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OUSAR SONHAR
Por uma Educação que
promova a Fraternidade
DARE TO DREAM
For an Education that
promotes Fraternity
Silvio Antônio Bedin*
Resumo: o artigo tem o propósito de refletir e fazer ressoar a Campanha
da Fraternidade de 2022, cujo tema é Fraternidade e Educação. Tomando
por base a Doutrina Social da Igreja, busca retomar alguns
posicionamentos históricos em torno da educação. Intenciona também
estabelecer pontes de diálogo com alguns pesquisadores que transitam pelo
campo da educação e que enaltecem sua importância, desde uma
perspectiva integral e humanizadora. Aponta para os desafios colocados à
pastoral da educação, convidada a se reinventar e reorganizar para ser uma
presença evangelizadora, de escuta sensível, nos espaços educativos.
Palavras-chave: Campanha da Fraternidade. Educação. Formação
integral. Pastoral da educação.
Abstract: The article has the purpose to reflect and to reverberate the
2022 fraternity campaign, whose subject is Fraternity and Education.
Based on the Church's Social Doctrine, it aims to retake some historical
positions about education. It also aims to establish dialogue connections
with some researchers, who transit through the education field and praises
its importance, from an integral and humanizing perspective. It points to
the challenges posed to the education pastoral, that its invited to reinvent
and reorganize itself to be an evangelizing presence and sensitive listening,
in educational spaces.
Key words: Fraternity Campaign. Education. Integral formation. Pastoral
of education.
v. 39, n. 132, Passo Fundo,
p. 47-55, Jan./Jun./2022,
ISSN on-line: 2763-5201
DOI:dx.doi.org/10.52451/teopraxis.v39i132.76
* Mestre e Doutor em Educação (FACED-
UFRGS). Professor aposentado da
Universidade de Passo Fundo (UPF).
Diácono Permanente e da coordenação da
Pastoral da Educação e Cultura, da
Arquidiocese de Passo Fundo.
E-mail: sbedin@upf.br
https://orcid.org/0000-0002-4791-0699
Recebido em 22/11/2021
Aprovado em 20/03/2022
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1 INTRODUÇÃO
Desejo ardentemente que, neste tempo que nos cabe viver,
reconhecendo a dignidade de cada pessoa humana,
possamos fazer renascer, entre todos,
um anseio mundial de fraternidade.
Aqui está um ótimo segredo para sonhar
e tornar a nossa vida uma bela aventura.
Ninguém pode enfrentar a vida isoladamente (...);
Precisamos de uma comunidade que nos apoie,
que nos auxilie e dentro da qual nos ajudemos mutuamente
a olhar em frente.
Sozinho corre-se o risco de ter miragens,
vendo aquilo que não existe;
É junto que se constroem os sonhos (FT 8).
Pela terceira vez na história da Campanha da Fraternidade, a Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB) propõe à Igreja e à sociedade uma reflexão sobre a
importância da educação na construção da fraternidade e dos valores que dão sustentação à
vida em sociedade, de forma saudável e democrática
1
. A proposta está em sintonia com o
magistério do Papa Francisco que tem chamado a Igreja a se envolver com as questões da
educação e colocá-la a serviço da fraternidade. Basta aqui relembrar seu chamamento a um
Pacto Educativo Global e a sua mais recente Carta Encíclica Fratelli Tutti sobre a
fraternidade e a amizade social, de onde retiramos a epígrafe que abre este texto.
De fato, a temática da Campanha da Fraternidade de 2022 (CF22) encontra-se assim
expressa: Fraternidade e Educação, e tem por lema de inspiração um provérbio bíblico que
fundamenta a missão do educador: fala com sabedoria, ensina com amor (cf. Prov 31,26).
Tomando por referência o texto-base da CF22, este artigo tem o propósito de fazer ressoar
e reforçar tais reflexões, abrindo perspectivas para a tomada de novos compromissos e
apostas neste campo tão fértil, desafiador e promissor. Quer ainda contribuir para que, de
acordo com a proposta de I greja em saída do Papa Francisco
2
, possamos ir ao encontro das
periferias geográficas, sociais e existenciais, dentre elas o vasto e múltiplo campo da
educação, assumindo-as como campo de missão, como propôs o XX Encontro nacional da
Pastoral da Educação
3
. A preocupação com a educação fora manifestada pela própria
CNBB no documento Educação, Igreja e Sociedade, de 1992:
A comunidade cristã não pode ficar indiferente diante do descaso com que é
tratada a educação no Brasil. Se quisermos superar o círculo vicioso da ‘miséria
que gera a miséria’, a Igreja e toda sociedade brasileira deve passar a assumir a
Educação como verdadeira PRIORIDADE NACIONAL (CNBB, 2014, n.99).
Com uma postura pastoral missionária, que envolve escuta sensível, diálogo e
compromisso, somos desafiados a assumir a educação como um lugar teológico singular
para viver e pensar nossa própria fé, tendo por referência a prática de Jesus e os valores
que bebemos no poço do Evangelho, bem como a longa tradição da Igreja e o seu
magistério neste campo educacional.
1 A Campanha da Fraternidade teve seu começo em 1964. Em 1982, a Igreja propôs como tema de reflexão
“Fraternidade e Educação”, que se inspirou no lema “A verdade vos libertará”; em 1998, pela segunda vez voltou à
temática com o lema “A serviço da vida e da esperança”.
2 Papa FRANCISCO, Exortação Apostólica do Papa Francisco Evangelii Gaudium - A alegria do Evangelho. Edições
CNBB: Brasília, 2013.
3 CNBB, Comissão Episcopal Pastoral para a Cultura de Educação – setor educação. XX Encontro Nacional da Pastoral
da Educação- texto de trabalho. Brasília – DF, 2020.
BEDIN, Silvio Antônio
Ousar Sonhar: Por uma Educação que Promova a Fraternidade
Revista Teopxis,
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2 DA EDUCAÇÃO
Tendo consciência de que o conceito de educação não é unívoco, torna-se necessário
sempre dizer de qual perspectiva falamos quando tratamos de educação.
A educação se traduz sempre como um constructo histórico e circunstanciado que
responde a finalidades, que por sua vez, precisam ser definidas previa e conscientemente.
Quando não se reete sobre a educação, ela se processa dentro de uma cultura cristalizada e
perenizada
4
que tende a reproduzir o senso comum, salienta Luckesi. Por sua vez,
Benincá
5
sempre apontou para a práxis educativa como ferramenta permanente a ser
utilizada pelos profissionais da educação em suas práticas cotidianas, visando transformá-
las. Nada permanece igual quando entra o pensamento crítico que produz reflexão, e
remete a ações aprimoradas. De forma que é imperioso que a educação seja sempre
pensada nos seus fundamentos, finalidades e múltiplas dimensões.
Neste sentido, torna-se imprescindível compor uma teleologia da educação que
tomando por referência fundamentos antropológicos, axiológicos, epistemológicos e
pedagógicos, defina-se previa e conscientemente os objetivos que se deseja alcançar, aquilo
que se almeja como horizonte da ação educativa. Espera-se que tais propósitos possam
responder às urgências e desafios do nosso tempo. É fundamental, ademais, que se conheça
o que a Pedagogia, que bebe sempre de conhecimentos produzidos pelas demais ciências,
elaborou em relação a como se desenvolvem os processos de conhecimento e de formação
em cada ser humano. Sem isso, corre-se o risco de reproduzir formas ultrapassadas de
pedagogias que o senso comum cristalizou, e que o correspondem mais à atualidade,
como bem salienta Becker em suas pesquisas
6
.
Voltar a se questionar e buscar compreender questões como o que é educar, para quê
educar e como educar, nos ajuda a oxigenar o pensamento, e atualizar os novos
conhecimentos que as diferentes ciências humanas oferecem à compreensão do fenômeno
da educação. Assim, sempre se pode trazer à discussão: que tipo de ser humano deseja-se
formar? Com que valores deseja-se formar? Qual a pedagogia mais apropriada? Com que
metodologia? É imperioso recordar que todos nós vivemos e somos movidos por valores,
internalizados e materializados em nossas ações. Ter conscncia disso pode ajudar a ter uma
relão ctica, a fazer oões e a dar uma direção consciente à nossa vida e à missão educativa.
Faz-se mister ainda salientar que tudo decorre da concepção de educação que
fundamenta e orienta o nosso agir de educadores e que se busca concretizar no dia a dia.
Pois que dela decorrem iniciativas, decisões, criações, prioridades. Neste sentido, a crise da
pandemia que vivemos nos suscita a pensar em novas formas de promover a formação
humana, fazendo ecoar a perspectiva humanista da educação, superando a racionalidade
instrumental técnico-utilitária.
No Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o
Século XXI, Delors (2001) reconhece que, historicamente, a educação vem sendo orientada
por uma visão instrumental voltada para a formação profissional adequada às demandas do
mundo do trabalho. Contudo, ele defende que é preciso superar esta visão instrumental,
reducionista, ainda predominante nas nossas instituições, buscando ampliar o seu leque de
possibilidades de modo a descobrir, reanimar e revelar o tesouro escondido em cada um de
nós. Enfatiza que a educação precisa voltar-se para a plenitude da realização da pessoa, na
sua totalidade, na sua inteireza de ser
7
.
4 Cipriano Carlos LUCKESI, Filosoa da Educação, p.32.
5 Elli BENINCÁ e Flávia E. CAIMI, Formação de Professoresum diálogo entre teoria e prática. 2ª ed. Passo Fundo: 2004.
6 Fernando BECKER, Epistemologia do professoro cotidiano da escola. 12ª.ed., Petrópolis: Vozes, 1993.
7 Jacques DELORS et al. Educação um tesouro a descobrir. 6ª.ed., São Paulo: Cortez, 2001, p.89-102.
BEDIN, Silvio Antônio
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No relatório, apresenta e defende como princípio fundamental, que a Educação deve
ser concebida como um processo dialético para toda a vida, que começa com uma viagem
interior, de autodescoberta, para abrir-se à descoberta do outro como companheiro de
viagem. Para cumprir este processo que é individualizado, mas também social-interativo,
o autor propõe que ela contemple e integre o que ele denomina de os quatro pilares da
educação: 1) aprender a conhecer: a educação precisa oferecer os instrumentos intelectuais
necessários à compreensão do mundo em que vivemos, para que se possa nele mover-se e
viver com dignidade; 2) aprender a fazer: A educação precisa voltar-se à formação
profissional para o mundo do trabalho, buscando desenvolver qualidades como a capacidade
de comunicar-se, de trabalhar com os outros, de gerir e resolver conflitos; 3) aprender a
viver juntos: a educação precisa promover a descoberta progressiva do outro, a partir da
convivência, favorecendo a participação em projetos comuns e 4) aprender a ser: a
educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa, contemplando espírito e
corpo, inteligência e sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade.
Brandão corrobora com esta perspectiva em seus escritos, fazendo crítica às
concepções de uma racionalidade instrumental, simplificadora e redutiva da educação. Em
seu livro “Minha casa, o mundo”, acentua que
A educação não existe pra treinar produtores de bens, mas para formar
criadores de suas próprias vidas e da vida social dos mundos em que vivem (...).
Nós nos educamos, antes de mais nada, para conviver e para ser. Não para o
desenvolvimento econômico, mas para o desenvolvimento humano, ao qual
devem servir todos os outros
8
.
Em “a flauta de Prata – escritos sobre o saber e a educação” anuncia alguns passos entre
caminhos de outra educação
9
, propondo reflexões sobre um ideário de princípios e de valores
voltados a uma educação humanista e humanizadora, transformada e transformadora
A finalidade da educação é essencialmente o desenvolvimento humano e, não, o
desenvolvimento econômico. A Pessoa Humana e não o mercado de trabalho
do mundo dos negócios é o seu destinatário e a razão do seu exercício
10
.
O mesmo autor destaca ainda que a educação deve voltar a ser, em cada pessoa, um
instrumento de criação do presente e do futuro, para que ela possa viver em plenitude, a
cada momento, a felicidade compartilhada, imerso em comunidades de vida. Para a
efetivação desse projeto, precisa desenvolver o senso de corresponsabilidade com o
mundo, capaz de abraçar todas as pessoas em uma vida de partilha da felicidade.
Ele defende que é tempo de reencantar a educação, em consonância com os
paradigmas emergentes nos campos de conhecimentos humanos, sejam os das ciências,
sejam os da própria vida. E, dentre eles, sugere que se considerem os conhecimentos
relacionados à emoção, fonte ordenadora de comportamentos e racionalidades as mais
distintas e fluidas. É na emoção compartilhada que se geram a confiança e o amor. Por fim,
salienta que devemos ousar pensar e praticar uma educação para um projeto de vida, fundado na
criação de culturas de paz, e de partilha amorosa da vida e da felicidade
11
.
Corroborando com tal entendimento, Maturana agrega outros conhecimentos
fundamentais à compreensão do humano e da educação, advindos de suas pesquisas no
campo da biologia. Para ele, assim como todos os animais, os humanos o embalados pelas
8 Carlos R. BRANDÃO, Minha Casa, o mundo, p.117.
9 Carlos R. BRANDÃO, A Flauta de Prataescritos sobre o saber e a educação, p.153-159.
10 Carlos R. BRANDÃO, Minha Casa, o mundo, p.153.
11 Carlos R. BRANDÃO, A Flauta de Prataescritos sobre o saber e a educação, p.154.
BEDIN, Silvio Antônio
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emoções, que constituem a estrutura profunda desse ser. Biologicamente as emoções são
disposições corporais dinâmicas que denem os diferentes domínios de ação em que nos movemos
12
.
As emoções definem atitudes, comportamentos, ações, relações, guiando o fluir do
comportamento humano, dando-lhe o seu caráter de ação. Não é a razão que nos leva à
ação, mas a emoção
13
, pensamos e agimos conforme sentimos. Na base de cada ação está
uma emoção que a configura. Assim, o humano se constitui no entrelaçamento do emocional
com o racional
14
. Para o autor, a emoção fundamental e central na constituição do humano,
que tornou possível a história da nossa hominização, foi o amor, que é a emoção que
constitui o domínio de ações em que nossas interações recorrentes com o outro fazem do outro um
legítimo outro na convivência
15
. Assim,
O Amor, a aceitação do outro como um legítimo outro na convivência, é uma
condição necessária para o desenvolvimento físico, comportamental, psíquico,
social e espiritual normal da criança, assim como para a conservação da saúde
física, comportamental, psíquica, social e espiritual do adulto
16
.
Segundo Maturana, o não reconhecimento ou o desprezo desta emoção fundante, a
negação do amor, é responsável pela maior parte das enfermidades que afligem os seres
humanos, isso porque Nós seres humanos nos originamos no amor e somos dependentes dele. Na
vida humana, a maior parte do sofrimento vem da negação do amor: os seres humanos somoslhos
do amor
17
. Para ele existe o fenômeno social quando as relações se fundam na aceitação
do outro como legítimo outro na convivência:
Relações humanas que não estão fundadas no amor não são relações sociais.
Portanto, nem todas as relações humanas são sociais (...). Comunidades
humanas fundadas em outras emoções diferentes do amor, (...) não serão
comunidades sociais
18
.
Partindo dessas premissas, Maturana lança desafios à compreensão da educação
como um fenômeno natural em que a criança e o adulto aprendem recíproca e
espontaneamente ao conviver, transformando-se e tornando-se progressivamente mais
congruente seu viver com o do outro no espaço de convivência. A educação ocorre todo o
tempo, permanentemente, e de forma recíproca, as pessoas aprendem a viver de forma
configurada ao conviver na comunidade de pertença. A educação é um processo contínuo,
que dura toda a vida e que faz da comunidade em que vivemos um mundo
espontaneamente conservador, ao qual o educar se refere, tendo efeitos de longa duração
que não mudam facilmente.
Como vivermos é como educaremos e conservaremos no viver o mundo que
vivermos como educandos. E educaremos outros com nosso viver com eles, o
mundo que vivermos no conviver
19
.
Mostra-se pertinente e necessário, após discorrer sobre os fundamentos apontados
pelos autores, que se volte a pensar sobre o assunto da educação, como o propõe a CF22,
pois é dela que depende a educação das novas gerações que terão preponderância na
construção do mundo que desejamos habitar. Para além de todo conformismo, de quem
12 Humberto MATURANA, Emoções e linguagem na educação e na política, p.15.
13 Cf. Humberto MATURANA, Emoções e linguagem na educação e na política, p.23.
14 Cf. Humberto MATURANA, Emoções e linguagem na educação e na política, p.18.
15 Cf. Humberto MATURANA, Emoções e linguagem na educação e na política, p.22.
16 Humberto MATURANA, Emoções e linguagem na educação e na política, p.25.
17 Cf. Humberto MATURANA, Emoções e linguagem na educação e na política, p.25.
18 Humberto MATURANA, Emoções e linguagem na educação e na política, p.26.
19 Humberto MATURANA, Emoções e linguagem na educação e na política, p.30.
BEDIN, Silvio Antônio
Ousar Sonhar: Por uma Educação que Promova a Fraternidade
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Passo Fundo, v.39, n.132, p.47-55, Jan./Jun./2022. ISSN On-line: 2763-5201.
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pensa e age como se não houvesse alternativas ao mundo de competição, de lutas e de
violências, Maturana, em consonância com a proposta lançada pela CF22, propõe outros
olhares e ferramentas intelectuais para compreender a missão educativa. No seu livro
“Formação Humana e Capacitação”
20
defende trabalhar, através de vivências no cotidiano,
os valores que configuram o que ele chama de Biologia do Amor. Assim, remete a
questionamentos fundamentais na tarefa educativa:
Para quê educar? Para recuperar a harmonia fundamental que não destrói, que
não explora, que não abusa, que não pretende dominar o mundo natural, mas
que deseja conhecê-lo na aceitação e respeito para que o bem-estar humano se
no bem-estar da natureza em que se vive. Para isso é preciso aprender a
olhar e escutar sem medo de deixar de ser, sem medo de deixar o outro ser em
harmonia, sem submissão
21
.
3 DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE
Em consonância com esses e outros autores que transitam pelo mundo da pesquisa
em educação, a CF22 nos incita a pensar a educação como ferramenta para construir
comunidades humanas de vida, tecidas por relações fraternais, que promovam a
cooperação e a solidariedade. Em suma, educar para viver em comunhão.
Importante reconhecer que nos afetamos mutuamente na convivência, seja em que
âmbito for. Ela nos convida a refletir sobre a educação na perspectiva humanizadora, como
uma ação humana e divina de criação; considera-a uma ferramenta imprescindível na
formação humana voltada a reconhecer, valorizar e investir na multidimensionalidade
constituinte de cada ser humano, a promover a fraternidade e a amizade social. Reforça o
humanismo solidário que está presente na bimilenar história da Igreja e que se encontra
compilado na Doutrina Social da Igreja
22
. Acredita no processo de transformação
permanente de cada pessoa, durante a vida toda. Compreende também que esta é uma
tarefa da Família, da Escola, da Igreja e da Sociedade, como o próprio Concílio Vaticano II
o afirmara na Declaração Gravissimum Educationis (GE). Nela afirma que os pais são os
primeiros e principais educadores (...) a família é a primeira escola de virtudes sociais de que
precisam todas as sociedades (...); Cabe à Igreja o dever de educar (...) para promover o
desenvolvimento integral da pessoa humana...” (GE 1506)
23
. Na Declaração também enaltece a
missão dos professores, dizendo que
(...) é bela e de grande influência a vocação de todos aqueles que, para ajudarem
os pais no desempenho do seu ofício e para fazerem às vezes da comunidade
humana, se incumbem a tarefa de educar nas escolas. Vocação que exige dotes
peculiares de espírito e de coração, preparação muito esmerada, prontidão
contínua de renovar-se de adaptar-se (GE 1511).
O Papa Francisco apresentou ao mundo a proposta de um Pacto Educativo Global,
onde destaca elementos constitutivos para uma educação humanizadora integral que
forme pessoas abertas ao diálogo e à compreensão de que estamos todos integrados e
interligados na mesma caminhada. O Pacto propõe que a educação contribua para
desenvolver o espírito de fraternidade, assumindo o cuidado como uma forma
corresponsável de ser e de estar juntos nesta Casa Comum que habitamos.
20 Humberto MATURANA e Sima N. REZEPKA, Formação Humana e Capacitação. Petrópolis: Vozes, 2000.
21 Humberto MATURANA, Emoções e linguagem na educação e na política, p.34.
22 PONTIFICIO CONSELHO “JUSTIÇA E PAZ”. Compêndio da doutrina social da Igreja/Pontifico Conselho “Justiça e
Paz”; tradução da CNBB, São Paulo: Paulinas, 2011.
23 COMPÊNDIO DO VATICANO II – Constituições, decretos, declarações. Petrópolis: Vozes, 1980.
BEDIN, Silvio Antônio
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Revista Teopxis,
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Para levar adiante esta agenda, o Papa propõe encarar sete itens fundamentais: 1)
Colocar no centro de cada processo educativo a pessoa, seu valor, a sua dignidade,
enfocando sua especificidade, beleza, singularidade e capacidade de estar em relação com
os outros e a realidade, rejeitando a cultura do descarte; 2) ouvir a voz das crianças,
adolescentes e jovens, a quem transmitimos valores e conhecimentos, para construir
juntos um futuro de justiça e paz, uma vida digna para todos; 3) Favorecer a plena
participação das meninas e jovens na instrução; 4) ver na família o primeiro e
indispensável educador; 5) Educar para o acolhimento, abrindo-nos aos mais vulneráveis e
marginalizados; 6) Empenhar-nos no estudo para encontrar outras formas de compreender a
economia, a política, o crescimento e o progresso, para que estejam a serviço da família
humana na perspectiva da ecologia integral; 7) Guardar e cultivar a nossa casa comum,
protegendo-a da exploração dos seus recursos, adotando estilos de vida mais brios e
apostando na utilização de energias renováveis e respeitadoras do ambiente (CNBB, 2021).
Ao propor essa agenda de compromisso comum, o Pontífice reconhece a necessidade
de unir esforços para formar pessoas maduras e com responsabilidade na construção do
bem coletivo. Inspirado no provérbio da sabedoria africana, afirma que para educar uma
criança é necessária uma aldeia inteira.
Em sintonia com ele, a CF22 objetiva incentivar diálogos e reflexões sobre os
sentidos basilares da educação, para que cada pessoa seja educada a viver a fraternidade na
construção do Reino de Deus.
A educação cristã se orienta pela perspectiva da educação integral, que visa formar o
ser humano em todas as suas dimensões, considerando que ele é uma pessoa corporal e
espiritual, singular, única e irrepetível, que não pode ser instrumentalizada, nem reduzida,
mas precisa ser formada no compromisso do humanismo solidário. Um currículo
fundamentado nele, voltado ao conteúdo da vida, além de ser implementado na Educação
Básica e Superior, pode também mobilizar a Família, Igreja, organizações sociais, dentre
outros. A educação diz respeito a toda a sociedade.
É preciso investir numa educação que promova a cultura do diálogo e a interação de
saberes. A Escola e a Universidade, como espaços de educação formal, são um campo fértil
para verdadeiras experiências de encontro, de diálogo, de reflexão e do olhar atento para a
realidade. Nesta direção, o Papa Francisco tem chamado a atenção que a missão da escola é
desenvolver o sentido do verdadeiro, o sentido do bem e o sentido do belo.
Com a pandemia aprendemos muito sobre nossa vulnerabilidade, e que tudo está
interligado. Cientes da nossa fragilidade, diante da morte e do luto, somos desafiados a nos
comprometer com uma educação que desperte o espírito colaborativo e solidário e ajude a
lutar pela vida, pois como diz o Papa Francisco, na Fratelli Tutti “ninguém se salva
sozinho” (2020, p.26).
Não existem soluções fáceis para problemas difíceis. Mas podemos iniciar novos
processos que contribuam para uma nova realidade educacional no nosso país, articulando
as instituições que estão empenhadas nesta causa. Em âmbito eclesial, é fundamental
dinamizar aquelas pastorais especialmente ligadas à educação. A Conferência dos Bispos
do Brasil está propondo que seja reorganizada a Pastoral da Educação e Cultura em torno
de quatro setores inter-relacionados: setor Escolas (públicas e confessionais); setor
Universidades; setor Ensino Religioso; e setor Cultura. Em cada setor, o desafio é o de ser
presença de escuta sensível, de diálogo e de apoio a projetos humanizadores.
No XX encontro nacional da Pastoral da Educação, em 2020, deu-se ênfase à missão
pastoral, especialmente na Escola pública. No texto preparatório ao encontro, lê-se:
BEDIN, Silvio Antônio
Ousar Sonhar: Por uma Educação que Promova a Fraternidade
Revista Teopxis,
Passo Fundo, v.39, n.132, p.47-55, Jan./Jun./2022. ISSN On-line: 2763-5201.
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A escola pública cumpre uma importante função social: investir na formação de
homens e mulheres livres, capaz de interferir, com autonomia e
responsabilidade, na sociedade. Trata-se de um vasto universo, permeado de
desafios e esperanças, terreno fértil para a pastoral da educação. Nele, encontra-
se a maioria da população escolar. Nesse contexto, é fundamental que a Igreja
proponha caminhos para adentrar no chão da escola pública contribuindo,
assim, para a melhoria da qualidade da educação ofertada em nosso imenso país.
(CNBB, 2020, p.10).
Assumir pastoralmente a Escola e a Universidade significa ser presença de diálogo,
tendo presente suas realidades, e promover iniciativas de corresponsabilidade no cuidado e
na construção do respeito e da cultura de paz. Significa assumi-los como espaço teológico
onde se busca perceber a epifanização do Divino e escutar a revelação do que hoje o
Espírito Divino está a dizer.
4 À GUISA DE CONCLUSÃO
Disse o Papa Francisco:É tempo e olhar em frente com coração e esperança. Que para isso
nos sustente a convicção de que habita na educação a semente da esperança: uma esperança de paz,
de justiça; uma esperança de beleza, de bondade; uma esperança de harmonia social
24
. Somos
seres vocacionados e destinados ao amor, à harmonia e à paz e educar é um ato de
esperança no ser humano, é acreditar no seu poder transformador. A educação pode
contribuir para que prospere entre nós o Reino de Deus, apregoado por Jesus de Nazaré.
Impulsionados por tal ideário, torna-se necessário protagonizar processos que
construam novas realidades nos espaços educativos. O próprio texto-base da CF22, acima
referido, apresenta um conjunto significativo de iniciativas que, uma vez assumidas,
podem contribuir nas necessárias mudanças que o nosso tempo exige. Mas tudo começa
com os sonhos e a ousadia, sem os quais, não se conseguirá caminhar.
REFERÊNCIAS BIBLI OGRÁFICAS
BECKER, Fernando. Epistemologia do professoro cotidiano da escola. 12ª. ed. Petrópolis: Vozes, 1993.
BENINCÁ, Elli; CAIMI, Flávia Eloisa. Formação de Professoresum diálogo entre teoria e prática. 2ª.
ed., UPF: Passo Fundo, 2004.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. M inha Casa, o mundo. Aparecida (SP): Ideias & Letras, 2008.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A Flauta de Prataescritos sobre o saber e a educação. Curitiba: Editora
CRV, 2019, p.153-159.
CNBB. Campanha da Fraternidade 2022: Texto-Base. Brasília: Edições CNBB, 2021.
CNBB. Comissão Episcopal Pastoral para a Cultura de Educação – setor educação. XX Encontro
Nacional da Pastoral da Educação - texto de trabalho. Brasília, 2020.
CNBB. Educação, Igreja e Sociedade. 7ª. ed. São Paulo: Paulinas, 2014.
COMPENDIO DO VATICANO II – Constituições, decretos, declarações. Petrópolis: Vozes, 1980.
DELORS, Jacques et al. Educação um tesouro a descobrir. 6ª. ed. São Paulo: Cortez, 2001, p.89-102.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosoa da Educação. São Paulo: Cortez, 1994.
MATURANA, Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte: UFMG, 1999.
MATURANA, Humberto; REZEPKA, Sima Nisis. Formação Humana e Capacitação. Petrópolis:
Vozes, 2000.
PAPA FRANCISCO. Carta Encíclica Fratelli TuttiSobre a fraternidade e a amizade social. São Paulo:
Paulus, 2020.
24 Cf. https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2020-10/papa-francisco-pacto-educativo-global-educao-
esperanca.html. Acesso em 5.3.2022.
BEDIN, Silvio Antônio
Ousar Sonhar: Por uma Educação que Promova a Fraternidade
Revista Teopxis,
Passo Fundo, v.39, n.132, p.47-55, Jan./Jun./2022. ISSN On-line: 2763-5201.
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BEDIN, Silvio Antônio
Ousar Sonhar: Por uma Educação que Promova a Fraternidade
Revista Teopxis,
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