34
instante, como essa menina me deu três chaves de leitura: usar a linguagem e as palavras
mais conhecidas do que ‘filho pródigo’. Lá, “em casa é assim”. Casa, como lugar do
cotidiano deve ser o espaço da leitura e compreensão, o lugar da vida. E “a mãe sempre está
lá”. As mulheres, estamos juntas, mas não somos nomeadas. Somos ignoradas. As mulheres
no tempo da Bíblia, como agora, estavam presentes, mas não contavam. Lembremos o
texto de Mateus na multiplicação do pão e do peixe (Mt 14,13-21): “os que comeram foram
cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças” (v.21).
Aquele dia à tarde, tínhamos um encontro com as mulheres das comunidades, o que
acontecia uma vez ao mês. Uma mãe escutou do seu filho o que aconteceu na catequese e
contou para o grupo. Foi muito bom sentir a reação das companheiras, das mães nunca
valorizadas e sempre fieis. “Nós somos importantes, no nosso silêncio, temos valor” disse
Dona Petu, mulher pobre e muito sofrida daquela comunidade. A animação confirmou o
compromisso de nos reunirmos aos domingos para ler a Bíblia como mulheres. E lá
estamos até hoje: eu ajudando de longe, elas reunidas presencialmente depois de uma
breve interrupção pela pandemia.
O CEBI publicou vários subsídios sobre o texto Lc 15,8-9, a mulher que perdeu uma
moeda, para ajudar a compreensão da nossa metodologia. Guardo na memória, como um
tesouro, um encontro de leitura naquele grupo de mulheres. E o esquema que foi rabiscado
num caderno manuscrito pela comadre Nilda ajudada pela filha Zuleika. Parte da proposta
da nossa Metodologia, já virou tradição:
4
- acender uma luz (para lembrar a história);
- varrer a casa (para acompanhar a Tradição);
- procurar diligentemente (v.8);
- reunir amigas e vizinhas para alegrarem-se juntas (v.9).
As perguntas das mulheres do grupo surgem e as respostas também: o que dizer desta
mulher que tinha dez moedas de prata e perdeu uma, acendeu uma lâmpada, varreu a casa e
procurou cuidadosamente até encontrá-la? Chegamos à conclusão de que a mulher tomou
consciência, procurou, agiu cuidadosamente, reagiu, partilhou alegremente e valorizou a vida!
Na nossa experiência, logo, perguntamos o porquê. A resposta é rápida: partimos da
realidade! E, assim, ‘acendemos uma lâmpada’ à luz da nossa experiência, ou seja, da nossa
história. A de ontem e a de hoje. No ‘contexto histórico’ do texto lido, momento em que
foi dito por Jesus e no tempo quando foi escrito, paramos a pensar: como era o cotidiano,
a religião, a cultura, a dominação política naquele tempo?
Ao ‘varrer a casa’ nos damos o direito de limpar as contradições da tradição. Tirar a
poeira das traduções e interpretações feitas e transmitidas por interesses patriarcais,
machistas e capitalistas. Com teimosia, ‘procuramos cuidadosamente’ até encontrar. As
mulheres, temos uma liberdade própria, fruto da nossa sensibilidade. No diálogo e na
fidelidade à Palavra. E agimos na hora que encontramos o perdido, que encontramos
soluções para algum problema. A mulher ‘chama as amigas e vizinhas’ para se alegrarem
com ela. Essa mania de partilhar é importante, sobretudo, entre nós, mulheres.
Interessante foi observar, ainda, que no texto do Evangelho escrito pela comunidade
de Lucas, Jesus contou três parábolas com igual final: há alegria, afeto, festa por achar o
que chamamos de ‘perdido’. Comparando-as percebemos como foram escritas as três
parábolas em Lc 15,1-32
5
.
4 Nancy CARDOSO; Carlos MESTERS, A Leitura Popular da Bíblia à procura da moeda perdida. In: A Palavra na Vida.
São Leopoldo: CEBI, 2011, n.73, p.11.
5 Mercedes BUDALLÉS DIEZ, Meus olhos já são bifocais. In: Hermenêutica Feminista e de Gênero, São Leopoldo: CEBI,
2000, n.155/156, p.26-35.
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.39, n.133, p. 30-40, Jul./Dez./2022. ISSN On-line: 2763-5201.
BUDALLÉS DIEZ, Mercedes de
Metodologia para uma leitura popular feminista da bíblia