida,
que o une a Ele e o estimula a ser como Deus
15
.
No âmbito da vocação se enconta a missão que deve cumprir e que se dá na Igreja e no
mundo: tarefas complementárias e necessárias.
16
Parafraseando o papa Francisco “cada
santo é uma missão; é um projeto do Pai que visa refletir e encarnar, num momento
determinado da história, um aspecto do Evangelho (GE 19). E mais adiante acrescenta “não
é que a vida tenha uma missão, mas a vida é uma missão” (GE 27).
Prosseguindo rumo ao objetivo do presente estudo, que é o de mostrar alguns dos
aspectos da santidade laical apresentados por Francisco na Exortação Gaudete et Exsultate,
buscar-se-á compreender qual a mensagem teológica pastoral que o papa quer transmitir
para explicar e vivificar a vida espiritual do cristão do nosso tempo.
Considerando a realidade do mistério de Cristo, o primeiro aspecto a ser salientado
na Gaudete et Exsultate diz respeito à santidade como experiência de Deus pois “Deus quer-nos
santos e espera que não nos resignemos com uma vida medíocre, superficial e indecisa” (GE
1). Essa experiência que é o mistério da comunhão com Deus pela fé, esperança e caridade
vai se forjando através da amizade com Deus, que é uma arte “de aprender a amar e ser
amado por Deus”
17
.
Alinhado com a doutrina que, apresenta a união com Deus como uma das
coordenadas centrais da santidade e da espiritualidade cristã, o Papa sublinha que o que quer
recordar com esta exortação é “a chamada à santidade que o Senhor faz a cada um de
nós” (GE 10), ou seja, uma santidade para todos. É um chamado pessoal que nasce do
encontro pessoal com o Senhor para o qual é necessária “retirar-se em solidão, olhar para
dentro de si e não se admirar com um mestre tão bondoso”
18
como dizia Santa Teresa.
Nesse sentido, prossegue Francisco, que a santidade é para todos e “é dada pela estatura que
Cristo alcança em nós, desde quando, com a força do Espírito Santo, modelamos toda a
nossa vida sobre a sua. Assim, cada santo é uma mensagem que o Espírito Santo extrai da
riqueza de Jesus Cristo e dá ao seu povo” (GE 21).
13 Para A. G. Matanic muitos são os sinônimos utilizados pelos autores para indicar espiritualidade. Nos documentos
pontifícios, com frequência, são utilizados os seguintes sinônimos: caminho, método, forma, gênero de vida, doutrina,
ascética, ensinamento espiritual, fisionomia ou família religiosa, espírito, escola espiritual (MATANIC, Atanasio.
Espiritualid. In: Ermanno ANCILLI, Diccionario de Espiritualidad, p.13).
14 Vitoria B. Andreatta DE CARLI, A Espiritualidade laical e sua índole secular à luz do Concílio Vaticano II: a santidade no
cotidiano, p.172.
15 Miguel de Salis AMARAL, Uma conversa conidencial sobre o desejo de ser santos, p.2.
16 Para Álvaro del Portillo, prescindir de uma dessas dimensões é esquecer da condição de fiel do leigo, seria como
“imaginar um ramo verde e florido, que não pertença a nenhuma árvore” e, por outro lado, esquecer daquilo que é
próprio e peculiar do leigo, ou mesmo, não compreender suficientemente as características dessas tarefas apostólico-
seculares e seu valor eclesial; seria como “reduzir a frondosa árvore da Igreja à monstruosa condição de puro tronco”(cf.
Álvaro del PORTILLO, Fieles y laicos en la Iglesia, p.171-172).
17 Miguel de Salis AMARAL, Uma conversa conidencial sobre o desejo de ser santos, p.3.
18 Caminho de Perfeição 28,2.
DE CARLI, Vitoria Bertaso Andreatta
A santidade laical à luz da Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate: uma santidade ordinária, simples e para todos
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.38, n.131, p. 80-89, Jul./Dez./2021. ISSN on-line: 2763-5201.